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sptoLe Monde Diplomatique - [Ana Paula Salviatti] Medidas reguladoras que estabeleçam como saídas ferramentas pró-mercado como os instrumentos de flexibilização instituídas pelo Protocolo Quioto reproduzem e acentuam ainda mais as distorções econômicas.


O primeiro acordo que tratou dos efeitos da poluição sobre o clima foi o Protocolo de Quioto. Lançado em 1998 e ratificado somente sete anos mais tarde, Quioto traduziu a linguagem de uma economia liberal, através da instituição dos mecanismos de flexibilização financeiros, os quais tinham por objetivo auxiliar os países responsáveis pelas alterações climáticas – segundo as conclusões defendidas pelo IPCC – a cumprirem metas de redução auto definidas de gases do efeito estufa.Os créditos de carbonos foram seu resultado mais conhecido, na verdade foram anunciados como a melhor solução para os problemas que se apresentavam. Eles basicamente permitiram que os responsáveis pelo modelo de industrialização poluente comprassem créditos dos demais países.

Vamos aos números. As metas de redução instituída pelos países foram baseadas em critérios políticos, e não sobre dados científicos, tanto em Quioto, como no último encontro em Paris, a COP21. O nível de emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa em 1990 atingiu a marca de 90 bilhões de toneladas. O Protocolo de Quioto defendeu uma redução total de 5,5% correspondente às emissões do ano de 1990. Para a primeira fase do acordo, a meta era alcançar uma redução de 5% dos gases emitidos entre os anos de 2008 a 2012. Ou seja, uma diminuição de 4,5 bilhões de toneladas de gases poluentes na atmosfera, ou uma média anual de aproximadamente 1,125 trilhão de toneladas. Segundo dados publicados pelo Banco Mundial, “no início de setembro de 2012, o número total de créditos de carbono emitidos passou de 1.000 MtCO2”, o correspondente a 1 milhão de toneladas de gases não emitidos. Assim, o mercado de emissões criado pelo Protocolo de Quioto alcançou aproximadamente 0,02% do montante de emissões necessárias para as reduções totais dos países Anexo I, que passa da casa do bilhão de toneladas.

A construção dos relatórios sobre as questões ambientais e a inserção dos países que lutaram por melhores condições e meios de desenvolvimento nacional, desde o início dos debates feitos pela Organização das Nações Unidas, esteve diretamente ligado às transformações assistidas na econômica internacional. Medidas reguladoras que estabeleçam como saídas ferramentas pró-mercado como os instrumentos de flexibilização instituídas pelo Protocolo Quioto reproduzem e acentuam ainda mais as distorções econômicas e ao contrário do que prega o pai nosso do mercado, são nada eficientes.

Dez anos após o início da primeira fase de Quioto, a economia se encontra amplamente aberta, suas crises são um capítulo a parte conhecido por todos nós. Os países tardios que apresentam algum desenvolvimento como o Brasil abraçaram o boom da exportação das commodities. Daqueles que mais avançaram industrialmente temos a China como o máximo exemplo. Sozinha ela consumiu nos últimos anos quantidades inéditas em relação a todo o cimento produzido no mundo, abriga inúmeras empresas poluidoras oriundas dos países avançados e adota um modelo de desenvolvimento capitalista tão poluente como o apresentado no ocidente desenvolvido. A China que hoje é indiscutivelmente, se não o motor, a correia de transmissão que move a economia mundial.

Da forma como temos acesso ao debate em torno dos problemas ambientais, e, do aquecimento global, apresentado como o mais urgente deles, fica mesmo muito difícil compreender as origens e os limites do problema. Se olharmos para uma cidade feita São Paulo, como um exemplo de meio ambiente, quem sabe possamos começar a nos dar conta do tamanho do processo em que estamos envolvidos. E principalmente tenhamos em mente que por detrás de “problemas ambientais” está reunido um enorme conjunto de questões diretamente ligadas com o modo com que nossa sociedade se desenvolve e organiza. Dessa forma, o problema não está somente lá numa Amazônia remota, ele está especialmente aqui, bem onde você e sua família mora.

Aos países que comungam de um histórico de lutas por mais desenvolvimento fica a questão – De quanto vale um crescimento econômico que não questione o modelo que exige superávits primários sempre maiores, e o incontestável pagamento dos juros da dívida? Não iremos disputar um modelo de desenvolvimento qualitativamente distinto do existente nos países do primeiro mundo, e que seja este sim sustentável e viável para nós? Qual o modelo de desenvolvimento urbano que estamos planejando para nossas cidades? E o modelo de desenvolvimento econômico que nós defenderemos continuará baseado na exportação das nossas vantajosas commodities, e na montagem de automóveis?

Os agravos ambientais, sejam eles climáticos, hídricos, florestais ou urbanos, estão todos relacionados com o horizonte do desenvolvimento adotado pelas nações. Sejamos honestos, até mesmo quando estamos diante dos piores cenários sobre as condições em que nossas próprias vidas estão submetidas, quem dá a última palavra é a economia. Nosso horizonte é muito estreito. Seria melhor nos questionarmos que economia é essa que pauta um modelo de desenvolvimento tão distorcido para uns e tão benevolente a outros. E termos em mente que a tradução desses limites está nos resultados comemorados das atuais negociações realizadas recentemente na COP21, onde as nações em conjunto se comprometeram em elevar a temperatura de todo o planeta em somente 2ºC.  


Ana Paula Salviatti, historiadora e doutoranda no Instituto de Economia da Unicamp.

Imagem: Duc Truong


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