1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (1 Votos)

bangkaIndonésia - Contrapoder - Quem tiver um telemóvel —acaso um smartphone ou uma tablet ou qualquer um dos novos dispositivos dependentes de placas eletrónicas de última geração— tem na sua mão, entre outros materiais, estanho e coltan.


Sobre o coltan, quem se tiver interessado sabe já que a sua exploração está no cerne da guerra africana que desde há vinte anos totaliza 45 mil vítimas mortais por mês sem que os compradores do material se importem demasiado. E sobre o estanho? Quem sabe algo do estanho?

Bangka. O estanho do mundo

Bangka é uma ilha do Pacífico de quase 12 mil km2. Os seus 625 mil habitantes, a maioria de origem chinesa e malaia, são hoje cidadãos da Indonésia. Nem o tamanho da ilha nem a sua demografia são muito espetaculares: Bangka não parece representar qualquer novidade geográfica nem política. Antes ao contrário.

Uma pesquisa rápida apenas deita algum resultado pouco transcendente: resulta que Bangka é famosa por ser a plateia do assassinato de enfermeiras australianas durante a Segunda Guerra Mundial e também o cenário em que se desenvolve a trama do Lord Jim, de Joseph Conrad. E pouco mais. Talvez, no melhor dos casos, haverá quem lembre que ainda hoje mora nela um contingente de comunistas indonésios arrestados em 1960, durante as purgas anti-comunistas, aos que não se lhes permite abandonar a ilha, numa espécie de ostracismo à inversa.

Nenhum interesse para ocidente, no fim das contas. Exceto, talvez, por uma questão: nas suas minas e canteiras é produzido 30% de todo o estanho do planeta. O estanho: esse material fundamental para a indústria eletrónica, que possibilita as microsoldaduras dos dispositivos móveis e, derivadamente, as indizíveis mais-valias das grandes corporações do ramo: Nokia, Sony, Blackberry, Apple, LG, Samsung, etc.

Sobre a base de que Bangka extrai quase um terço do total de estanho do planeta, e levando em conta que o preço da tonelada de estanho está hoje à volta de 23 mil USD no mercado legal, qualquer pessoa crédula poderia esperar um nível de vida altíssimo. No fim das contas, para Bangka seria bem simples controlar o mercado global de estanho. A realidade, por enquanto, é bem outra.

Segundo uma pesquisa de Amigos da Terra realizada em 2012, quando menos uma pessoa morre cada semana nas canteiras e minas da ilha — incluindo crianças, evidentemente. 70% dos recifes de coral estão profundamente danados como resultado das atividades mineiras, e o mesmo acontece com as florestas, que perderam já 65% da sua extensão passada, deixando espaço para uma expansão descontrolada das áreas mineiras que hoje ultrapassam 45% da superfície total da ilha. Nem sequer a lei que impede avançar as minas a menos de 6 km. da linha de costa conseguiu deter o novo monocultivo da ilha. Por que? Porque com um lucro de tal calibre, as leis não importam nada. São papel molhado.

Mas não só: a poluição é tal que os pescadores e os obreiros do setor turístico —os poucos trabalhadores que não se dedicam às minas— estão sendo obrigados a abandonarem a sua atividade tradicional devido à mortandade das espécies marinhas ou ao avanço, por hectares, das áreas reservadas à mineração.

Eis a verdadeira situação de Bangka. Nem rasto do alto nível de vida que promete o capitalismo. Quando menos na ilha. Porque lucro há. A milheiros de quilómetros de distância, e bem concentrado.

O verdadeiro rosto da subcontratação

Após as suas investigações, Amigos da Terra perguntou aos principais fabricantes de dispositivos eletrónicos —os principais consumidores de estanho, enfim— o que opinavam das condições de escravatura das pessoas que extraem o material do que dependem as suas mais-valias e a sobrevivência do seu modelo de negócio.

A campanha, sob o nome de Make it better, conseguiu que Blackberry proclamasse a sua preocupação com as condições laborais e ambientais na ilha. Evidentemente, as declarações do gigante canadense não passaram de aí, mas o verdadeiramente interessante foi que reconheceu que a indústria mineira do estanho representa uma parte importante das suas subcontratações, ainda sem tolerar qualquer ligação com a ilha indonésia. Nokia e Apple disseram algo similar, e reconheceram que não sabiam, nem por acaso, se o estanho utilizado na fabricação dos seus aparelhos tinha algo a ver com Bangka e com a sua exploração infantil.

Apenas a Samsung respondeu. Em abril do ano passado reconheceu que uma percentagem do estanho utilizado nos seus componentes poderia provir de Bangka, mas imediatamente se apressou a deixar claro que a Samsung não se dedica à extração de matérias primas. E esse foi o exemplo mais perfeito do que o resto de grandes corporações estavam a dizer: «não nos incomodem com isso, que não é cousa nossa».

O consumo manda

A posição de Apple, Samsung, Nokia ou Blackberry não deveria espantar ninguém. A falsa preocupação que mostram os seus comentários em resposta à campanha Make it better tem muito a ver com a política de subcontratações que elimina problemas justamente lá onde os problemas se verificam com maior intensidade: no espólio das matérias primas. Mais ainda quando esse espólio é realizado longe, além do foco mediático, mais interessado em criar uma nova vaga de consumo descontrolado arredor do último modelo de smartphone do que em escudrinhar as cloacas do sistema.

Tem a ver com isso, certamente. Mas tem a ver, sobretudo, com essa sociedade do consumo que já é velha, da que levam anos a nos alertarem a filosofia, a sociologia, a ecologia, a economia e o sentido comum. Com essa sociedade que sobrevive, embora tanto alerta e tanta falsa preocupação na massa consumidora como nas elites proprietárias dos meios de produção do desejo plastificado. O consumo manda. Tanto que nem as dramáticas cifras de contração do próprio consumo derivadas da crise de crédito desde 2008 conseguiram frear o monstro. Outros territórios de consumo, outros países emergentes poderão vir a substituir no meio prazo a atragoada Europa e os mórbidos Estados Unidos. Mas o consumo deve prevalecer para que o sistema continue acumulando.

Para isso servem o curto ciclo vital dos aparelhos eletrónicos, a sua deliberada obsolescência e as campanhas para assegurar que as teorias do decrescimento não vaiam além de simpáticos relatos ecologistas. E todo isso tem consequências, é claro: houve uma época em que Bangka era uma ilha afastada dos circuítos do dinheiro transnacional. Hoje é um dos buracos negros do negócio eletrónico.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.