Et leur bulletin dans les urnes
Et le mépris dans un placard!
Ils ont voté et puis, après?
(...) Le jour de gloire est arrivé!
Canção de Léo Ferré
1 – O CRETINISMO PARLAMENTAR
Marx considerava o cretinismo parlamentar "a forma não de dar expressão á vontade do povo, mas de bloquear essa vontade". Pretende-se reduzir a luta de classes a uma retórica de que o povo é alheado, acabando por ficar desiludido, desenganado, face às ações dos que deveriam ser os seus representantes.
Mas será que segundo o marxismo a legalidade, a democracia, enfraquece a revolução e os revolucionários? Engels, considera que pelo contrário "nós os revolucionários, os "elementos subversivos", prosperamos muito mais com os meios legais que com os ilegais. Os partidos da ordem, como eles se designam, afundam-se com a legalidade criada por eles próprios". [1]
É neste sentido que Marx afirma: "Os partidos da ordem burguesa só podem conter o avanço dos partidos revolucionários mediante a violação das leis e a sua subversão." [2] O que se aplica totalmente ao governo de direita/extrema-direita do PSD-CDS que desgoverna o país pela subversão das leis e em continuada afronta à Constituição.
A transição para o socialismo far-se-á portanto no aprofundamento da democracia e não na sua supressão, o que passa pela superação do "cretinismo parlamentar". Para Marx o que distingue os indivíduos é a sua "qualidade social", não a cor da pele, religião, etc. Não há seres humanos em abstrato, há modos de existência, resultantes, no fundamental, do modo e condições de produção prevalecentes. Neste sentido, a atividade social de cada pessoa, de cada cidadão, torna-se política seja pela participação seja pela indiferença. A abstenção política é, pois, um ato negativo em termos marxistas.
O cretinismo parlamentar tornou-se a forma de garantir a rotatividade de partidos enfeudados aos interesses oligárquicos: a troika interna, que a propaganda difunde como "o arco do poder". Uma falácia, pois o poder nestas condições reside efetivamente nas oligarquias e na burocracia europeia ao seu serviço.
A república parlamentar (...) era a condição indispensável para o domínio comum (das diversas fações da burguesia) a única forma de governo na qual o interesse geral da classe podia submeter não só as reivindicações das diferentes fações como as das demais classes da sociedade" [3]
Neste sentido, procura-se manter a opinião pública num nível de ignorância e preconceitos políticos que impeçam uma análise objetiva e minimamente aprofundada da realidade. Procura-se que as pessoas estejam política e socialmente desinformadas e confusas, para poderem ser facilmente convencidas da ideia que não há alternativas senão entregar o poder ao grande capital e à burocracia europeia.
A oligarquia, a direita procuram que o proletariado não tenha consciência da dialética do processo social, de modo a deixar-se iludir por falsas promessas e discursos fascizantes contra "os políticos" e contra os partidos "todos iguais e sem alternativas". Como se sabe, a propaganda (e a repressão) fascista tinha como objetivo as pessoas não se "meterem na política".
O PS é um partido democrático, porém rendido ao "cretinismo parlamentar", consequência de na sua ação prática não possuir referências ideológicas. Nas críticas ao governo do PSD-CDS, a veemência das palavras cresceu à medida que se tornavam inúteis. Baixava de tom ou calava-se sempre que seria necessário juntar-se às forças populares em ações concretas. Tal foi e é evidente, apesar da mudança de liderança, por exemplo, no caso da exigência de demissão deste governo.
Com medo de surgir como fator de instabilidade dos interesses oligárquicos não hesita em demarcar-se ou mesmo hostilizar as forças à sua esquerda na contestação aos ditames do imperialismo e das burocracias da UE. O chamado "arco do poder" não passa então duma disfarçada coligação pró-oligárquica, a troika interna, que adota conceitos e fundamentos políticos idênticos, limitando-se a procurar "pessoas mais competentes", pondo de parte a alteração das relações de produção, condição essencial para a da saída da crise e o progresso económico e social.
