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Conversa com Xurxo M. Crespo sobre o Comandante Soutomaior, o DRIL e o assalto ao Santa Maria

xurxo2Galiza - Diário Liberdade - Oferecemos transcriçom e áudio da interessante conversa com o pesquisador galego, sobre a obra 24 homens e mais nada, do Comandante Soutomaior.


24 homens e mais nada. A captura do Santa Maria. José Fernandes 'Comandante Soutomaior. Abrente Editora, Galiza, 2010

Temos ocasiom hoje de falar com Xurxo Martínez Crespo, que foi quem possibilitou que nestas últimas semanas tenha saído à luz umha obra que estava no esquecimento e que ele nos explicará como conseguiu trazê-la agora para o público galego. É umha obra de José Fernandes, o 'Comandante Soutomaior', um dos participantes e dirigentes do assalto ao Santa Maria, do qual se cumprem agora 50 anos e esta obra, 24 homens e mais nada, que narra a preparaçom, a logística e o financiamento essa operaçom de um comando do DRIL (Diretório Revolucionário Ibérico de Libertaçom), constitui um bom meio para que o público galego tenha conhecimento desses factos. Também pode ser umha boa ocasiom para fazermos umha reivindicaçom do DRIL como primeiro movimento armado contra o franquismo depois da fase das guerrilhas, e inclusive antes do surgimento da ETA no País Basco...

Diário Liberdade - Por onde podemos começar, Xurxo?

Xurxo Martínez Crespo - Bem, em primeiro lugar, no ano 2011 cumprem-se 50 anos do seqüestro do Santa Maria por parte de 24 homens, comandados por dous galegos e um português: o Comandante Soutomaior, José Velo e Henrique Galvão. O DRIL era umha organizaçom nascida em 1958 como resposta principalmente de exilados desencantados com a atitude doutros sectores, e um apelo a se levantar em armas contra a ditadura franquista, que nesse momento já estava totalmente acomodada e inclusive internacionalmente aceite, a raiz da guerra fria e os acordos entre os governos franquista e dos EUA, que começárom a instalar bases militares entre 54 e 56.

Diário Liberdade - Portanto, nom parecia ser o melhor momento para lançar umha organizaçom armada contra um regime que estava afiançado polo apoio do imperialismo norte-americano...

XMC - O melhor momento nom era. Foi um ato nom só desesperado, mas também valente, porque essas pessoas sofrêrom a guerra civil e o exílio em primeira pessoa. O próprio Soutomaior, que chegou à Venezuela no ano 48, vinha de militar no PSOE e depois no PCE, posteriormente organizou a luita antifranquista em 1937, na Serra do Barbança, foi para França em 39, onde ficou até 48, quando foi para o exílio americano, e depois de 21 anos de exílio, em 1958 decide alçar-se em armas contra umha situaçom que nom tinha soluçom a nom ser a luita armada.

Que se era conveniente ou nom? Bem, a entrada do Estado espanhol na ONU e o apoio dos EUA fijo com que o regime, mal visto depois da guerra, passava a ser um dos países reconhecidos e com os quais se mantinham relaçons normalizadas. O seqüestro do Santa Maria constitui um fito histórico por constituir o primeiro seqüestro de um barco por motivos políticos na história da humanidade, já que nom houvo botim e o barco foi entregue igual que tinha sido tomado. Assim conseguírom que a nível internacional se tivesse consciência da existência de duas ditaduras assentes durante décadas no Estado espanhol e Portugal.

O DRIL, que tinha umha mistura de ideias do PCE, do anarquismo, do galeguismo e até ex-colaboradores do regime salazarista, era um movimento revolucionário que reclamava a plena igualdade das naçons da Península Ibérica, equiparando Portugal para umha futura confederaçom de estados ibérica. Se bem o seu principal ato foi o do seqüestro do Santa Maria no ano 61, a atividade já começara no ano 58 com a fundaçom e em 59 e 60, com vários atos coordenados contra o regime franquista: explosons em estaçons de combio, contra sedes da Falange Espanhola e inclusive existiu um plano, chamado Covadonga, para atentar contra Franco.

xurxo5Contodo, a organizaçom do DRIL, que era formada sobretodo por exilados na Bélgica, Estado francês e Marrocos, estava totalmente infiltrada de agentes franquistas. De facto, existe conhecimento sobre um deles, Manuel Rojas, duplo agente franquista, que provocou que um ataque com bomba em que participou um primo direito dele, acabasse com a morte do ativista, ao estar trocada para que lhe rebentasse no momento da colocaçom.

