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pao-e-pazO Diário - [Ana Saldanha] A edificação do socialismo, que passa pela necessária superação do modo de organização actualmente dominante, sempre colocou o movimento comunista internacional perante a problemática de como efectuar essa transição. Na discussão e problematização desta questão duas leituras antagónicas desde sempre se fizeram: uma reformista, outra revolucionária. 


Introdução
Consideramos a obra teórica de Karl Marx e de Friedrich Engels e o legado teórico-prático de Vladimir Ilitch Lénine como uma arma teórica que nos possibilita a transformação do mundo. Neste sentido, as categorias filosóficas e da economia política de que aqueles nos muniram constituem a nossa base para uma análise científica da realidade concreta, através do estudo do desenvolvimento das relações de produção. O materialismo histórico e dialéctico constitui, desta forma, um sistema de pontos de vista científicos sobre as leis gerais que regem o desenvolvimento da natureza e da sociedade, permitindo-nos reflectir sobre as possibilidades históricas e concretas da revolução socialista e, consequentemente, das vias a seguir para a edificação do socialismo, rumo ao comunismo.
Esta edificação, que passa pela necessária superação do modo de organização actualmente dominante, sempre colocou o movimento comunista internacional perante a problemática seguinte: como efectuar essa transição? Na discussão e problematização desta questão, duas leituras antagónicas desde sempre se fizeram: uma, reformista, que defende a possibilidade de existência de etapas intermédias entre o capitalismo e o socialismo; outra, revolucionária, herdeira dos ensinamentos das revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX e da Revolução Socialista de Outubro de 1917, que defende a necessária ruptura revolucionária como processo de transição do capitalismo para o socialismo.
A assunção da perspectiva reformista impõe-se, na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, de forma a justificar a participação institucional de Partidos Comunistas em governos dominados pela classe dominante (que aqueles, aliás, teoricamente pretendiam substituir no poder). Paulatinamente, Partidos Comunistas com uma histórica e heróica trajectória de luta e de resistência, vão defendendo a possibilidade de uma via pacífica e institucional como possibilidade de construção do socialismo. Esta visão predominará no seio do PCF e do PCI pós-guerra, ajudando-nos a compreender quer o fim destes partidos como vanguarda da classe operária, quer a sua completa submissão à classe dominante, antagónica daquela, numa tentativa de conciliar interesses de classe que permitissem gerir o capitalismo, e não superá-lo.
É assim que, na Itália, Togliatti defende a “democracia progressiva”, enquanto o PCF aprova, em 1968, o Manifesto de Champigny - “Por uma Democracia Avançada, por uma França Socialista”. Nele, a “democracia avançada” surge como uma etapa intermédia necessária para a construção do socialismo, não se caracterizando a natureza de classe do Estado dessa “democracia avançada”, e, portanto, omitindo de que forma a luta entre as classes antagónicas permitiria a superação das relações de produção capitalistas.
A “democracia avançada” assentará, definitivamente, as bases do eurocomunismo que juntará numa mesma posição comum Georges Marchais (PCF), Enrico Berlinguer (PCI) e Santiago Carrilho (PCF), responsáveis pela destruição da matriz teórica dos partidos comunistas de que eram secretários-gerais.
Os ensinamentos de Marx e de Lénine são, neste ponto, fundamentais. O estudo que agora apresentamos pretende reflectir sobre a problemática dos “graus transitórios”, recorrendo, para tal, às categorias marxistas-leininistas que nos permitem ler e compreender as relações de produção impostas pelo capital.

Sobre a dominação ideológica linguística
A dominação ideológica da actual classe dominante faz-se através de diferentes meios e em diferentes diciplinas.
Consideramos, ao contrário da corrente idealista, que não é a ideia que determina a realidade, mas antes esta que determina as ideias e concepções. Neste sentido, a linguagem e a consciência são determinadas pela forma como o nosso ser exprime a sua vida produtiva (aquilo que produzimos e como produzimos) e nasce da necessidade de intercâmbio entre os seres humanos. Consciência e linguagem constituem, assim, um fenómeno social, pelo que ambas se baseiam nas relações reais que os indivíduos estabelecem entre si: “serão antes os homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento” (K. Marx e F. Engels, 1845, A Ideologia Alemã).
