1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (1 Votos)

Unknown-e1386331379534Estados Unidos - Revista Rubra - [Joana Alcântara] Tida como uma das maiores greves da história Americana, a Greve Geral dos trabalhadores do Têxtil de '34 – que se estima ter conseguido juntar cerca de 450,000 trabalhadores em luta entre 3 a 23 de Setembro — é um marco na luta de classes da sociedade norte-americana, especialmente a sul da linha Mason-Dixon, a suposta «fronteira cultural» entre o norte liberal e o sul paternalista.


Insere-se num contexto nacional de ampla contestação social, no entanto, a sua localização recobre-a de especificidades no que diz respeito à organização da classe trabalhadora e às divisões étnicas e sociais no seio dos trabalhadores.

Em 1921, a indústria algodoeira dos Estados do sul era responsável por 54% da produção total nacional. Este valor aumentou para 67% em 1927, em parte devido à deslocalização das manufacturas a norte para os Estados do sul (Tennessee, Alabama, Geórgia, Virgínia, Carolina do Norte e do Sul), atraídas pelos baixos salários e pela fraca sindicalização dos trabalhadores desta região. A ameaça iminente de deslocalização, consequência do diferencial de valor da força de trabalho entre estas regiões, pesou negativamente no lado dos trabalhadores, sendo utilizada como arma disciplinadora pelo capital.

A recessão do pós-guerra permitiu aos patrões legitimar, entre outras medidas, o cessamento de políticas paternalistas de emprego (habitação, assistência médica, educação, etc.). O desmantelamento dos apoios sociais aos trabalhadores conduziu à intensificação da pobreza — e, consequentemente, do descontentamento — mas, também, dos laços de solidariedade no seio destas comunidades, essenciais à organização e mobilização política. Quando a Depressão atingiu o sector têxtil, muito antes de se fazer sentir nas restantes esferas da sociedade norte-americana, no início de 1929, os patrões responderam com mais despedimentos, layoffs e cortes salariais, aumentando os ritmos de trabalho e diminuindo as pausas dos trabalhadores remanescentes. A racionalização do trabalho tinha como objectivo retirar mais trabalho de cada trabalhador através da introdução de mais tecnologia e de um novo modelo de organização. Em pouco tempo atingiu-se um excesso de produção, o que conduziu a uma intensificação dos despedimentos. Desta forma, o crescente exército de reserva de desempregados substituía as políticas paternalistas do período anterior na estabilização da força de trabalho: os trabalhadores ou aceitavam as condições de sobreexploração ou eram substituídos por outros dispostos a trabalhar a ritmos mais elevados, até onde o limite físico lhes permitisse.

Não obstante o sindicato do sector (United Textile Workers, UTW) estar mais interessado em combater as diferenças salariais entre o norte e sul do que em organizar os trabalhadores do sul, estes homens e mulheres – famílias inteiras de camponeses brancos — organizaram-se nos seus locais de trabalho contra os seus patrões. Através da rádio e da difusão de canções sobre os quotidianos das fábricas, construídas e interpretadas pelos músicos itinerantes, que eram eles próprios trabalhadores ou ex-trabalhadores da indústria do algodão, as populações das localidades manufactureiras foram conhecendo a realidade semelhante de outras populações. Dispersas por uma área geográfica muito abrangente, imaginavam assim uma comunidade de experiências e objectivos comuns.

A Greve Geral de 1934 foi o culminar de um processo de intensa contestação social e de constantes sublevações dos trabalhadores, não só no sul como em todo o território nacional. Quando em 1933 o recém-eleito Presidente Roosevelt lança o NIRA, National Industrial Recovery Act, uma lei que o autorizava a regular a indústria com o objectivo de acelerar a recuperação económica, tanto os trabalhadores como os patrões acolheram com entusiasmo a intervenção federal, embora com diferentes expectativas, claro. A aprovação desta lei conduziu à criação do NRA, National Recovery Administration, com a função de regulação da competição industrial, dos salários e da organização do trabalho. Vai estabelecer um salário semanal mínimo e, com o objectivo de reduzir a superprodução, estabelece ainda um horário semanal de trabalho de 30 horas, o que equivaleu a cortes salariais de 25%.

