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01B77E4097D38C7DF0DA78689DFC68B724146689ED75A16F673D967D8066076AFrança - Carta Maior - [Léa Maria Aarão Reis] O filme, sobre a imigração ilegal e o asilo político, narra a fuga de três pessoas dos horrores da violentíssima guerra civil do Sri Lanka.


O filme francês Deephan - O refúgio, ganhador da Palma de Ouro deste ano no Festival de Cannes, não é um filme excepcional embora original, digno – diria obrigatório - de assistir, neste momento em que acompanhamos, com pasmo, o horror do terrorismo que vai se generalizando sob as suas mais diversas formas, e o espetáculo dantesco dos refugiados rejeitados vindos de países devastados pelas guerras criadas por governos ocidentais. Deephan foi recebido cercado de polêmica pela crítica de Paris, meses atrás, embora a mídia tenha recomendado o filme de Jacques Audiard, cineasta de 63 anos, ex – roteirista, montador de cinema e detentor de vários prêmios Cesar, o maior troféu do cinema francês: “Este seu sétimo longa metragem é audacioso e possui todas as qualidades para ganhar a atenção do público,” comentaram os jornais.

Sem dúvida. No Brasil, Deephan estreou sem grande alarde. Abriu espaço para uma enxurrada de babaquices cinematográficas como Grace, princesa de Mônaco e mediocridades. Filmes assemelhados às telenovelas no objetivo de hipnotizar e descerebrar as sociedades – ou o chamado ‘grande público’, como gosta a crítica de cinema.

O filme, sobre a imigração ilegal e o asilo político, narra a fuga de três pessoas dos horrores da violentíssima guerra civil - guerrilha marxista contra governo -, no seu país, atual Sri Lanka, antigo Ceilão. Um guerrilheiro deserta do conflito e se torna um dos milhões de imigrantes sem passaporte. Imagens pungentes que o ‘grande público’ vai se acostumando a ver, todas as noites na tela do seu conforto, à medida que o tempo passa e os horrores se sucedem, cada vez mais se comovendo menos.

Estas pessoas são o tigre tâmil (aguerrida minoria étnica da ilha) chamado Deephan, que abandona a guerrilha dos tigres tâmeis depois de ter a família dizimada pelo exército do governo; outra, uma jovem desesperada, praticamente em estado de choque, Yalini. A terceira, a pequena Illayaal, de nove anos, órfã de pais mortos nas batalhas. Os três, desconhecidos uns dos outros, se fazem passar por uma família de modo a ter direito ao passaporte de refugiados que garantirá a entrada na França. Lá, são designados para morar em um projeto habitacional popular, um complexo do HLM (habitation à louer moyen**), nos arredores de Paris. A produção, falada em idioma tâmil, foi rodada por Audiard no conjunto Coudraie, em Poissy, a 20 quilômetros da capital, construído nos anos 60 para alojar funcionários da Simca. 

Mesmo sem falar francês, Deephan consegue emprego de zelador de um dos prédios do conjunto. Yalini, o serviço de empregada doméstica no apartamento de um tio do chefe local do tráfico de drogas. A menina entra para a escola e é quem se adapta mais rápido e melhor à nova realidade. Mesmo mal se conhecendo, os três, juntos, tentam reconstruir suas vidas atingidas pela guerra em um país em paz. Vão descobrir que a nova realidade não é tão idílica como fantasiam e que o terror também existe dentro da Europa com as suas diversas faces.


O filme é protagonizado por Jesuthasan Antonythasan, ator, escritor e ativista político com trajetória semelhante à do seu personagem. Antonythasan também lutou com os tigres da Libertação da Pátria Tâmil (seu codinome era Maniyan) quando adolescente, antes de partir a França onde entrou há 22 anos.

Ainda garoto, porque era conhecido pela sua inteligência no lugarejo onde nasceu, escapou do destino das crianças de 11 anos: ir para Colombo, trabalhar. Anthonythasan foi mandado para a escola pública onde estudou. 

Kalieaswari Srinivasan e Claudine Vinasithamby fazem a mulher e a menina. É a primeira vez que trabalham como atrizes. Naturais do Sri Lanka, são excelentes, de uma espontaneidade cheia de frescor. Em Cannes, os três levaram também os prêmios de interpretação.

Na maior parte da sua narrativa, Deephan é um filme realista com forte engajamento social; espécie de documentário com entradas da ficção. É mais um filme de Audiard com a marca do seu cinema: a insegurança ocasionada pelo medo, o terror, o amor e a vingança, mas com ênfase na força e na capacidade dos seus personagens, desventurados, marginalizados ou desassistidos de se reerguerem sempre, sempre e sempre.

Ao assistir este filme do diretor de dois outros festejados e premiados filmes, Ferrugem e osso (2012) e de  O profeta (2009,) é imperioso registrar outra produção, Made in France, de Nicholas Boukhrief, de 53 anos, nascido em Antibes, cuja estreia marcada para Paris, semana passada, foi cancelada por motivos óbvios. Conta a história de jornalista francês se infiltrando em uma organização fundamentalista que planeja um ataque em Paris para semear o terror no coração da cidade. Premonição de arrepiar. Além da estreia, prevista em 100 salas, também foram retirados da cidade os cartazes que substituía um rifle AK-47 pela Torre Eiffel.

Recentemente, o Cahiers de Cinéma publicou matéria sobre um suposto “vazio político” no cinema francês. Não é o que parece no cinema de Audiard – o recorte que ele faz no seu Deephan tem como fundo o pano político – nem em Made in France.

Na vida real, os tigres tâmeis, hoje, são um grupo que trabalha no Sri Lanka na esfera política mais que na da guerrilha. Mas a sua militância continua advogando uma política “anti-imperialista (...) contra os neocolonialistas, o sionismo, o racismo e outras forças reacionárias.” 




*Jornalista

**Habitação social


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