A linguagem é, neste sentido, um modo de ser do pensamento que se materializa num conjunto de signos que possibilita a comunicação - e, consequentemente, a compreensão – humana. Assim sendo, ela não pode ser desligada da ideologia, pelo que a dominação ideológica de uma classe abrange, igualmente, o plano linguístico, podendo ou modificar a natureza de um conceito - e, assim, afastá-lo da sua etimologia original -, ou globalizá-lo.
Consideramos a globalização de um conceito, ideia ou expressão, como a extensão desse conceito, expressão ou ideia por parte de uma classe económica e politicamente dominante, num Estado imperialista, às classes dominadas do seu Estado e de outros Estados - os quais, apesar de serem capitalistas, são, também eles, dominados por um Império; a globalização de um conceito, ideia ou expressão não tem, por isso, em consideração as diferentes condições culturais e linguísticas dos Estados que se encontram sob o domínio imperial.
Queremos, assim, ressaltar que a globalização imperialista cultural, invertendo, modificando e alterando conceitos, expressões e ideias, fá-lo de forma a que o seu domínio perdure. A manipulação linguística por parte da classe, hoje em dia, mundialmente dominante é, assim, fundamental para a imposição da ideologia pretendida .
Aqueles que constituem a classe dominante têm consciência (e uma consciência de classe “para si”), dominando o conteúdo do momento histórico em que dominam como classe. São, assim, os pensadores, produtores e distribuidores de conhecimento e de ideias, pelo que “as suas ideias são as ideias dominantes da época” (K. Marx e F. Engels, A Ideologia Alemã, 1845). No plano nacional, as burguesias nacionais, de forma a efectivarem essa dominação através da linguagem, aliam-se à grande burguesia estrangeira - representante dos interesses dos centros imperialistas -, para, assim, disseminar conceitos, ou esvaziar outros, de acordo com as necessidades quer dos interesses próprios no interior do estado capitalista em que actuam, quer do estado imperial ao serviço do qual estão. A dominação ideológica constitui, desta forma, a consagração do sistema ideológico da classe dominante (Cf. K. Marx e Friedrich Engels, 1845, A Ideologia Alemã).
Sendo assim, quando são utilizadas expressões como, por exemplo, “liberdades democráticas”, “defesa da democracia” e “defesa das liberdades”, há que compreender tais expressões (e, consequentemente, os conceitos que as formam) num determinado quadro de imposição ideológica e, portanto, num determinado quadro de dominação de classe.
Neste sentido, a compreensão do conceito de “democracia” ou de “liberdade” depende da leitura de classe que lhe está subjacente. Quando o capital afirma que todas as “liberdades democráticas” estão asseguradas, no actual estádio de desenvolvimento capitalista, marcado pelo aprofundamento da exploração e de desigualdades que conduzem a um profundo retrocesso civilizacional e à barbárie, o papel dos comunistas deve ser o de desmontar ideologicamente este discurso.
Num sistema estruturalmente desigual, mantido através do domínio de uma minoria, exploradora, por um maioria, explorada, baseado na exploração do Homem e dos recursos naturais do planeta, nunca pode haver “liberdade”, ainda menos “democrática”, pelo que é fundamental (re)pensar conceitos globalmente vulgarizados. Assim sendo, para um revolucionário capaz de entender e ler cientificamente a sociedade que o rodeia, a democracia burguesa é“a democracia para uma ínfima minoria, a democracia para os ricos - tal é a democracia da sociedade capitalista”(Lénine, 1917, O Estado e a Revolução). Este conceito não pode, consequentemente, ser desligado (tal como o exercício do poder) da natureza de classe de um Estado.
Já em 1902, Lénine assinalava, em Que Fazer?, que há, por um lado, a democracia burguesa “inevitavelmente mesquinha, que exclui sorrateiramente os pobres” e, por outro, a democracia pela qual um revolucionário luta, e que significa “a supressão da dominação de classe”. 
A consciência crítica deve-nos, desta forma, pôr em guarda relativamente a conceitos tantas vezes vulgarizados e cujo conteúdo se pretende global. Deve, igualmente, ajudar-nos a fazer uma crítica e autocrítica constantes, como homens e mulheres revolucionários, capazes de ler a realidade, sem esquecer a arma teórica que nos mune contra o capitalismo e a sua actual fase imperialista.

