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Leo-PanitchRed Pepper - [Peter Newell e Sam Knafo] Leo Panich (foto) fala sobre seu livro The Making of Global Capitalism (A Construção do Capitalismo Global) – e o seu significado para a estratégia e ação focada em "desfazer" o capitalismo.


Globalização e Imperialismo

Diga-nos sobre a base desse livro e qual a diferença da sua visão acerca da história do capitalismo global e do Império Americano? Em outras palavras, por que precisávamos de um livro como esse?

Mais ou menos há vinte anos, a florescente literatura da globalização sobre como o capital iludia e diminuía os Estados me tornou cada vez mais consciente sobre como uma teoria do Estado importava e quanto nós precisávamos avaliar o papel especial que os EUA tinham na construção do capitalismo global. Dois fatores que surgiam na época precisavam de uma explicação: primeiramente, a reconstituição do capitalismo em uma era neoliberal, fortalecida pela disciplina do capitalismo estadunidense, imposta sobre seu próprio proletário; e, em segundo lugar, a função central do Estado norte-americano não só de facilitar o livre comércio e o fluxo de capital internacionalmente, mas também sua função central em "contenção de falhas", inserida no contexto das consecutivas crises financeiras dos anos 90 na Ásia e outros lugares.

A globalização pode, então, ser reduzida à americanização?

Enquanto as pessoas pensarem em americanização em termos de imposição, não. Claro, multinacionais estadunidenses dominam grande parte dos setores da economia global, e muito do quadro legal internacional para movimentação de capital e livre comércio é alicerçado nas leis dos EUA. Todavia, enquanto isso refletir americanização no exterior no sentido de que muitas pessoas aspiram ao estilo de vida americano, isso não é uma questão de imposição, mas sim de convite. O papel internacional dos EUA também não pode ser entendido meramente como uma questão de subordinação aos interesses capitalistas estadunidenses – da classe capitalista americana dizendo-a o que fazer. Ao contrário, por causa dos conflitos dentro de tal classe, o Estado está manobrando por um campo instável de compromissos, tanto dentro de casa quanto no exterior, ao passo em que atua como gerente da economia capitalista global.

Estamos realmente em um caso em que outros Estados não assumiram também a responsabilidade de promover e proteger o capitalismo global?

Essa é uma boa pergunta, uma que ainda não foi completamente respondida. Os EUA são um novo tipo de império que apenas governa em conjunto com outros Estados, especialmente os pertencentes ao G7. Não é meramente uma imposição. Isso requer muita coordenação institucional e interpenetração. Tendo isso em mente, os alemães, particularmente, têm sido recalcitrantes em assumir responsabilidade por "contenção falha" sob a ótica da volatilidade financeira. O Japão também não está sendo muito acessível. Em contraste, a ambos os chefes do Tesouro do Reino Unido e dos EUA cumprem basicamente o mesmo papel de contenção falha, embora o Reino Unido aceite que os EUA são o sócio principal, apenas pelo fato de possuir maior capacidade. Um oficial sênior do Tesouro britânico nos disse: "todos nós cumprimos certo papel, mas os EUA são qualitativamente diferentes: o Reino Unido é expert em 50 países, enquanto os EUA são em 150 e podem apelar para o FMI para iniciar decisões com recursos incríveis".

É um grande desafio para a esquerda entender o modo pelo qual os EUA são genuinamente sobrecarregados pela responsabilidade de sustentar o capitalismo global. Eles estão exercitando seu enorme poder em um mundo que não controlam inteiramente. A principal preocupação do Império Americano é com as capacidades de outros Estados capitalistas de policiar e disciplinar a si próprios a fim de sustentar o capitalismo global, até porque os burocratas do império dos EUA estão constantemente preocupados em não ultrapassar os limites do seu papel global. Mas a ideia de que a Alemanha, o Japão ou a China têm a capacidade, o aparato institucional apropriado, sobretudo a vontade, de assumir tal papel para tirá-lo dos americanos é de outro mundo.

Muitos leitores do Red Pepper poderiam esperar um livro sobre o Império Americano discorrendo mais sobre guerra, imperialismo e o lado coercivo de criação do capitalismo global, especialmente na era do "novo imperialismo", surgido no mandato de Bush Jr. Por que você não dialogou mais sobre tais aspectos do poder no livro?

As pessoas estão certas em esperar mais sobre isso, mas tanto já foi escrito sobre o assunto que sentimos que não precisávamos mais tocar no assunto. Apesar de todo o mau uso do termo imperialismo pela esquerda no século XX, o termo ainda possui uma função ideológica importante. Ele faz o sangue das pessoas ferver, e deve mesmo. Imperialismo é um conceito político útil e o papel coercivo do Estado americano é importante. Entretanto, interpretar a invasão do Iraque primariamente em termos dos interesses das companhias petrolíferas estadunidenses é errado. Não se trata disso. Tratava-se de assegurar que Saddam não possuía a capacidade para dominar o Oriente Médio.

Também vale a pena notar que nós deliberadamente não usamos muito o termo hegemonia no livro. O problema com a hegemonia é que não importa o quão frequentemente as pessoas dizem que tudo se trata de práticas materiais, a ideologia está sempre presente. Ao mesmo tempo em que queremos frisar que impérios são Estados, devemos questionar: qual a diferença entre os EUA na história mundial e seu império informal: quais são suas capacidades institucionais? Essas são as questões que levantamos.

Crise e resistência

Qual impacto a crise financeira sofreu na criação do capitalismo global?