2 – A DEMOCRACIA OLIGÁRQUICA
"Nos países ocidentais a democracia está atacada por uma casta, na realidade entramos num regime oligárquico. Nesta forma de fazer política o poder está reservado a um pequeno grupo de pessoas que formam uma classe dominante." [5] J. Saramago fez notar que "a democracia parece ser tão intrinsecamente boa que nela se pode fazer de forma não democrática, tudo o que não é democrático. (...) A democracia é apenas uma fachada que mantém as aparências." [6]
O crescente poder do dinheiro no sistema político é evidenciado por Stiglitz: "o sistema é mais semelhante a "um dólar um voto" que "uma pessoa um voto". [4] Escreveu Aldous Huxley: "Oligarcas plutocráticos aspiram a governar sob a capa das instituições democráticas impessoalmente e sem responsabilidades. Explorar a democracia viram eles é mais fácil e rendoso que opor-se a ela. Deixem que muitos votem, mas conforme lhes disserem os poucos opulentos que são donos dos jornais" [7]
A oligarquia e seus burocratas ditam a nível europeu até ao pormenor as políticas a serem seguidas, arrogam-se o direito de inspecionar os OE, podem mover processos a instituições soberanas dos Estados. Decidem sobre o económico e o social. As reivindicações dos trabalhadores, as políticas sociais e progressistas são consideradas "devaneios utópicos com os quais há que acabar" [8]
A Igualdade política foi subvertida pela privatização da sociedade e pelos mecanismos da alienação, garantido a desigualdade social. A mentira tornou-se um ato de gestão corrente do governo. É o que nos contava Diderot: "Um ministro do rei de França, que tem engenho por cinco provou-nos que não há nada mais útil aos povos que a mentira, nem nada tão nocivo como a verdade." [9]
A propaganda fala em "responsabilidade social" da empresa privada, porém trata-se de uma mistificação, pois confronta-se com a dura realidade de que as empresas privadas estão submetidas à lei da maximização do lucro e segundo declaram os seus próceres "não são instituições de beneficência". Então quem? A falácia adotada foi a da "flexisegurança", neologismo rapidamente atirado para a valeta das imposturas e transformado em "flexibilidade" para os trabalhadores e segurança para o grande capital, à custa do resto da sociedade.
Apesar do estrondoso falhanço destas políticas, os interesses rentistas dos monopólios e da finança, são apresentados como eficientes e "criação de riqueza", justificação para as políticas do BCE que colocam os destinos dos povos nas mãos de usurários e especuladores.
A "ciência económica" adotada não passa de uma metafísica, ou pior, uma superstição, com seus anátemas, destinada a subordinar os povos e o funcionamento das economias nacionais aos interesses de uma minoria transacionais e seus bilionários. Sob o lema da "modernidade" foi imposto um drástico retrocesso das condições sociais, caminhando-se para níveis do século XIX sob a tutela da UE. O oportunismo da social-democracia começou por defender: o "movimento é tudo", agora "o retrocesso é tudo". A direita promove-o com o sofisma de ser contra o "imobilismo"!
Raul Proença escrevia em 1928 na Seara Nova, acerca dos sofismas liberais, que a liberdade económica não é mais que a capacidade "que alguns indivíduos têm de se oporem em nome dos interesses criados à liberdade de todos os outros". É justamente o que caracteriza a democracia oligárquica.
A democracia oligárquica procura unir a oligarquia e dividir o povo. A ideologia dominante veiculada nas Universidades e mesmo no ensino secundário tem o objetivo de produzir jovens desprovidos de espírito universal, aptos a estabelecerem o antagonismo entre classes e camadas sociais, o ódio ao coletivo, ao social. Procuram-se "homens práticos", ao serviço da oligarquia.
A ministra das Finanças exibiu na AR mais uma vez o seu rancor ao que é público, a tendência para escamotear a verdade e proteger a especulação financeira, ao declarar que o comprometimento de dinheiro do Estado no escandaloso caso BES, eram "os custos de ter um banco público". Zeinal Bava, que levou a PT à ruina foi sucessivamente considerado gestor de excelência a nível europeu, foi condecorado pelo PR (tinha de ser!), abandonou o cargo com 5,4 milhões de euros, a empresa perdeu num ano metade do valor em bolsa e continua em queda...