Da dominação ideológica (linguística) à problemática da política de alianças
Sobre a manipulação linguística, Lénine alertava para o erro da leitura reformista sobre a possível “colaboração das classes” (Lénine, 1902, Que Fazer?), acrescentando, ainda, que a liberdade “é uma grande palavra, mas foi sob a bandeira da liberdade da indústria que foram empreendidas as piores guerras de pilhagem, foi sob a bandeira da liberdade do trabalho, que os trabalhadores foram espoliados” (ibid.). 
Neste sentido, a política de alianças entre, por um lado, a classe operária e outros trabalhadores e, por outro, outras classes e camadas antimonopolistas (mas não, necessariamente, anticapitalistas – entre as quais, portanto, o “objectivo do socialismo” está ausente), tem de ser feita, não como um fim em si mesmo, mas como um meio para as classes e camadas maioritárias (não dominantes) – sob a vanguarda da classe antagónica fundamental - dominarem a classe minoritária (dominante): “[os bolcheviques] Desde 1905 defenderam sistematicamente a aliança da classe operária com os camponeses contra a burguesia liberal e o tzarismo sem negar-se nunca, ao mesmo tempo, a apoiar a burguesia contra o tzarismo (na segunda fase das eleições ou nos empates eleitorais, por exemplo) e sem interromper a luta ideológica e política mais intransigente contra o partido camponês revolucionário-burguês, os “social-revolucionários”, que eram denunciados como democratas pequeno-burgueses que falsamente se apresentavam como socialistas” (Lénine, 1920, Esquerdismo: doença infantil do comunismo). 
A política de alianças constitui, desta forma, uma estratégia, visando alcançar o objetivo revolucionário que guia a acção daqueles que por ele lutam: a construção do socialismo - etapa necessária para a construção de uma sociedade sem classes, o comunismo. Ora, este objetivo apenas pode ser alcançado sob a condução de um partido revolucionário, organizado e disciplinado, cuja “tarefa (…) não consiste em proclamar impossível a renúncia a quaisquer compromissos” mas, sobretudo, “em saber permanecer fiel, através de todos os compromissos, na medida em que eles são inevitáveis, aos seus princípios, à sua classe, à sua missão revolucionária, à sua tarefa de preparação da revolução e de educação das massas do povo para a vitória da revolução” (Lénine, 1917, Sobre os Compromissos). Esses compromissos devem, por isso, ser vistos como uma mera táctica revolucionária,combinando quer formas legais (como a participação num parlamento burguês), quer formas ilegais de luta.
Os compromissos e alianças entre classes e outras camadas são, assim, necessários, mas apenas transitoriamente. Fazem-se, aliás, não apenas no quadro de uma ditadura da burguesia, mas, igualmente, no quadro de uma ditadura (revolucionária) do proletariado, pois as classes sociais (e, consequentemente, a luta de classes), uma vez atingido o poder do proletariado, em aliança com outras classes e camadas de trabalhadores, não desaparecem no estado socialista.
Assim, por exemplo, em 1920, três anos após a Revolução Socialista Russa, numa fase em que ainda se davam “os primeiros passos na transição do capitalismo para o socialismo, ou fase inferior do comunismo” (Lénine, 1920, Esquerdismo: doença infantil do comunismo), Lénine relembrava a continuação da existência de classes sociais, acrescentando que estas, mesmo“depois da conquista do Poder pelo proletariado”, continuariam a exisitr “durante anos em toda parte” (ibid.). 
Num processo revolucionário, são, assim, necessárias alianças tácticas e estratégicas, por vezes uma convivência estreita com classes e camadas cujos interesses se distanciam dos da maioria das classes e camadas laboriosas. Nesse sentido, se o socialismo pretende “não só expulsar os latifundiários e os capitalistas (…) como também suprimir os pequenos produtores de mercadorias” (ibid.) há que ter em consideração que estes pequenos produtores “não se pode[m] expulsar, não se pode[m] esmagar; é preciso conviver com eles, e só se pode (e deve) transformá-los, reeducá-los, mediante um trabalho de organização muito longo, lento e prudente” (ibid.). 
