Centenas de milhares de pessoas tomam as ruas da segunda maior cidade do Estado espanhol em uma manifestação que reuniu homens, mulheres, idosos e crianças. Um evento midiático que ganhou espaço nos principais jornais do mundo. Sob o lema “Catalunha, novo Estado da Europa”, os manifestantes pediam a separação da região e o direito de decidirem o seu próprio futuro.
A mobilização não passou despercebida pelos políticos locais, principalmente pelo atual presidente da região Artur Mas, líder da coalizão CiU (Convegência e União). Enfrentando uma série de críticas pelos cortes orçamentários e pelas denúncias de corrupção envolvendo membros de seu partido, Mas decidiu apostar no tema da independência.
A campanha para as eleições regionais deste domingo (25/11) terminaram sexta-feira. Demonstrando o sentimento de polarização dentro da campanha eleitoral, distintos institutos de pesquisa divulgaram resultados que podem variar em até 10 cadeiras no Parlamento para o governista CiU (Convergência e União). Enquanto o Centro de Estudos de Opinião, órgão ligado ao governo da Catalunha, já chegou a dar uma maioria absoluta para o partido de Artur Mas, uma pesquisa publicada pelo diário El Mundo, que possui uma forte posição contra a secessão, e realizada pela empresa Sigma Dos, mostrava que o CiU poderia perder votos.
Apesar de ser a cara e a voz de maior destaque a favor da separação, o candidato à reeleição encontrou um ambiente moldado pelo trabalho intensivo nos últimos anos de diversas associações que compõem o movimento independentista da região. Entre elas, a que mais se destaca é a Assembleia Nacional Catalã (ANC), organizadora da manifestação de 11 de setembro.
Fundada oficialmente em março de 2012, a ANC conta com mais de 10 mil membros e está presente em quase todos os municípios da Catalunha. “Nós possuímos assembleias territoriais e setoriais”, explica Carles Castellanos, vice-presidente da organização. Cada cidade possui uma assembleia local e seus membros se reúnem periodicamente para organizar atos e promover encontros e palestras, sempre voltados ao tema da independência.
“Nós buscamos o que chamamos de maioria social”, esclarece Núria Violant, “queremos conscientizar as pessoas sobre todos os aspectos de uma possível independência para que, quando ocorra a consulta popular, tenhamos uma maioria da população que possa votar a favor da separação”. Núria integra o comitê nacional da ANC, mas seu papel é fazer a comunicação entre as assembleias da zona de Badalona, cidade da região metropolitana de Barcelona, e a assembleia central.
Badalona é um município particularmente difícil para a ANC, “é uma cidade muito grande e com muitos migrantes de outras regiões da Espanha e eles são historicamente contra a independência da Catalunha”, explica Núria. Um dos fatores que comprova o problema foi a eleição em 2011 de um candidato do PP (Partido Popular) para a prefeitura da cidade. A sigla é a maior opositora à separação da região.
Base diversificada
“Todos os membros das assembleias locais são voluntários, não ganhamos nada para realizar este trabalho”, explica o motorista Carles Martrel, coordenador da ANC em Badalona. De fato, a associação é composta por pessoas de distintas formações e de diferentes posicionamentos políticos. “Dependendo da cidade você encontra mais gente de um partido diferente, em alguns lugares predominam membros que simpatizam com o CiU em outros a maioria prefere a Esquerra”, diz Núria, referindo-se à ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), partido que deve disputar o posto de segunda força política nas eleições.
Apesar das preferências individuais, a ANC se define como uma associação apartidária. “Há pessoas que apoiam alguns partidos, mas existe uma série de condições que limitam qualquer tipo de manipulação”, afirma Castellanos, que ainda completa: “a Assembleia não tem vontade de intervir nas eleições e os membros do secretariado nacional não podem ter cargos importantes nos partidos”.
Os dados econômicos, as questões jurídicas e todo o material utilizado pelas assembleias locais da ANC são elaborados pelas comissões setoriais da associação. “É uma massa importantíssima de gente que já leva alguns anos pensando em como será o modelo do novo estado”, afirma o vice-presidente da organização. Os comitês setoriais são compostos de profissionais de diferentes áreas que trabalham para documentar e planejar as possibilidades de separação e buscam uma base teórica que comprove que a independência é uma solução viável.
“Nós temos vários comitês: jurídico, econômico, esportivo, de imigração, etc”, diz Rosa Maresma. Ela ainda explica que uma das mais importantes áreas de estudo dentro da ANC é o comitê que cuida do “novo estado”. Nele, especialistas de diversos campos de conhecimento discutem como deveria ser constituído e estruturado o país que nasceria com a separação.
Antes bravos, agora organizados
“A Assembleia faz parte da última etapa do movimento nacionalista catalão, que tem uma história de 30 anos”, conta Castellanos. Segundo o vice-presidente da ANC, esta fase teve inicio em 2005, ano em que o Parlamento da Catalunha aprovou um estatuto que redefinia, entre outras coisas, os critérios de financiamento da região. Em 2006, o PP entrou com um recurso de inconstitucionalidade contra o documento no Tribunal Constitucional espanhol. No mesmo ano, uma grande manifestação reuniu centenas de milhares de pessoas em Barcelona pelo direito dos catalães decidirem o seu próprio futuro.
Enquanto o tribunal julgava o pedido do PP, diferentes municípios organizaram consultas populares sobre a opinião de seus cidadãos em relação à independência. Apesar da ampla vitória a favor da separação, as consultas, que ocorreram entre 2009 e 2011, não tiveram grande participação em todos os municípios e os resultados não eram vinculantes.
Em 2010, o Tribunal Constitucional divulgou o seu parecer concordando sobre a inconstitucionalidade do estatuto. Em reação ao resultado, outra grande manifestação foi convocada. “Em 2010 foi grande [a manifestação] e estávamos bravos. Neste ano, foi ainda maior e não estamos mais bravos, estamos organizados”, conta Maria Biset, membro ativa da ANC.
Maioria nacionalista
Após comprovar que possui um grande poder de mobilização com a manifestação do dia 11 de setembro, a ANC espera por um resultado favorável no pleito deste domingo. “O primeiro passo para a independência se dará nestas eleições”, afirma Castellanos.
Apontado pelas pesquisas como provável vencedor, Mas pretende realizar um referendo sobre o tema da secessão. Entretanto, o governo central espanhol tem o poder de impedir esta consulta. Uma das alternativas levantadas pelo candidato à reeleição é alterar a constituição da Catalunha, para incluir um mecanismo que viabilize o referendo, mas para realizar a alteração, ele precisaria do apoio de dois terços dos deputados.
“Penso que é possível um governo unitário nacionalista. Há muitas divergências, mas se existe um plano, haverá unidade”, enfatiza Castellanos, “o caminho da independência não tem volta”.