Nós nos deparamos com um longo período de estagnação capitalista, talvez como o período de 1873-1896. Há poucos investimentos, apesar das baixas taxas de juros definidas pelos Estados capitalistas avançados, pois, mesmo com a volta do crédito para o proletário, isso, de nenhuma maneira, resolve o problema da demanda efetiva que surge com a estagnação – e até mesmo queda – dos salários desta classe, agravados pela austeridade fiscal. Apesar dos Estados do G20 do hemisfério sul, como Brasil e China, terem sido encorajados pelos Estados do G7 a tomar as rédeas e expandir mais ainda seus próprios mercados internos, eles não são capazes de substituir as diretrizes pré-definidas de Estados importadores integrados a um capitalismo primariamente exportador.

Dada a probabilidade de uma estagnação duradoura, podemos esperar ver mais sentimentos nacionalistas e xenofóbicos, mais súplicas pelo "capitalismo protegido", mas, ao mesmo tempo, temos que ser bem cuidadosos para não entrarmos em pânico e optar por uma uma estratégia de frente popular. Se a globalização de fato for revertida pela extrema direita, então a esquerda teria que retroceder com tal estratégia, onde minimizamos nossas diferenças políticas com todos aqueles que rejeitam um nacionalismo extremista. Mas não penso que estamos em um momento tão reacionário assim e, de fato, ainda vemos grande simpatia pelos grupos de migrantes, por exemplo.

Peter Gowan costumava me lembrar de que um rompimento com a globalização poderia vir não pela esquerda, mas sim pela direita, e isso poderia, especialmente, vir da Alemanha. A grande questão é se há ou não uma burguesia nacional que possui elementos em si que são tão poderosamente orientados a fechar fronteiras e não acumular fora de suas próprias fronteiras. Não existe mais um grande grupo burguês desse tipo.

É muito mais provável que, na conjuntura atual, tal ruptura seja iniciada pela esquerda grega. Os norte-americanos estão preocupados que os alemães estão agravando a probabilidade disso e há um medo de que isso poderá pavimentar o caminho para controles capitais radicais cada vez mais numerosos.

Que lições, se há alguma, podem ser derivadas do livro sobre o potencial de desconstrução do capitalismo global?

O projeto de capitalismo global tem que ser continuamente refeito conforme ele entra e sai de crises. Nós não traçamos um manifesto claro instruindo como destruí-lo, o que nosso livro In and Out of Crisis (Entrando e Saindo da Crise), de alguns anos atrás, estava mais focado a cumprir. Esse livro termina dizendo que políticas radicais requerem uma perspectiva sóbria acerca do que existe atualmente e sobre como nós chegamos a este ponto, para entender mais claramente a natureza e escala do trabalho envolvido em chegar a uma situação melhor.

Tal sóbria perspectiva mostra-nos porque as antigas tentativas dos sociais-democratas de assegurar e administrar um capitalismo mais humano falharam, porque um retorno ao keynesianismo é impossível e porque o modelo alemão de capitalismo não é o que fora declarado em termos de uma alternativa progressista ao capitalismo anglo-americano.

É impossível prever se a esquerda será capaz de desenvolver nos próximos anos a capacidade de ir além dos protestos e construir a capacidade institucional para adentrar e reconstruir o Estado, de forma que seja possível iniciar uma destruição do capitalismo global. Se isso acontecesse na Grécia com a eleição de um governador da Syriza, é temido que ao menos isso encorajasse uma mudança na balança política das forças norte-europeias para permitir a um governo Syriza o espaço de implemento de um programa alternativo, a população da Grécia sofreria ainda mais com isolamento e penalizações econômicas. Nesse aspecto, estamos novamente em 1917 e vemos de novo o deleite dos revolucionários russos na esperança de causar implicações revolucionárias na quebra do "elo mais fraco".

Obviamente, dado o papel principal do Estado americano no capitalismo global, pareceria que qualquer rompimento, mesmo se não iniciado por forças radicais no coração do Império, seria capaz de ir apenas até certo ponto, mas poderia ao menos encorajar uma mudança política radical nos EUA. E há, de fato, maior mobilização e oportunidades de ações progressistas dentro dos EUA que as pessoas imaginam, por meio de centros de ação do trabalhador e quadros não sectários a nível nacional e internacional.

Especialmente com os desafios do meio ambiente atuais, há, também, um senso de crise dupla para o capitalismo, com questões ecológicas no topo da agenda. Dito isto, eu tenho um problema com "catastrofismo", a narrativa na qual temos muito pouco tempo no qual devemos responder a desafios ecológicos ou estaremos condenados. Se isso for verdade, estamos todos ferrados – políticas progressistas tornam-se impossíveis porque não irão acontecer de um dia para o outro.

É claro, discussões sobre uma "transição justa", focadas no rompimento com o capitalismo global ao apontar para a necessidade de uma economia mais justa e ecológica, podem ser valiosas para reunir elementos progressivos de movimentos trabalhistas e ecológicos. Seria muito positivo se isso puder ser unido, a curto prazo e de forma positiva, ao que consumidores experimentam sob medidas de austeridade, como já vimos com a popularidade da proposta de Ed Miliband de congelar os preços da energia.

Apontar os efeitos reais e implicações futuras das mudanças climáticas pode ajudar no avanço em políticas socialistas de conversão econômica duradouras. Isso justificaria ainda mais a transformação de instituições financeiras em utilidades públicas para facilitar planejamentos democráticos e econômicos. Tudo isso possibilitaria inovações tecnológicas lideradas pela esquerda e produções mais limpas. Mas nada disso poderá acontecer a menos que nós também possamos assumir a necessidade, embora radical, de ir além de propostas políticas e colocar na agenda a necessidade de transformar Estados capitalistas para que eles possam se tornar agências de desenvolvimento de capacidades populares, de forma a determinar democraticamente o que será produzido e de que maneira – empregando genuinamente valores socialistas.

Tradução de Ugo Flores/Forum.


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