Durante o processo revolucionário, as alianças e compromissos devem, pois, ser vistos como uma necessidade para a consolidação do socialismo, já que a classe de vanguarda, o campesinato pobre e outros trabalhadores continuam a ter de enfrentar a burguesia e seus aliados:“Só se pode vencer um inimigo mais forte retesando e utilizando todas as forças e aproveitando obrigatoriamente com o maior cuidado, minúcia, prudência e habilidade a menor “brecha” entre os inimigos, toda contradição de interesses entre a burguesia dos diferentes países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia dentro de cada país; também é necessário aproveitar as menores possibilidades de conseguir um aliado de massas, mesmo que temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional” (ibid.) com o objectivo de, gradualmente, extinguir as classes e, portanto, as contradições entre elas, de forma a construir a sociedade comunista.
Por outro lado, no quadro da ditadura da burguesia, as alianças e compromissos de classe não devem perder de vista o objectivo revolucionário de transformação da estrutura capitalista: “Toda a questão consiste em saber aplicar essa táctica [compromissos] para elevar, e não para rebaixar, o nível geral de consciência, de espírito revolucionário e de capacidade de luta e de vitória do proletariado. (…) A táctica acertada dos comunistas deve consistir em utilizar essas vacilações [dos democratas pequeno-burgueses] e não, de modo algum, em desprezá-las; para utilizá-las é necessário fazer concessões aos elementos que se inclinam para o proletariado - no caso e na medida exatos em que o fazem - e, ao mesmo tempo, lutar contra os elementos que se inclinam para a burguesia” (ibid.). Para realizar a sua missão histórica, a classe revolucionária deve, portanto, “saber utilizar todas as formas ou aspectos, sem a menor exceção, da atividade social (terminando depois da conquista do Poder político, às vezes com grande risco e imenso perigo, o que não terminou antes dessa conquista)” (ibid.) mas, igualmente “estar preparada para substituir uma forma por outra do modo mais rápido e inesperado” (ibid.).
Ora, se, na construção do socialismo, não podemos negar a importância e necessidade de uma política de alianças com classes e camadas antimonopolistas, a participação nas instituições políticas que representam a grande burguesia, no contexto do seu domínio, apenas pode ser visto como uma eventual táctica transitória com vista à criação de uma situação revolucionária. A este propósito, relembremos a sucessão de acontecimentos (e de alianças) que conduziu à Revolução Socialista de Outubro de 1917: “A 27 de Fevereiro de 1917, o proletariado russo, juntamente com uma parte do campesinato despertado pelo curso dos acontecimentos militares, e com a burguesia, derrubou a monarquia. Em 21 de Abril de 1917 derrubou o poder absoluto da burguesia imperialista e transferiu o poder para as mãos dos pequenos burgueses conciliadores com a burguesia. Em 3 de Julho, o proletariado urbano, levantando-se espontaneamente numa manifestação, fez tremer o governo dos conciliadores. Em 25 de Outubro derrubou-o e implantou a ditadura da classe operária e do campesinato pobre” (Lénine, 1918, Uma lição dura, mas necessária).
Ou seja, a agregação de forças, por vezes através da via institucional, é necessária para concretizar, não um mero processo de ruptura, mas um processo de ruptura revolucionário. Será, aliás, através dos diferentes processos de luta interclassista, por vezes com alianças tácticas, outras vezes estratégicas, que o proletariado, a classe revolucionária, vai, gradualmente, tomando consciência de classe “para si”, a qual, sendo a “consciência socialista das massas operárias”, constitui a “única base que nos pode assegurar a vitória” (V.I. Lénine, 1902, Que Fazer?).

Da dominação ideológica (linguística) à problemática dos graus transitórios 
A ruptura revolucionária (quando uma classe antes dominanda passa a exercer o controlo e domínio do órgão político, antes sob o domínio da classe sua antagonista) necessária para finalizar a exploração que (com a excepção do comunismo primitivo) sempre acompanhou a história de toda e qualquer sociedade, passa por um grau transitório fundamental: “O grau transitório entre o Estado, órgão de dominação da classe dos capitalistas, e o Estado, órgão de dominação do proletariado, é precisamente a revolução, que consiste em derrubar a burguesia e quebrar, destruir a sua máquina de Estado (…). Que a ditadura da burguesia deve ser substituída pela ditadura de uma classe, do proletariado, que aos «graus transitórios» da revolução se seguirão os «graus transitórios» da extinção gradual do Estado proletário”, (Lénine, 1918, A Revolução proletária e o Renegado Kautsky).