Os oligarcas são promovidos a heróis da "eficiência" e do "sucesso" de que os casos BES, BPN, BPP, BANIF, PT, etc, são paradigmáticos. Mas a oligarquia só consegue apresentar gente sem dimensão, os seus políticos e comentadores refletem a pequenez da sua visão e a incipiência das suas teses, mas são promovidos ao estrelato da erudição e da clarividência.
Gente que manipulava contas como qualquer vigarista de vão de escada, era escutada em S. Bento e Belém, determinava como o país devia funcionar. O povo é depois chamado a pagar os seus desmandos e a sacrificar-se para suportar o seu estatuto de grandes senhores. Governadores do B de P e outros responsáveis nada vêm. Incompetência? Desonestidade? Não, estão ao serviço dos interesses financeiros ligados por critérios de economia política totalmente falsos e contraproducentes, da qual, lamentamos, o PS não se demarca.
Uma maioria de direita servil a esses interesses estabeleceu um governo que mente, humilha a dignidade das pessoas na sua condição de trabalhadores e destrói ou permite a destruição do que melhor o país tem ou teve, enquanto as propostas das forças consequentemente de esquerda são rejeitadas e escamoteadas do grande público.
O objetivo é reduzir a força de trabalho às antigas condições da ditadura. As tão faladas "reformas estruturais", nunca se dizendo concretamente em que consistem, são apenas isto: o retorno ao passado na saúde, na educação, na precariedade das relações laborais. Os salários diminuem, mas a parte que cabe ao grande capital é cada vez maior.
As desigualdades sociais são fatores de crise económica e social, assim o revela não só a teoria económica como a própria História dos povos. Para o neoliberalismo, como para o malthusianismo, as desigualdades representam, pelo contrário, fator de criação de riqueza. As falências financeiras da banca têm sido um processo de o património dos pequenos acionistas e contribuintes ir parar às mãos da oligarquia. No caso BES, enquanto o governo, o PR e o B de P enganavam a opinião pública garantindo que tudo estava bem, os grandes acionistas (como a Goldman Sachs...) vendiam ações, dias depois consideradas lixo!
A democracia oligárquica é a forma de garantir os interesses da finança e dos monopólios, quando para o progresso dos povos é necessário combater esses interesses, como sempre se verificou no passado. Dizia Marx: "a emancipação do proletariado é a abolição do crédito burguês. O crédito público e o crédito privado são o termómetro pelo qual se pode medir a intensidade de uma revolução. Na mesma medida em que aquele baixe sobem o calor e a força criadora da revolução". [10]
A libertação do domínio da oligarquia em que o poder do dinheiro vale mais que o poder do voto, passa, pois, por reconquistar a soberania monetária, lançar impostos sobre as transações financeiras e o grande capital. O país não suporta mais a atual "democracia oligárquica", escudada na ditadura da UE, controlada pelo imperialismo alemão com o seu euro.
15/Outubro/2014
Notas
[1] Introdução de Engels à "Luta de Classes em França", para a edição de 1895, Obras Escojidas de Marx e Engels, Ed. Progresso, Moscovo, 1973, p. 206.
[2} idem, p. 207
[3] O 18 do Brumário de Luís Bonaparte, obra citada, p. 469
[4] Joseph Stiglitz, The price of inequality, Ed. W. W. Norton, p.14
[5] www.legrandsoir.info/...
[6] J. Saramago, em diálogo com I. Ramonet, Le Monde Diplomatique , julho 2010
[7] Aldous Huxley, Sobre a Democracia, Livros do Brasil, p. 131.
[8] Marx, O 18 do Brumário de Luís Bomaparte, obra citada, p. 414
[9] Diderot: O Sobrinho de Rameau
[10] A Luta de Classes em França, obra citada, p. 221