A este conjunto de disposições gravosas para a classe trabalhadora somava-se-lhes a «Secção 7(a)» que reconhecia o direito à sindicalização. O número de trabalhadores sindicalizados no UTW subiu de 27,500 em 1932 para 270,000 em 1934. O movimento sindical norte-americano, que até à formação do NRA estava fragilizado e descredibilizado, depois de falhar no combate aos layoffs e aos cortes salariais na Grande Depressão, vê as suas fileiras engrossarem rapidamente. No entanto, e não obstante ameaçar com uma greve, recua depois de lhe ser oferecido um lugar numa importante associação industrial do sector têxtil – Cotton Textile Industrial Relations Board. Os trabalhadores, descontentes com esta atitude e contra os «conselhos» do líder sindical, votam favoravelmente a uma greve. No Estado do Alabama, 42 em 40 assembleias votam favoravelmente a greve e cerca de 20,000 trabalhadores paralisam a produção no dia 16 de Julho de 1934. A greve tem uma grande adesão, revelando a sólida solidariedade entre os trabalhadores das diferentes cidades. Em Agosto, na Convenção Nacional do UTW, quando já cerca de 130,000 trabalhadores sindicalizados estão em greve, é decidido — sem oposição e na tentativa de salvar a face — a realização de uma greve geral do sector. Inicia-se a 3 de Setembro, no Dia do Trabalhador, no Estado da Carolina do Norte, aderindo aqui cerca de 65,000 trabalhadores. Estes não só abandonam o trabalho, como constituem piquetes móveis, deslocando-se por grandes extensões de território — muitas das vezes superiores a 100 km — e fechando fábricas em laboração.

A greve espalhou-se rapidamente, em grande parte devido aos piquetes móveis: a 5 de Setembro, os jornais indicam cerca de 325,000 trabalhadores em greve. Mais de 50 piquetes móveis, cada um com um destacamento entre os 200 e os 650 trabalhadores, estavam activos nos Estados da Carolina do Norte e do Sul, percorrendo uma cintura têxtil de mais de 150 km, entre Gastonia (Carolina do Norte) e Greenville (Carolina do Sul). Múltiplos pontos de recolha foram montados nos diferentes centros têxteis, apelando às centenas de grevistas para contribuírem com dinheiro e géneros para a manutenção da luta. Os piquetes móveis eram tolerados de início e até encorajados pelos sindicalistas, mas, com o avançar da greve, a resistência aumentou drasticamente.

Rapidamente iniciaram-se confrontos violentos entre as autoridades locais e os trabalhadores, e entre grevistas e fura-greves. Ainda a 5 de Setembro, o Governador da Carolina do Norte dá ordem à Guarda Nacional para auxiliar as autoridades locais na repressão do movimento grevista, declarando três dias depois o estado de insurreição e, consequentemente, estabelecendo a lei marcial. Outros seguiram-no. A ocupação militar das cidades facilitou a entrada dos fura-greves nas fábricas e de uma nova força de trabalho — os trabalhadores afro-americanos, excluídos da indústria e do sindicato até então, tinham, consequentemente, pouca simpatia pelos grevistas.

A militarização radicalizou também a repressão aos trabalhadores. Milhares foram perseguidos e encarcerados e dezenas morreram nos confrontos com o exército. A violência ultrapassou a «bolha» sulista e atingiu o seu pico máximo em Woonsocket, Rhode Island, onde, a 12 de Setembro, uma multidão de 8,000 manifestantes enfrentou à pedrada as rajadas de metralhadora das tropas com o objectivo de fechar a fábrica local. Foram bem-sucedidos mas, três semanas depois de iniciar-se a onda grevista, a 23 de Setembro, o sindicato do sector aceita a recomendação da administração Roosevelt e declara o fim da greve. É a correlação de forças entre as partes envolvidas que determina o resultado das lutas e não a dimensão absoluta do arsenal de trabalhadores. Os industriais de cerca de 339 fábricas recusam, contra o apelo do presidente, recontratar os trabalhadores grevistas, deixando-os no desemprego. Nunca mais, durante o resto da Depressão, o sindicato, completamente descredibilizado e afecto ao patronato, consegue (ou deseja) alcançar a capacidade de mobilização deste período.

Esta greve reflecte a natureza dual do New Deal no sul dos Estados Unidos. Por um lado, e contra o preconceito de que os trabalhadores do sul seriam submissos, estimulou a mobilização popular contra as autoridades locais estabelecidas através da exortação à sindicalização. (Mas, sublinhe-se, os trabalhadores respondem ao intensificar do ritmo de trabalho e, no processo, os líderes sindicais acompanham-nos.) Por outro, através do NRA, o New Deal reforçou o poder de uma elite económica, cartelizando a indústria americana e eliminando a concorrência em muitos dos seus sectores.

Décadas mais tarde, nos anos 90, num documentário sobre a memória colectiva destes acontecimentos traumáticos — The Uprising of '34, de George C. Stoney, Judith Helfand e Susanne Rostock —, os descendentes dos trabalhadores destas fábricas, acantonados nas mesmas cidades rurais (lugares pobres e sem trabalho depois da deslocalização da indústria, primeiro para um outro «sul» mais próximo, o México, depois para a Ásia), falam de um silenciamento violento da experiência de luta dos seus pais e dos seus avós: «Podiam falar das vítimas do Vietname, mas não dos colegas e familiares mortos pelo exército durante a greve.»


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.