Na luta pela superação revolucionária do capitalismo, é, assim, premente ter constantemente presente uma característica fundamental do órgão político de sustentação de uma classe dominante (o qual subjaz a qualquer organização socioeconómica - com a excepção do comunismo primitivo), a natureza de classe de um Estado: “Como o Estado é a forma em que os indivíduos de uma classe dominante fazem valer os seus interesses comuns e se condensa toda a sociedade civil de uma época, segue-se que todas as instituições comuns são mediadas pelo Estado, adquirem uma forma política. Daí a ilusão de que a lei assentaria na vontade, e para mais na vontade dissociada da sua base real, na vontade livre. Do mesmo modo o direito é, por seu turno, reduzido à lei” (K. Marx e F. Engels, A Ideologia Alemã, 1845).
Nos diferentes modos de produção que a humanidade conheceu, o Estado sempre teve, aliás, um papel histórico e um significado precisos, sendo quer o fruto do inconciliável antagonismo entre as classes quer a “prova que as contradições de classe são inconciliáveis” (Lénine, 1917, O Estado e a Revolução).
A compreensão do que é a natureza de classe de um Estado é, desta forma, um ponto fundamental para preparar tácticas e estratégias que nos permitam construir um Estado dominado pela grande maioria, hoje dominada.
O debate sobre “etapas” e “graus transitórios” inclui, ainda, um outro elemento: a transição revolucionária far-se-á pela via pacífica – e, portanto, institucional – ou pela via revolucionária – que terá, necessariamente, de combinar formas não institucionais e violentas de luta? A esta discussão, tampouco escapou o PCP.
Relembremos, a este propósito, o documento publicado em Abril de 1961, no Militante, sob o título “O desvio de direita no Partido Comunista Português nos anos 1956-1959” e aprovado pelo Comité Central do PCP. Segundo a análise então realizada, considerou-se ter havido um desvio de direita na Direcção do Partido entre 1956 e 1959.
Aí se assinala (ponto 2) que a “solução pacífica para o derrubamento da ditadura fascista (…) constituiu um desvio oportunista de direita de que tem enfermado toda a orientação do Partido. Baseada numa falsa correlação da estimação de forças no plano nacional, no menosprezo da natureza e força do estado fascista, na valorização do papel das condições objectivas e na subestimação da decisiva importância das condições subjectivas (de organização e outras), a apresentação da via pacífica, não como mera possibilidade ou aspiração, mas como a via provável e viável para derrubar a ditadura salazarista, teve uma influência nociva no desenvolvimento geral do movimento democrático e no desenvolvimento da acção e organização do Partido”. 
Pretendemos, desta forma, relembrar que a autocrítica e análise da situação concreta do Partido entre 1956 e 1959, nomeadamente a partir do V Congresso (1957), fez com que, em 1961, o CC considerasse que as linhas de acção e de reflexão política estabelecidas pela Direcção do Partido nesse período impediram que (ponto 8) “se educassem as massas na ideia do levantamento nacional e do assalto ao poder, quebraram o ímpeto combativo e disposição de luta das massas populares e levaram o Partido, a classe operária e as massas a uma posição de espectativa (sic) e desorientação”. 
O exercício da autocrítica permitiu ao PCP retificar um desvio. Foi, contudo, este mesmo desvio que foi assimilado por outros partidos europeus, os quais, considerando a possibilidade de uma transição pacífica para o socialismo, o integraram nas suas concepções eurocomunistas, defensoras de etapas intermédias, dentro de um mesmo modo de produção, nas quais se incluíam as referidas “democracias progressivas” ou “avançadas”.
Assim sendo, a discussão sobre as “etapas” e “graus transitórios” é fundamental para a compreensão do que foi o eurocomunismo e as suas nefastas consequências para o movimento comunista internacional. Nesta reflexão, o estudo e compreensão das categorias da filosofia e da economia política marxista-leninistas, nomeadamente a categoria de Estado e sua leitura à luz da luta de classes, são imprescindíveis.
