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8039861875 e4fb4a5f73 zJacobin - [Catarina Príncipe & Dan Russell; Tradução de Alejandro Garcia para o DL] A esquerda na Europa e mais além depara-se com grandes desafios. Que tipo de estratégia precisamos avançar?


Foto de Carac3 (CC by-sa/2.0/)

Seria difícil fazer melhor trabalho defendendo o projecto político que foi o Syriza — contra tanto aqueles que o condenaram desde o princípio e aqueles que agora defendem a capitulação da liderança — que Stathis Kouvelakis fez nos últimos meses.
Kouvelakis, no entanto, não estava apenas a defender o Syriza ou a “nova” esquerda europeia de uma forma mais ampla, mas a estratégia de construir partidos de massas de trabalhadores — para organizar e transformar a consciência de classe através da luta — uma estratégia que se estende no tempo até ao século XIX.

A posição de Kouvelakis é muito diferente daqueles como Tad Tietze que rejeita a possibilidade de políticas alternativas à austeridade e nos pede em vez que nos foquemos em desenvolver movimentos extra-parlamentários. Mas uma estratégia viável de esquerda para terminar com a austeridade não pode contrapor o social e o político: uma alternativa política deve ajudar a criar a sua própria base social. Este foi precisamente o projecto do Syriza, que o recentemente formado Unidade Popular irá continuar agora que a liderança do Syriza abandonou o seu comprometimento com a luta ao memorando.

Apesar das derrotas e desvios estes projectos continuam a ser o único caminho em direcção a uma eventual ruptura não só com a austeridade mas mesmo com o capitalismo. Aqueles de nós que ainda não têm que se confrontar com a questão do poder de estado, sem embargo, têm que aprender as lições certas tanto do Syriza como da história de onde nasceu.

 

A primeira experiência de criar partidos de massas de classe operária chegou ao fim com o despoletar da Primeira Guerra Mundial e uma quase unânime decisão dos sociais democratas tanto alemães como franceses — as principais candeias do movimento europeu — de trair a causa do socialismo internacional e respaldar os respectivos governos a marchar para a guerra. A tarefa de unir uma oposição minoritária caiu nas mãos dos Bolcheviques. Os seus esforços lançou as bases para uma nova internacional que rapidamente se solidificaria no despertar da Revolução Russa.

O espaço para uma Terceira Internacional e partidos de massas revolucionários que se definiam a si mesmos contra a social democracia reformista apareceram devido a condições concretas, particularmente o elevado nível da luta de classes que a guerra tinha desencadeado. Ainda assim, apenas os comunistas alemães — já devastados pelo assassínio dos seus melhores líderes e expulsados do partido social democrata — foram capazes de provocar um desafio prolongado ao poder antes que a onda revolucionária retrocedesse, a social democracia encontrasse a sua posição e o o Estalinismo reconfigurasse fatalmente os jovens Partidos Comunistas.

Aqueles que tentaram traçar um curso revolucionário independente foram purgados e isolados tanto do movimento oficial comunista como do social-democrata que iriam dominar o movimento operário durante toda a Segunda Guerra Mundial. Um número variado de mudanças tiveram que acontecer antes que os revolucionários tivessem novamente audiências massivas: revelações dos crimes de Estaline, a repressão soviética das revoltas húngaras e checas e o regresso das lutas militantes de classe nos anos 60 e 70.

Esta última expôs o conservadorismo dos partidos comunistas ocidentais e criou espaço para novas formações à sua esquerda, tais como o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) do Reino Unido e a francesa Liga Comunista Revolucionária (LCR). Mas com o começo da ofensiva neoliberal nos finais dos anos 70 estes partidos enfraqueceram. Os partidos tradicionais sociais-democratas estavam igualmente irremediavelmente feridos. Os reformistas sociais democratas da ala esquerda enfrentaram a derrota e o recuo, enquanto que a ala direita tomou encantada a gestão do neoliberalismo.

À medida que estes ex-partidos de trabalhadores começaram a implementar medidas de austeridade, sociais democratas dissidentes, comunistas e outros construíram novos partidos que trabalhavam com movimentos sociais e inseriram-se em debates sobre a melhor forma de confrontar o neoliberalismo. Na última década, formações como o Bloco de Esquerda, Die Linke e Syriza preencheram o espaço livre deixado pela social democracia.

