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060813 detroit cidade falidaEstados Unidos - O Diário - [Juan Ricardo Cole] A grande pergunta é se a quebra de Detroit e a sua provável decadência é uma casualidade ou se nos diz algo acerca da distopia na qual se estão convertendo os Estados Unidos.


Parece-me que os problemas da cidade são as dificuldades do país no seu conjunto, especialmente as questões da desindustrialização, robotização, o desemprego estrutural, o aumento das comunidades fechadas e exclusivas dos ricos (o 1%), e a divisão racial. O presidente da câmara pediu às famílias que vivem a oeste, a parte mais despovoada da cidade, que viessem para o centro, de modo a poderem ter assistência. Pareceu pós-apocalíptico. Às vezes, os bairros abandonados incendeiam-se acidentalmente, e 30 edifícios são convertidos em fumo.

 

No seu apogeu, na década de 1950, Detroit teve quase 2 milhões de habitantes. Quando, em 1984, me mudei para o sueste de Michigan a cidade ainda tinha mais de um milhão. Recordo que na altura do censo de 1990, os seus dirigentes estavam dispostos a manter uma cidade de um milhão de pessoas, uma vez que havia fundos federais adicionais para uma zona urbana dessa dimensão, e contaram com absolutamente todos os que puderam encontrar. Conseguiram-no à justa. Em 2000, entretanto, a cidade caiu para baixo de um milhão. Em 2010 eram 714.000, aproximadamente. Google crê que tem agora 706.000 habitantes. Não há qualquer razão para acreditar que não irá reduzir-se até quase desaparecer.

O principal historiador de la moderna Detroit, Thomas J. Sugrue , explicou a decadência da cidade. Em primeiro lugar, Detroit passou de 400.000 a 1,84 milhões de habitantes entre 1910 e 1950 devido principalmente à indústria automobilística e às outras indústrias que esta alimentava (máquinas ferramentas, sobresselentes, serviços, etc.) Desde 1950 até agora, duas grandes causas conduziram à ruina da cidade no que diz respeito à indústria. A primeira foi a robotização. A automatização de muitos processos nas fábricas levou a prescindir de um maior número de trabalhadores, e produziu desemprego. (Foi uma suja partida que o capitalismo tardio aplicou à população africano-americana que acorreu a Detroit na década de 1940, para evitar manter-se como rendeiros de terras na Geórgia ou em qualquer outro lugar do Sul profundo e que, à medida que se ia instalando, viu os postos de trabalho começarem a desaparecer). Então, a indústria automotriz começou a deslocar-se para outros locais, juntamente com as suas indústrias de apoio, para poupar dinheiro em custos de mão-de-obra ou de produção e para escapar à regulação das relações laborais.

A rejeição da população branca à integração dos imigrantes afro-americanos produziu uma forte divisão racial, para além de condições inadequadas de habitação e de educação. Ao longo das décadas de 1950 e 1960 houve uma fuga importante de população branca, depois dos distúrbios de 1967. As classes médias brancas e de negócios levaram consigo a suas riquezas para os subúrbios, e agravaram desse modo a crise fiscal da cidade. A essa diminuição das receitas fiscais veio somar-se a deslocalização das fábricas. A diminuição de impostos fez com que os seus serviços públicos piorassem, e que mais pessoas emigrassem. A classe média negra começou a sair em 1980 e hoje na sua maioria desapareceu.

Outros observadores sugeriram outras concomitâncias da decadência, como o mau planeamento da cidade ou a incapacidade para atrair suficientes imigrantes estrangeiros. Suspeito que a decadência de Detroit como porto é de algum modo importante nesta história (apenas uma das quatro velhas comportas em Sault St. Marie permite a grandes barcos chegar até aos Grandes Lagos inferiores e portanto a Detroit). Uma nova e moderna comporta está a ser construída para dar passagem a embarcações de maior dimensão, mas passará uma década até que possa ser aberta. Alguns observadores assinalam que Detroit faria sentido como porto de enlace com o Médio Oeste dos contentores de transporte marítimo internacional, se o seu porto fosse ampliado e ligado por via-férrea às cidades da região, mas suspeito que a nova eclusa no Soo é um requisito prévio para que tal possa acontecer.

Depois de todas estas décadas de esperanças frustradas, é-me difícil levar demasiado a serio as afirmações de que a cidade está num ponto de viragem ou que algum projecto de renovação está em vias de ter êxito. Neste ponto parece-me uma questão prévia conservar parte da população que de outra forma se iria. Parece-me particularmente pouco provável a ideia de que a agricultura urbana é parte da solução. Soa bem, mas os agricultores ganham ainda menos que os trabalhadores industriais urbanos, e esta foi a razão pela qual na sua maioria abandonaram as cidades. Não se pode pôr dinheiro numa cidade dessa forma.

Embora outras cidades tenham evitado o destino extremo de Detroit, creio que a nação no seu conjunto se enfrenta com alguns dos problemas insolúveis que a cidade cria, e não creio que tenhamos uma solução para eles.