A Revolução de Abril de 1974 e a contra-revolução de Novembro de 1975: da confusão entre “etapas” e “graus transitórios”
No dia 25 de Abril de 1974, o levantamento militar e o levantamento popular que se seguiu criaram uma situação revolucionária. Esta situação revolucionária permitiu que se inicasse um processo revolucionário que, a 25 de Novembro de 1975, foi travado por uma contra-revolução. Esta contra-revolução, ainda hoje em curso, permitiu o aprofundamento do capitalismo monopolista e da financeirização da economia.
A contra-revolução não permitiu, desta forma, que se dessem os diferentes graus transitórios necessários para a consolidação de um estado socialista – ou seja, a tomada do poder pelos trabalhadores. Assim, a ditadura da burguesia volta a reafirmar-se, desta feita não sob uma forma fascista, mas - tendo em conta a correlação de forças de então (na qual o trabalho ganhara terreno face ao capital) – sob a forma clássica designada de “democracia burguesa”.
Quando, em 17 de Abril de 1917, Lénine afirma que “A peculiaridade do momento actual na Rússia consiste na transição da primeira etapa da revolução, que deu o poder à burguesia por faltar ao proletariado o grau necessário de consciência e organização, para a sua segunda etapa, que deve colocar o poder nas mãos do proletariado e das camadas pobres do campesinato” (1917, Teses de Abril), a primeira etapa – a revolução democrático-burguesa – constituiu uma mera estratégia política com vista à criação de uma situação revolucionária que permitisse a transição para o socialismo.
A necessidade desta primeira etapa revelou, apesar disso, as suas contradições e limites. Assim, ainda em Setembro do mesmo ano, é o próprio Lénine quem declara o fracasso dessa primeira etapa, clamando a necessidade de uma revolução em que o poder do Estado esteja nas mãos de um governo revolucionário, democrático e popular, assente na vontade de uma maioria de operários e camponeses: “Não é possível eludir nem afastar a questão do poder, pois esta é precisamente a questão fundamental que determina tudo no desenvolvimento da revolução, na sua política interna e externa. Que a nossa revolução tenha «perdido em vão» meio ano em vacilações em relação à organização do poder, isto é um facto indiscutível, é um facto determinado pela política vacilante dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques. E a política destes partidos foi determinada, em última instância, pela posição de classe da pequena burguesia, pela sua instabilidade económica na luta entre o capital e o trabalho. Toda a questão está agora em saber se a democracia pequeno-burguesa aprendeu ou não alguma coisa neste grande meio ano, excepcionalmente rico de conteúdo. Se não, então a revolução está perdida e só uma insurreição vitoriosa do proletariado poderá salvá-la” (Lénine, 1917, Uma das Questões Fundamentais da revolução). 
Em Portugal, a 5 de Outubro de 1910, deu-se uma revolução democrático-burguesa. A burguesia consolida, então, o seu poder e domínio; este domínio impõe-se, gradualmente, destruindo, no essencial, as relações feudais. É, contudo, 16 anos mais tarde, que esse poder e domínio se aprofundam, efectivando-se através do terrorismo de estado, aliado à grande burguesia (sobretudo, latifundiária). A resposta revolucionária a esse domínio da grande burguesia nacional (em profunda aliança com a oligarquia estrangeira) verificou-se a 25 de Abril de 1974, quando uma Revolução Democrática e Nacional se opõe ao domínio político e económico da classe dominante portuguesa.
O levantamento militar e, depois, o levantamento popular (a conjunção de ambos permitiu a eclosão de uma Revolução) criaram, contudo, uma situação revolucionária que, indo além dos pressupostos iniciais que haviam guiado os capitães no levantamento militar, criou como horizonte a possibilidade de criação de um novo modo de produção (o socialismo), que se propunha como alternativa à ditadura fascista da grande burguesia dos últimos 48 anos. Tratou-se, pois, já não de uma simples revolução democrático-burguesa - e, portanto, de uma etapa (como Lénine a define nas suas Teses de Abril de 1917) que poderia proporcionar novos caminhos para a efectivação de uma revolução socialista -, mas antes de um processo revolucionário que, criando uma situação revolucionária, pretendia implementar uma nova ordem socioeconómica.
