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Um balde de chá frio nos Estados Unidos

031110_teapEstados Unidos - Carta Maior - [Martín Granovsky] Não é que a presidência de Obama tenha significado até agora um paraíso para a América Latina. Mas agora, os fundamentalistas do Sul – que deflagraram uma “guerra de Deus” contra o casamento igualitário na Argentina e satanizaram Dilma Rousseff no Brasil, em ambos os casos sem êxito – terão um respaldo mais sólido de seus amigos do Norte. Nenhuma das novidades muda por si só a situação dos países da América do Sul, que negociam cada vez com a Ásia e entre eles mesmos. Mas pode incomodar. Justo agora um balde de chá frio? O artigo é de Martín Granovsky, do Página/12.


A notícia apareceu no sistema de alertas do Washington Post às 20:10: “Rand Paul derrota Jack Conway na disputa para ser senador por Kentucky”, dizia o texto. Era um verdadeiro sinal de alerta: naquele momento, Paul se converteu no primeiro político apoiado pelo movimento ultradireitista Tea Party a obter um mandato legislativo.

“Rand é um médico, não um político”, diz a página na internet deste cirurgião de olhos que promete ajudar os idosos e garante ter operado crianças sem dinheiro graças a seus amigos do Lions Club. “A especialidade do doutor é fazer diagnósticos e implementar soluções práticas”, reza o texto, típico do Partido do Chá, que bem poderia ter sido escrito por Juan Carços Blumberg. Promete apresentar uma emenda constitucional para que o aborto seja novamente penalizado, como ocorria antes de 1973, e critica a lei votada este ano sobre a cobertura pública de saúde porque, segundo ele, padece de “demasiadas regulações”. O melhor, para Paul, é que o mercado atue mais livremente.

A vitória de Paul é o caso mais extremo da reconquista da Câmara de Representantes (deputados) por parte do Partido Republicano e de seu avanço no Senado. O presidente Barack Obama foi castigado por uma crise econômica que já estava em curso quando assumiu, no dia 20 de janeiro de 2009. Além do mais, recebeu esse castigo da direita. Os republicanos votados ontem não estão entre aqueles que criticam Obama por fraqueza diante do establishment financeiro. São os que demagogicamente dizem lutar contra o “poder do dinheiro” e, ao mesmo tempo, acusam o presidente de intervencionista ou de socialista. O Tea Party, que agora começa a ganhar institucionalidade, está longe de ter ganho todos os mandatos republicanos. Mas é a maioria mais ativa entre os conservadores e a que condensa uma ideologia simplória e fácil de entender quando as hipotecas não pagas terminam levando sua casa e o desemprego instala o medo. Propõem recuperar o orgulho dos partidários do livre mercado sem limites, o fundamentalismo cristão e a tradição libertária da ultradireita.

Esse último ponto tem raízes arraigadas nos EUA. Os membros da conservadora Associação Nacional do Rifle fundamentam seu direito a comprar todo tipo de armas nos direitos individuais originários que serviram de base para a independência norte-americana de 1776. Em 1995, o veterano da Guerra do Golfo de 1991, Timothy Mc Veigh, colocou abaixo um edifício federal em Oklahoma com 2.300 quilos de explosivos, causando 168 mortes. O atentado foi reivindicado por movimentos que defendem a supremacia branca, repudiam o Estado centralizado e questionam certas restrições à aquisição de armas votadas durante a primeira presidência de Bill Clinton entre 1993 e 1997.

A presidência de Ronald Reagan, em 1981, também foi fruto de apelos ao poder do individualismo e ao espírito de cruzada, então contra a União Soviética e os avanços igualitários implementados a partir de Franklin Delano Roosevelt na década de 30 e de Lyndon Johnson com a ampliação dos direitos civis na de 60.

O sistema político norte-americano termina equilibrando os grupos mais extremistas. O problema é que, quando a corda se estica até a extremíssima ultradireita, depois o resultado do equilíbrio ao centro chega somente até a ultradireita. E os falcões até parecem gente sensata.

Os resultados de ontem também representam um sinal de alerta para a América do Sul. Uma visão realista indica que governos republicanos despreocupados com a América Latina como foi o de Bush Jr. (2001-2009) não conseguiram causar danos irreparáveis na região. É verdade que a tentativa de golpe contra Hugo Chávez na Venezuela teve apoio de setores norte-americanos, mas não o suficiente para triunfar. E é certo que o financiamento pelos EUA da militarização da luta contra o narcotráfico contribuiu para cifras recordes de violações aos direitos humanos em uma democracia, como ocorreu no governo de Álvaro Uribe, na Colômbia. Mas, ao mesmo tempo, Washington suportou com estoicismo a derrota de seu projeto de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), em 2005.

Não é que a presidência de Obama tenha significado até agora um paraíso para a América latina. O caso pior é o golpe em Honduras contra o presidente constitucional Manuel Zelaya. No entanto, mesmo a situação em Honduras mostra contradições. Se os democratas foram fracos e toleraram - ou incentivaram (depende do setor) – a deposição de Zelaya, os republicanos são hoje a vanguarda da luta para conseguir a reincorporação de Honduras à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Como os republicanos não governam, poderiam chegar a formular exigências mais duras que as política implementadas por eles mesmos na Casa Branca durante o período Bush. A América Latina, como o Medicare ou o aborto seria um ponto mais na luta por desgastar Obama e evitar sua reeleição em novembro de 2012.

A outra má notícia é que agora os fundamentalistas do Sul – que deflagraram uma “guerra de Deus” contra o casamento igualitário na Argentina e satanizaram Dilma Rousseff no Brasil, em ambos os casos sem êxito – terão um respaldo mais sólido de seus amigos do Norte. Nenhuma das novidades muda por si só a situação dos países da América do Sul, que negociam cada vez com a Ásia e entre eles mesmos. Mas pode incomodar. Justo agora um balde de chá frio?




Publicado originalmente no Pagina12

Traduzido do espanhol para o português por Katarina Peixoto para a Carta Maior


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