Tomemos por exemplo os robots (e refiro-me apenas à transformação altamente mecanizada e informatizada de matérias primas). Na fábrica cada vez mais trabalho está automatizado, e os progressos na tecnologia informática poderiam tornar possível um aumento substancial da produtividade. Este aumento dos robots viola o acordo que os capitalistas realizaram com os consumidores estado-unidenses depois da grande depressão, que é o de que proporcionariam às pessoas postos de trabalho bem remunerados e os trabalhadores, por seu lado, comprariam os produtos que as fábricas produziam, num ciclo de consumo. Se as mercadorias podem produzir-se sem muitos trabalhadores, e se os trabalhadores acabam sofrendo desemprego de longa duração (como sucede em Detroit), então, ¿quem vai comprar os bens de consumo? O capitalismo pode sobreviver a um Detroit, mas ¿o que sucederá se esta situação se generaliza?

Parece-me que temos que abandonar o capitalismo à medida que a produção progrida se desprenda do trabalho humano. Creio que todo o trabalho dos robots deve ser nacionalizado e situado no sector público, e todos os cidadãos devem receber uma remuneração básica do mesmo. Então, se os robots fazem um automóvel, os lucros não reverterão apenas para a corporação que é proprietária dos robots, mas para todos os cidadãos. ¿De todas as formas, não seria prático que los robots trabalhassem para os desempregados, ou pessoas sem recursos? Talvez necessitemos de uma versão do século XXI de ” de cada um segundo as suas capacidades, a todos segundo as suas necessidades.”

Uma produção mecanizada e computorizada de propriedade comum também ajudaria a resolver o problema do aumento da desigualdade de rendimentos nos Estados Unidos. O 1% está a levar para casa, em cada mês, 20% do rendimento nacional, em comparação com os 10% de há umas décadas. A esse 1% correu-lhe especialmente bem o sueste de Michigan, com os seus derivados e mercados hipotecários não regulados. A crise em 2008 afectou fortemente a região, que já antes tinha sido duramente golpeada. A área de Detroit é um exemplo típico das consequências de ter ao mesmo tempo uma extrema riqueza (Bloomfield Hills, Grosse Pointe) e uma pobreza extrema (a maioria de Detroit) coexistindo numa área urbana metropolitana. Não funciona. Os ricos não têm lugar para se mover na cidade, e a cidade não tem a capacidade de recolher impostos ou lucros dos ricos localizados nos subúrbios. Estes problemas vêm-se de facto agravados pela segregação racial, de maneira que os afroamericanos têm mais probabilidades de estar desempregados do que os brancos, de viver na depredação urbana e não em agradáveis subúrbios.

A crise do capitalismo está a ser em parte retardada pelo crescimento da Asia e o surgimento de novos mercados de consumo em lugares com populações em rápido crescimento. As empresas estado-unidenses transferiram-se para estes locais com um número crescente de pessoas e de mão-de-obra barata, deixando as comunidades trabalhadoras como Detroit abandonadas. As empresas estado-unidenses fabricam mercadorias no Vietnam para vender à classe média chinesa e indiana. Entretanto, a população mundial estabilizará em 2050 e provavelmente irá reduz-se a partir de então. Nesse momento, o consumismo terá atingido o seu limite, e haverá um menor número de consumidores em cada ano a partir de então. (Para além do problema de que o modelo clássico de consumismo dos anos 40 e 50 é ambientalmente insustentável).

Com o trabalho do robot, o vento e a energia solar barata, e uma população global em diminuição, os seres humanos post-2050 poderiam disfrutar universalmente de altos níveis de vida. Poderiam utilizar as suas energias na criação de software, na biotecnologia e na criatividade artística, que são sustentáveis. O estipendio gerado pelos robots de trabalho seria uma renda básica para todos, mas todos seriam livres para gerar rendimentos adicionais a partir da iniciativa empresarial e da criatividade. E o facto de que toda a gente disporia de um nível de renda básico asseguraria que houvesse compradores para os produtos ou serviços adicionais. O futuro dependerá de algo como o comunalismo robotizado, e o abandono do racismo, de modo a que todos os membros da comuna sejam iguais e integrados nos novos espaços urbanos sustentáveis.

A insistência numa economia política do século XIX como é o capitalismo de barracudas, perante o aumento do trabalho inteligente mecanizado e a decadência da indústria baseada no trabalho humano produzem os Detroit de hoje. A segregação racial e os preconceitos produzem os Detroit. Um governo minguante e esfomeado, cortando nos serviços enquanto os trabalhadores são obrigados a produzir por salários cada vez mais reduzidos (ou inclusivamente forçando-os a sair do mercado de trabalho) produz os Detroit. Em essência, Detroit é a consequência natural dos princípios fundamentais do Partido Republicano, um partido dominado pelo “tea-party”. Não funciona, e não é o futuro.

O futuro não é Detroit nem a maioria republicana na legislatura estatal Lansing. É outra coisa. A lenta e dolorosa queda de Michigan está a dizer-nos algo, e é isto: que os robots, a raça e as formas insustentáveis da globalização implicam a morte das cidades sob o domínio dos barões ladrões. Está a dizer-nos que necessitamos de novas regras.


 

21/07/13

Juan Ricardo Cole é professor da cátedra Richard P. Mitchell de Historia na Universidade de Michigan.

 


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