A infiltraçom nom é assim tam estranha, pois na resistência antifranquista desde o ano 40, os máquis e o PCE carecêrom finalmente de sucesso pola "colaboraçom cidadá", pola delaçom, devida ao medo e nom por convicçons franquistas.

Os tentáculos franquistas e regimes chegavam aonde havia comunidades de exilados e infiltravam delatores, também na Venezuela.

Diário Liberdade - Por falar nisso, o DRIL tinha organizaçom europeia e americana, nom é? Além disso, havia muita presença galega nas suas fileiras. Explica-nos como era a estrutura e organizaçom.

XMC - Na Europa, era umha representaçom variada. Na América era integrado sobretodo por gente exilada na Venezuela, onde o exílio era prinicipalmente galego e português, embora houvesse bastantes bascos e cataláns. De facto, chegam a assinar-se acordos entre o DRIL e o movimento de libertaçom catalám na Venezuela, mas a conformaçom principal, a procura de fundos, o ideário latino-americano tem umha componente galeguista muito importante.

Como pormenor significativo, podemos lembrar como durante o operativo no Santa Maria é repartido, entre a tripulaçom e a passagem, um ideário de 40 pontos que fora traduzido do galego para o espanhol, escrito em 37 por Rafael Dieste no jornal Nova Galiza, que se editava em Barcelona. Quer dizer, o nacionalismo galego, por muito que se quiger tingir de sentido ibérico, era predominante no DRIL.

O próprio José Velo tinha sido fundador das Mocidades Galeguistas e, ainda que Soutomaior nom venha do galeguismo formal, ele já na altura reconhece a Galiza como naçom e o seu direito de autodeterminaçom. Mesmo antes de morrer, escreve como auto de fé dous manifestos chamando os galegos a luitar pola independência e reconhecendo que o atraso da Galiza é por culpa de Castela, o centralismo e todo o que representa.

Diário Liberdade - Esses textos estám incluídos, como anexos, no volume recém publicado que comentamos...

XMC - Sim. Som duas cartas que fai na derradeira viagem que fai à Galiza no ano 1979. Enquanto está aqui, viaja a Londres para visitar um filho e ali escreve um dos manifestos, no qual percorre a história da Galiza, aponta para o Estado centralista espanhol como culpado e apela à nossa independência.

Detrás dos factos históricos, sempre há pessoas. Esta gente, quando em 58 decide com 59 ou 57 anos formar um grupo armado, sem recursos, quando todo está perdido, isso tem um valor difícil de quantificar porque nom sabiam como iria acabar a aventura e estragavam a vida deles por completo. Eu falei com a viúva de José Velo, Jovita, e ela desde o ano 61 em que recebe asilo político no Brasil até a sua morte ali, a família Velo ficou estragada. A mulher e dous filhos em Caracas e José Velo com outro filho, que também participou no seqüestro do Santa Maria, no Brasil, sem recursos e tendo que esperar até dous anos para se visitarem.

Rompêrom amizades, as vidas... o mesmo no caso de Soutomaior. O filho dele, Frederico, que também participou no assalto ao Santa Maria, incorporou-se mais tarde à guerrilha venezuelana, cumpriu cinco anos de prisom... Nasceu no exílio francês e quando falei com ele dixo-me que continuava a renovar o passaporte francês porque, ao ter cumprido umha condena de prisom por motivos políticos, nom podia aceder à cidadania venezuelana.