Infelizmente, alguns revolucionários tornaram o que dos anos 30 aos anos 80 foi uma necessidade — construir pequenos grupos revolucionários pela dificuldade ou impossibilidade de operar de forma independente dentro de partidos reformistas de massas ou comunistas oficiais — em uma virtude ao interpretar erroneamente a experiência da social democracia em geral e dos Bolcheviques em particular.

Os Bolcheviques não estavam a tentar construir um partido “revolucionário” especial mas sim um social democrata no contexto repressivo da Rússia Czarista. Foi esse contexto e a ruptura com os Mencheviques — não um suposta pureza teórica — que causaram as tendências reformistas que dominaram a maquinaria do partido alemão marginalizado na Rússia.

A lição mais relevante da social democracia pré-guerra para a luta de classes de hoje é que devemos primeiro construir partidos que se tornarão dominantes no movimento operário através da luta por reformas. É apenas através da experiência colectiva de ganhar vitórias tangíveis e testando os limites do reformismo que a maioria será ganha para as políticas revolucionárias.

Ainda que seja verdade que tais formações possam recriar muitas das mesmas contradições presentes na social democracia do pré-guerra, isto não as leva necessariamente para o mesmo resultado fatal. E os revolucionários que cedem aos reformistas a tarefa de criar e moldar as formações políticas, que possam apelar e empenhar a maioria da classe operária na luta política, debilitam não apenas esses mas também quaisquer outros projectos revolucionários.

Partidos de um Novo Tipo

Com a ascensão do neoliberalismo e com o visível desvio dos partidos sociais democratas tradicionais de massas de trabalhadores em partidos que administram austeridade, a gravidade do centro político moveu-se para a Direita. Isto significa que as lutas na Europa por um estado social funcional e pelos direitos dos trabalhadores se volveu órfã por várias décadas.

A deriva à direita, juntamente com a queda da União Soviética e os movimentos anti-guerra e alter-globalização, abriram um espaço político que precisava ser ocupado pela nova esquerda. Estes partidos foram fundados na rejeição do Estalinismo e numa nova ideia de como se relacionar nos movimentos sociais, com o objectivo de ganhar a base social da social democracia liberalizada.

Ao fazê-lo significou adoptar pontos programáticos centrais dos partidos sociais democratas tradicionais — proteger o estado social e os direitos laborais — e juntar uma camada mais ampla de reivindicações feministas e ambientais. Enquanto as políticas na Europa e mais além se desviavam para a direita, tocava aos radicais organizar em volta destas políticas.

Estes partidos foram construindo partidos de trabalhadores de massas com duas coisas em mente. A primeira que o partido seja um instrumento de intervenção social — interagir com movimentos sociais, o movimento operário e tentativas organizativas de base — isso deveria simultaneamente construir um programa político autónomo e lutar contra o poder estatal. A segunda é que o apoio de base da Nova Esquerda é simultaneamente os partidos de massas dos trabalhadores e os milhões que se volveram descontentes com o sistema político como um todo.

Estas novas correntes foram estabelecidas com a assumpção de que não havia a necessidade de contrapor o esforço de ganhar as pessoas para a exigência de um conjunto de reformas de esquerda e a necessidade de desenvolver apoios para ideias e correntes mais radicais. Pelo contrário, este tipo de comprometimento mais alargado era a única maneira de manter a extrema esquerda relevante para as pessoas comuns. A composição ideologicamente difusa destes partidos permite a sua transformação em direcções progressivas assim como oferece aos radicais uma plataforma com um vasto público. O que manteve as ideias revolucionárias vivas foi precisamente o seu envolvimento com projectos de esquerda reformistas.

Agora proliferam partidos da Nova Esquerda, mas ainda não é claro para muitos da esquerda europeia para onde vamos a partir de aqui. Oferecemos três ideias estratégicas para contribuir para esse debate. Tantos partidos de esquerda não emergiram caídos do céu ou pela boa vontade de pequenos grupos radicais ou revolucionários: são produto de câmbios nascidos de mobilizações políticas mais amplas que os partidos existentes não foram capazes de explorar.

Um dos objectivos centrais destes novos partidos de “novo tipo” tem sido debilitar a neoliberalização dos partidos sociais democratas desviando-lhes a sua base de apoio. Isto é apenas possível se há um projecto político autónomo que recusa ser muleta para os tradicionais partidos sociais democratas, enquanto que ao mesmo tempo luta por reformas, tenta ganhar maiorias sociais e disputa o poder de estado.