Esta situação revolucionária permitiu avanços e progressos; contudo, a tentativa de transição para o socialismo foi travada com o advento da contra-revolução. Desde então, os progressos e avanços conquistados, quer no período revolucionário, quer no período contra-revolucionário que imediatamente se seguiu à Revolução, foram alvo de fortes ataques.
Coloca-se, desta forma, na ordem do dia, a necessária transformação revolucionária do sistema actual para a sua efectiva superação.
Assim, se até 24 de Abril de 1974 nos encontrávamos em plena ditadura fascista, hoje em dia encontramo-nos quer perante um processo contra-revolucionário, que se iniciou com o golpe reaccionário de 25 de Novembro de 1975, quer num estádio mais avançado de desenvolvimento do capitalismo monopolista.
Como revolucionários, não poderemos, neste contexto, ter dúvidas quanto ao caminho a ser seguido: superar o modo de produção capitalista (e as suas consequentes relações de produção) mediante a concretização da ditadura do proletariado, ou seja, da “organização de vanguarda dos oprimidos em classe dominante para o esmagamento dos opressores” (Lénine, 1917, O Estado e a Revolução) - a qual não pode “limitar-se, pura e simplesmente, a um alargamento da democracia” pois “ao mesmo tempo que produz uma considerável ampliação da democracia, que se torna pela primeira vez a democracia dos pobres, a do povo e não mais apenas a da gente rica, a ditadura do proletariado traz uma série de restrições à liberdade dos opressores, dos exploradores, dos capitalistas”(ibid.).

Conclusão
O domínio ideológico da burguesia impõe-se através de diferentes vias, afectando, inclusivamente, a linguagem e, portanto, vocábulos e expressões, provocando e alterando conceitos. Neste sentido, para um revolucionário, todos os termos e expressões comum e vulgarmente utilizados pela burguesia têm de ser lidos à luz da sua dominação de classe.
A linguagem, os conceitos, as categorias socioeconómicas que nos permitem ler e compreender a sociedade são, assim, fundamentais para levar avante a construção do socialismo e, simultaneamente, pôr-nos em guarda relativamente a propostas e linhas de acção que contrariam a perspectiva de transformação revolucionária das relações de produção impostas pelo capital financeiro.
A afirmação sem ambiguidades da sociedade que pretendemos construir obriga-nos, ainda, a um estudo e reflexão constante, para, assim, melhor compreender erros de análise e desvios ocorridos no seio de partidos com uma heróica história de resistência e luta, os quais acabaram por conduzir à (quase) desagregação destes.
A construção de um estado socialista – e portanto, de uma organização sociopolítica e económica de domínio de uma classe sobre outra (que, no socialismo, é o domínio do proletariado e de outras classes trabalhadoras, eventualmente em aliança com outras classes e camadas, sobre a grande burguesia nacional e estrangeira, ou seja, é a ditadura do proletariado ) – não pode ser feito sem uma política de alianças com outras classes e camadas; contudo, não podemos confundir a aparente construção de soluções governativas, no quadro do capitalismo, com a transformação revolucionária deste.
Ao longo do processo de luta de classes, no quadro do modo de organização socioeconómico construído e dominado pela grande burguesia, tampouco poderemos subestimar a capacidade de integração das massas na luta pelo socialismo nem desvirtuar o conceito de tomada de consciência de classe “para si”, o qual se opera através das diferentes lutas; neste sentido, consideramos fundamental relembrar os ensinamentos de Lénine quando afirma que a“consciência socialista das massas operárias” é a “única base que nos pode assegurar a vitória” (V.I. Lénine, 1902, Que Fazer?).
Não esqueçamos que não há socialismo sem massas a lutar por ele.

1 A dominação política da burguesia, utilizando, tal como a ideológica, diferentes meios, recorre, por exemplo - como Engels o disse, e Lénine o relembrou – ao sufrágio universal, que, em capitalismo, mais não é do que um instrumento da burguesia.

2 Expressão, aliás, retirada do Programa do PCP em 1974, no VII Congresso Extraordinário, por se ter considerado que, numa altura em que se havia derrotado uma ditadura fascista, o conceito de “ditadura” poderia causar confusão.


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