Esta gente deu muito por nada. Estas cousas nom se pagam, mas quando ouvimos falar da lenda negra dos galegos, falares como o de que "quando mejam por eles dim que chove..." Há que dizer que todo isso nom é verdade. Aqui tem havido gente que luitou, que quando bascos e cataláns estavam muito acomodados no exílio, inclusive colaborando com o governo dos EUA, como o PNV, houvo galegos que mantivérom umha luita com o seu património, com as suas vidas, famílias... Soutomaior morre numha situaçom económica precária e este mesmo livro, '24 homens e mais nada', numha correspondência que mantém com Celso Emílio Ferreiro, sendo este senador do PSOE em Madrid, iria ser editado pola editora espanhola AKAL, em 78. Celso Emílio acaba por afirmar que é umha cousa velha e que nom tem interesse no Estado espanhol atual. Afinal acho que foi publicado mas nom distribuído, pois eu nunca o conseguim.

Diário Liberdade - Agora temo-lo em galego, por isso é umha novidade importante. Qual pensas que é o seu valor, nos dias de hoje?

XMC - Este livro tem valor para galegos, galegas, portugueses, portuguesas e para muita gente interessada no que foi o primeiro movimento armado no exílio e no interior, de luita contra a ditadura franquista.

xurxo1A história deu excessivo protagonismo aos portugueses Galvão e Humberto Delgado. Este último aproveitou a situaçom e foi de barco até o barco para se entrevistar com os seqüestradores e dixo que a ideia do seqüestro fora dele.

No livro, Soutomarior varre todos os tópicos. Nem Delegado, nem Galvão, nem Velo saem bem parados, mas tampouco mal parados. Coloca cada um no lugar que lhe corresponde. Ele afirma que, numha açom militar armada, considera que o importante é conduzir as armas, nom dar declaraçons. Se Galvão foi a cara visível, foi por sorteio, mas a responsabilidade principal com a perseguiçom da armada estado-unidense, quando há que falar com o contra-almirante... isso correspondeu a quem, em minha opiniom, tivo 80% da responsabilidade do seqüestro e foi um estratega genial: Soutomaior.

A importáncia, portanto, é a inexistência de documentos como este. Além disso, este é um livro bem escrito, com umha tensom bem levada dos factos...

Diário Liberdade - Também tem documentaçom inédita, nom é?

XMC - Sim, tem como acréscimo o jornal editado polo 1º aniversário do seqüestro, um exemplar único. Pensemos também que o encarregado de imprensa e propaganda do DRIL era um galego, carnotám, chamado Júlio Formoso, e foi responsável por essa publicaçom.

Também acrescentamos as cartas inéditas, nunca antes publicadas num livro. Este livro tem um valor importante porque supom umha declaraçom contra a ditadura, e para a história recente de Portugal, já que Galvão e Delgado som dous referentes na luita naquela altura contra o salazarismo. O seu protagonismo nom foi tanto como pretendêrom fazer acreditar, pois foi maior de parte galega.

Convém também termos em conta que todos os homens que participárom na açom fôrom julgados e condenados a pesadas penas de mais de 20 anos, em rebeldia, até porque na operaçom houvo um morto, membro da tripulaçom, e um ferido, que deixárom na ilha de Santa Luzia, nas Caraíbas. Nunca se soubo como foi nem quem o provocou, mas de facto aconteceu e houvo condenas pola justiça salazarista, que, ao contrário que a espanhola, nom previa a pena de morte. Esse foi um dos motivos de terem escolhido um paquete português.

Diário Liberdade - Entre outras cousas, esse operativo revolucionário contra as ditaduras foi um exemplo da colaboraçom entre sectores avançados dos povos galego e português. Que opiniom tés tu das potencialidades e orientaçom que a Galiza deveria ter em relaçom ao vizinho português?

XMC - Eu tenho umha teoria para os casais: para existir, devem querer estar casados os dous. Às vezes procuramos culpados por fora mas tamb?e há um divórcio entre o que nós somos e o que som so portugueses e as costas viradas, muitas vezes mental.

Reivindico nisso 100% a figura de Castalao. Aquele desenho À beira do Minho, na sobrevivência do galego em Portugal... nós devemos tender pontes, pois somos os esquecidos de Portugal. A responsabilidade nom é só dos espanhóis, mas dos portugueses.

Na Estremadura há 8.000 estudantes de português. Aqui sempre nos governou gente que olhava para o outro lado, mas os estremenhos nom tenhem mais em comum com Portugal que nós.