Além disso, todas as importantes rupturas nos partidos do centro-esquerda aconteceram porque alguma formação estava a fazer pressão da esquerda — como o envolvimento de Oscar Lafontaine e outros membros do Partido Social Democrata da Alemanha na fundação do partido socialista Die Linke [A Esquerda].

No entanto, esta táctica apenas tem tido um sucesso parcial. A estratégia de tentar ganhar tanto simpatizantes tradicionais da social democracia e pessoas que se amargaram com o sistema político “à grande escala” tem-se revelado difícil de realizar: estes partidos de “novo tipo” mostram demasiadas semelhanças com outros [partidos] para aqueles que estão desencantados com o sistema e são demasiados estranhos e anti-sistema para aqueles que não estão preparados para reformar o existente sistema político.

Vale a pena repetir que a vulnerabilidade e declínio dos partidos sociais-democratas tem sido auto-infligido. Aplicando e gerindo a austeridade em vez de expandir as provisões sociais, estes antigos partidos de trabalhadores adoptaram na abordagem as mesmas políticas básicas que os seus homólogos conservadores. É precisamente por causa desta “Pasokização” que precisamos de fortes organizações reformistas de esquerda; apenas estas são capazes de persuadir e organizar as pessoas que provavelmente abandonarão os partidos sociais democratas.

E a presença destes revolucionários dentro destas organizações é e será crucial para prevenir um desvio à direita. Outro ponto essencial tem que ver com a relação entre a luta social nas ruas e a busca de cargos políticos. Temos que entender os partidos como instrumentos da luta social, veículos que nos ajudam a coordenar e a construir relações entre os diferentes movimentos. Manter o carácter autónomo destes movimentos não está necessariamente em desacordo com a construção de programas e campanhas para atingir o poder de estado e implementar políticas progressivas.

Porém o que os socialistas podem alcançar usando o estado capitalista é limitado, este tem uma autonomia relativa das empresas. A capacidade do estado apresentar objectivos progressistas depende do equilibro de poder entre o trabalho e o capital. Não reconhecer esta possibilidade significa desistir da esperança e denegrir todas as reformas sem revolução.

A presença de ideias revolucionárias é novamente essencial, não apenas pela necessidade de reconhecer os limites de ganhar o poder de estado sem o transformar, mas também porque a organização do poder popular é fundamental para a sua sustentação e uma questão central para qualquer governo de esquerda.

Os Limites do “Projecto Europeu”

Desde a sua fundação, um objectivo dos mais variados partidos de esquerda tem sido transformar a União Europeia desde dentro. No entanto, acontecimentos recentes evidenciaram que a UE e particularmente a zona euro, só são capazes de aceitar a democracia, igualdade e auto-determinação até certo ponto. A chantagem sobre o governo grego tornou visível as inquestionáveis falhas no alegado Projecto Europeu, assim como a sua verdadeira natureza: uma zona centro-periferia que está disposta a esmagar as experiências democráticas e as tentativas de uma reforma igualitária, com a intenção de reforçar as economias do centro e desmantelar as protecções dos trabalhadores, particularmente na Europa do Sul.

“Negociar” de uma posição de esquerda tem rendido pouco, e a margem de manobra reduziu-se exponencialmente. A única alternativa é pensar fora dos parâmetros da zona euro. Não é uma tarefa fácil. O que alguns chamaram de “euro-fetichismo” tem uma base material muito sólida — é o resultado de trinta anos de destruição dos sectores produtivos da periferia e a sua substituição por crédito e extrema dependência nos fundos europeus.

Entender que há mais que uma maneira para sair da zona euro é recentrar a discussão ao nível político. Como é que podemos construir um movimento popular na Esquerda que se possa ligar com projectos comuns no resto do continente, imaginar alternativas para esta prisão financeira em que estamos entalados e lutar contra a emergente extrema direita e as tendências nacionalistas por toda a Europa? Isto não significa que devamos parar de lutar e construir interligações dentro deste quadro; simplesmente significa que devemos começar a pensar e construir estas lutas e interligações além deste.

Só encontraremos a resposta para estas difíceis questões se as reconhecermos como as principais questões estratégicas com que se depara toda a esquerda, se mantivermos como objectivo principal a conquista das maiorias sociais e da hegemonia ideológica — e se abraçarmos estes partidos de “novo tipo”, com todas as suas deficiências e contradições, como o melhor e mais concreto instrumento para alcançar hoje este objectivo.


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