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Terry-Riley-In-C-full-scoreRevista Rubra - [Tiago Sousa] In C é a peça-base da construção do movimento minimalista dos anos 60. Escrita por Terry Riley em 1964, mistura música escrita com premissas que partem da música improvisada.


A partir de 53 frases melódicas, que fazem uso de pequenas subtilezas rítmicas, cabe a cada interprete a decisão da manter a repetição da frase ou o avanço para a frase seguinte, assim como a possibilidade de tocar a mesma frase em diferentes registos tímbricos. Cada uma dessas frases é baseada na tonalidade de Dó. O nome In C alude precisamente a esse facto, C é cifra para a nota Dó. O resultado é a criação de um organismo musical autónomo e imprevisível.

Quando Riley escreveu esta peça tinha acabado de chegar a São Francisco, após uma estadia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Nela havia estabelecido uma estreita relação de amizade artística com outro dos vultos deste movimento: La Monte Young. Ambos tiveram uma infância e adolescência marcadas por um ambiente social bastante precário. Vindos do interior Americano, foi a partir da música negra americana, em particular do Jazz, que se aproximaram dos meios académicos e da grande música erudita europeia, algo que os levou a desenvolver um caminho metodológico radicalmente diferente.

Young tinha tornado-se um aluno incómodo. Dentro do círculo académico, onde os ecos da nova escola de Vienna, de Schoenberg, Webern e Berg, reverberavam, Young havia explorado, muitas vezes com a companhia de Riley, os limites da performance musical e dos papéis que lhe conferiam. Neste contexto, escreveu algumas peças curiosas, como Poem for Chairs, Tables, Benches, etc. (1960), música literalmente feita com objectos comuns, e aprofundou um interesse por práticas musicais fora do contexto hegemónico da música europeia a partir do movimento Barroco. Em grande parte, o interesse de Riley pelas suas ideias impeliu Young a prosseguir este percurso.

Uma peça em particular despertou o interesse de Terry Riley, Trio For Strings (1958), escrita por Young, que, no contexto das suas aulas de harmonia, cortava com o cânone de escrita ocidental, rejeitando a narrativa e o clímax. Inspirado pela música europeia antiga e pela música erudita indiana, parte da harmonia serial mas com uma particularidade: baseia-se no desenvolvimento de longas notas suspensas, sem pulsação, apelando a um sentido de imobilidade e de suspensão do tempo.

A linha, que Terry Riley vai seguir na composição de In C, parte deste princípio, deste lado contemplativo e esparso de Young, mas difere da natureza das pesquisas que partilhou com ele: a linguagem fundada na ideia de repetição.

Nela ecoa o espírito da década: os temas da liberdade criativa e da experimentação sensorial opõem-se aos movimentos de extremo racionalismo da música serialista e atonal das décadas precedentes. Uma experiência psicotrópica de forte índole contemplativa e meditativa responde ao espírito que se vivia nos meios intelectuais e boémios americanos. Das viagens de Kerouac à experimentação perceptiva do mundo que Huxley descreveu em The Doors of Perception. Do expressionismo abstracto de Jackson Pollock à música psicadélica dos Jefferson Airplane. Do fraseado Bebop de Coltrane ou Monk ao súbito interesse pelas práticas religiosas do Zen, do Hinduísmo ou do Taoísmo.

O encontro desta música com a contracultura dos anos 60 provocou um estrondoso sucesso, tornando-se paradigma para um sem número de compositores ligados às correntes populares, às mais eruditas e vanguardistas. Esta música quase-primitiva que se sucede em catadupa leva os próprios intérpretes a uma busca do desconhecido. Um processo quase-místico que revela o profundo interesse de Riley sobre a espiritualidade da música, como se sugerisse nunca ter existido algo para lá de In C. É como se toda a música do passado e do futuro se condensasse no momento da interpretação e nos lançasse num vórtex, ao mesmo tempo absorvente e excitante, contemplativo e catártico.

Questionando o papel do autor e do intérprete, coloca-se a ênfase no processo decisivo do intérprete para criar um corpo social que ganha vida não só através da autonomia de cada executante, como da soma de cada execução. Assim, Riley abre um espaço de reflexão sobre os papéis hierárquicos e sobre o exercício do poder, que não deve ser desligado da relação com o espírito libertário norte-americano e com a forma como este desafia o status quo através das possibilidades de igualdade e comunidade, um projecto para o edifício de uma democracia radical.

 


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