Nom digo que as cousas dependam dos governos, pois se nom vinherem de baixo, nom funcionam. A Galiza como país tem responsabilidade, como se vê nas vilas raianas, onde às vezes som mais espanholeiros que em Madrid. Também comprovamos que é difícil que nos falem português quando lá vamos, tratando-nos de espanhóis, mas há um sustrato que confirma a tese de Freud, de que o verdadeiro consciente do ser humano é o seu subconsciente. Em Setembro estivem em Vila Real, em Trás-os-Montes, e num hospital conversei com um médico que quando soubo que eu era galego dixo logo: "entom nom há problema: entendemo-nos". Eles sabem que nos entendemos.

xurxo4Mantendo a nossa identidade, porque nom somos portugueses –somos galegos–, somos mais portugueses do que espanhóis.

Diário Liberdade - Sabemos que estás sempre a pesquisar temas relacionados com a Galiza e a América Latina ao longo do século XX, já que em todos os processos revolucionários do continente americano participárom galegos e galegas. Podes dizer-nos em que estás a trabalhar ultimamente?

XMC - Estou fazendo umha traduçom de um livro inédito de José Almoina sobre um galego que foi assassinado polo ditador Trujillo.

Agora falaste da participaçom dos galegos naqueles movimentos. Os filhos de Júlio formoso, de José Sexto, ambos do DRIL e, no caso de Sexto, quem passou os últimos minutos de vida de Bóveda junto a ele e autor do limiar do primeiro livro de Soutomaior, publicado em 71. Bem, pois esses filhos som atores atuais da Revoluçom venezuelana. Farruco Sexto é ministro da Cultura, Júlio formoso foi diretor do Centro Nacional do Disco, Frederico –filho de Soutomaior– foi guerrilheiro e agora é prémio nacional de fotografia, etc.

Todos eles sentírom umha responsabilidade para com o país que os acolhia, por isso som venezuelanos de origem galega com umha componente genética com a Galiza e um compromisso com esses países, participando nas luitas.

Diário Liberdade - No caso venezuelano, também no mais importante meio alternativo na Internet, Aporrea, há um galego à sua frente...

XMC - Sim, Gonzalo Gómez, efetivamente. O seu pai, Gonzalo Gómez Caridade, foi intimo amigo de José Velo. Aí vemos que a nacionalidade é umha e cidadania som muitas: som galegos de naçom, com cidadania venezuelana, que assumírom responsavelmente algo que adquirírom dos seus pais. Nada surge por geraçom espontánea, há algo por trás.

O multiculturalismo, o cosmopolitismo interpreta que as pessoas som feitas aos pedazos, como um puzzle, sendo cada pessoa umha identidade diferente. Isso nom é verdade, pois som necessários uns referentes. Quando condenam à morte Sócrates, perguntam-lhe de onde é, e responde: eu sou ateniense, sou cidadao do mundo. Essa é a resposta: eu sou galego, eu sou cidadao do mundo. Galiza, célula de universalidade. Nom se pode colocar o carro à frente dos bois. Nós temos umha identidade e umha responsabilidade onde quer que vaiamos.

Farruco Sexto na Venezuela nom é um estrangeiro, como tampouco Fidel Castro, som venezuelano e cubano com origens galegas, e Farruco escreve a sua poesia em galego, na língua que considera própria.

Há pouco, na Lei da Memória Histórica, caírom nessa confusom entre cidadania e nacionalidade. Essa é a nuance que devemos reivindicar, com toda a carga cultural, política e de reclamaçom de direitos.

Diário Liberdade - Esta é umha boa reflexom para irmos concluindo, agradecendo ao Xurxo Martínez Crespo estes minutos de conversa e recomendando a leitura deste 24 homens e mais nada, a captura do Santa Maria, da autoria de José Fernandes, o Comandante Soutomaior, publicado na Galiza pola Abrente Editora, graças à iniciativa do companheiro que nos acompanhou hoje aqui.

Áudio integral da entrevista (40 minutos)

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(Todo o material gráfico e sonoro incluído nesta informaçom é trabalho próprio dos repórteres do Diário Liberdade, de reproduçom livre, de preferência citando a fonte)

Mais informaçom sobre a publicaçom desta obra:

Abrente Editora lança 'A captura do Santa Maria. 24 homens e mais nada', do comandante Soutomaior


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