Podia-se ver – e sentir – o cérebro de Romney rodando, ah! mas que dificuldade, para processar e enunciar aqueles fatos todos, sobre os tais países, ah, tão distantes, sem sinal, sequer, de que soubesse por que, droga, iniciara a frase. E isso é candidato a presidente que foi preparado, super preparado, hiper, over huber-preparado, não por só alguns meses, mas por nada menos que seis anos!
Com o presidente Obama confortavelmente instalado em seu papel de "Harry, o sujo" – e ali não era caso de cadeira vazia no palco – Mitt começou a suar profusamente e entrou em modo-surto, se não em modo-fracasso-terminal-total. Sua lenga-lenga sobre o Paquistão manterá ativada a brincadeira lá, nos serviços secretos do Paquistão, em Rawalpindi/Islamabad, por muitos anos.
Romney obviamente não estava suficientemente preparado para fazer a meia-volta-volver-total conceitual que o mandaram fazer, de falcão extremista para pomba centrista e mostrar-se – como disse e presidente do Comitê Nacional Republicano, Reince Priebus, como se fosse homem "inteligente, razoável". Robôs, quem sabe, sonham com eleições elétricas?
O melhor que Romney conseguiu oferecer foi um "Não sou George W Bush" coreografado mal ensaiado. Ok, mas a geografia é problema tão completamente insuperável para ele, como é para Dubya/Dábliu. Os EUA – e o mundo – já sabem que "a Síria é o único aliado do Irã no mundo árabe. É a saída deles para o mar". Quanto ao Golfo Persa, evidentemente é invenção pirada do Irã-do-mal, feito a bomba deles. Mas a coisa da "saída para o mar" – alguém aí sabe o que pensam disso Iraque e Turquia? – prosseguiu, por bom tempo.
Depois, um alto conselheiro de Romney sugeriu que "a Corte Mundial" devia prender o presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad do Mal, como Romney sugeriu ("Devia ser condenado nos termos da Convenção do Genocídio") e, assim, decapitar a cobra – para usar metáfora especialmente cara à Casa de Saud. Os conselheiros de Romney acreditam sinceramente que Ahmadinejad comande o show em Teerã.
Mas... E por que esperar coisa melhor? Romney passou 48 horas em contato direto, ininterrupto com Dan Senor, exemplar vivo da mais oceânica mediocridade de que há notícia por aqui, ex-porta-voz da infame Autoridade Provisória da Coalizão [orig. Coalition Provisional Authority (CPA)] de Paul Bremer, em Bagdá. Qualquer comandante Talibã analfabeto seria melhor professor.
Cruzeiro marítimo. Alguém interessado?
Mitt repetiu incansavelmente que a Rússia é a mais perigosa "ameaça" aos EUA. Não, a Guerra Fria não morreu: permaneceu em conserva criogênica. Ora... Se tomou uma surra até do professor Barack, melhor que Mitt não se meta a besta com Vladimir "Judoca Faixa Preta" Putin.
A "visão" de política externa de Romney resume-se a assediar "nossos amigos" e obrigar "nossos inimigos" a deitar-virar-os-olhinhos-e-morrer. Podem desistir: Mitt jamais explicou ou explicará como conseguirá fazer guerra ao Irã – nem quem pagará a despesa (Pequim já disse que "o cartão de crédito de vocês não foi aprovado").
Podem esquecer também: o tal "Oh! Como ele é moderado!" moderador nem cogita de fechar sequer um, que fosse, dos mais de 900 postos e bases norte-americanas do "Império Mundial de Bases". Mitt nunca chegará nem perto de pensar – só por pensar, que fosse – que haja alguma conexão entre zero-guerras no "arco de instabilidade" e mais dinheiro para investir na educação e na infraestrutura decadentes nos EUA.
Meu amigo Vijay Prashad, autor de Arab Spring, Libyan Winter [Primavera árabe, inverno líbio] e do inestimável The Darker Nations: A People's History of the Third World [As nações mais escuras: uma história do povo do terceiro mundo], comentou aspecto crucialmente importante. Vijay pensava sobre
....o resto do mundo – no Irã, eram 4h da madrugada, quase 6h da madrugada na Índia... Quanta gente acordada em vários países para assistir aos debates. Imaginem assistir àquele debate, do ponto de vista deles. O que viam ali nunca passou de sadismo à guisa de política externa. Nunca pararam de falar em "incapacitar", "reduzir", "esmagar". Ora... nenhuma diplomacia do mundo jamais falou aquela linguagem! O tom foi de agressão. Foi tom de que fixa uma agenda segundo a qual ou o Irã faz o que os EUA mandam, ou sofrerá consequências. Ninguém, naquele debate dava sinal de saber que o outro lado – Afeganistão, Índia, Paquistão – parceiros regionais dos EUA, mantêm laços muito profundos com o Irã.
De minha parte, pensava no Grupo 1, na Liga Superior, nas reações dentro do Zhongnanhai em Pequim e no Kremlin. O pessoal ali conhece o tipo de Partido da Guerra unificado com o qual tem de lidar – e terão (obrigatoriamente) de responder à altura.
Seja como for, em poucos dias Washington terá três porta-aviões a infernizar o Irã, em águas marítimas que, segundo Mitt Romney, não existem (o Irã tem de passar pela Síria para ver o mar, remember?). Quer dizer: voltamos ao ponto de faça-o-que-mando ou faça-a-pista (por mar?).
Sobre estadistas e construção de estados, esqueçam. Detalhes e nuances diplomáticas, esqueçam também. Ocontinuum Bushobama reina inabalável. O Irã não passa de um bando de mulás criminosos – e vamos derrubá-los, seja como for. É uma República Moderna em ação. Make my day, punk.
Tanto som e fúria... E, dia seguinte, tudo já estava esquecido. Restou sensacionalismo de tablóide e bobagens sobre quem usou a melhor gravata e as melhores respostas tipo bateu-levou.
Harry, o sujo, e seu clone, de fato, não estão dando a mínima. De volta ao batente, o empate persiste e só interessa, mesmo, a opinião daquelas senhoras indecisas de Ohio.
Collins, que tem vasta experiência de campanhas políticas, disse que "eleição muito apertada: pronta para ser roubada". E, como se não bastasse, o que, diabos, os eleitores indecisos de Ohio entendem de saída do Irã para o mar?
Notas de rodapé
[1] Orig. Dirty Harry. É título de filme de 1971 (Perseguidor Implacável no Brasil; A Fúria da Razão em Portugal), dir. Don Siegel, no qual Clint Eastwood interpreta pela primeira vez o detetive Harry Callahan. O bordão do personagem ("Make my day, punk") pode ser traduzido como "me ajude a ganhar o meu dia", no sentido de "pisque um olho, mova um dedo, e eu adorarei matar você" [NTs].
[2] Bullitt (também no Brasil), Filme de 1968, estrelado por Steve McQueen.
[3] No expectations, dos Rolling Stones, 1968.
[4] Orig.: Dirty Harry-style shootout. A punk out-punking a punk. Tradução arriscada, tentativa. Todas as correções e comentários são bem-vindos [NTs].