Aproveitando a reuniom do máximo órgao de decisom de umha das associaçons referenciais na defesa da língua galega, o Diário Liberdade encontrou-se com o seu presidente, Valentim R. Fagim, para falarmos da situaçom da língua própria do povo galego.
Valentim, de cerca de dous metros de altura, nom é dessas pessoas que passe despercebidas. Como muitos galegos e galegas, este viguês decidiu tornar-se falante de galego. Desde entom tem dedicado grande parte da sua vida ao idioma da Galiza.
Professor na EOI de Ourense, autor de múltiplos artigos e livros, desde que preside a Associaçom Galega da Língua tem-se tornado umha referência para os galegos e galegas que defendem o idioma galego.
Diário Liberdade - Valentim, como é possível que a associaçom que presides figesse este monte de atividades sem receber ajudas públicas?
Valentim R. Fagim - Antes de mais, indicar que o nosso desejo é concorrer às ajudas públicas como umha entidade social que somos e obter apoios financeiros para as nossas atividades. Dito isto, a chave está em combinar trabalho voluntário com o profissional em áreas chave, caso da coordenaçom global ou a informática, bem como criar produtos de qualidade que facilitem a receçom por parte da sociedade e das entidades galegas.
DL - Na AGAL temos um capital humano realmente bom e generoso, o que torna mais fácil a gestom da associaçom e o meu labor como presidente. Aproveito esta entrevista para agradecer tantas e tam boas colaboraçons.
DL - Quais os horizontes da AGAL para este 2012?
Valentim - Em 2012 queremos recolher os frutos do trabalho desenvolvido polo atual conselho desde que assumimos a responsabilidade de dirigir a associaçom em junho de 2009, para o qual faremos umha campanha de filiaçom, com vídeo incluído, graças à colaboraçom de Comba Campoi, Vanessa Vila-Verde e João Aveledo.
Um dos factos que temos evidenciado é que o investimento em capital humano tem retorno. Precisamos de mais recursos financeiros para fazer mais e melhor. Somos umha associaçom mediana, por volta dos 400 sócios, e cremos que o nosso desempenho atual deveria traduzir-se num crescimento importante. Por outras palavras, vale a pena investir na AGAL se se quer investir a sério em língua.
De resto, a missom da AGAL é difundir umha vivência e umha visom da língua da Galiza conetada com as outras variantes da nossa língua. Para conseguir isto temos várias linhas de açom (Internet, ensino, cursos on-line, ediçom impressa...) que serám desenvolvidas em funçom dos seus resultados e sempre com as antenas abertas à receçom de novas ideias e vias de açom.
DL - De todas as atividades feitas pola AGAL qual foi a mais ambiciosa e importante para a promoçom da língua?
Valentim - É difícil de responder. Como docente, tenho um fraco polos Ops. É um ateliê para o ensino secundário que tem como objetivo mostrar os alunos e alunas que a sua vantagem competitiva como galegos e galegas é o seu acesso ao planeta Lusófono. Em 2011 demos por volta de 70 ateliês e chegamos a dous mil adolescentes. Eu teria gostado que quando estudei a antiga EXB, BUP e COU houvesse algum docente, apenas um, que me tivesse mostrado o que o sistema educativo me escondia. Nom tivem essa sorte. Os Ops venhem a preencher essa lacuna e segundo as avaliaçons que nos chegam, de alunos/as, docentes e técnicos dos SNL, estám a ser efetivos na medida de provocar umha mudança de esquemas.
A nossa aspiraçom, no entanto, é que os Ops nom sejam precisos porque chegue um dia que o currículo de língua galega inclua unidades dedicadas à Lusofonia e deixe de esconder a riqueza da nossa língua como figérom com a minha geraçom e tantas que vinhérom depois.
DL - A AGAL completou neste passado 2011 30 anos de vida, que diferenças há entre a AGAL de 1981 e a da 2012?
Valentim - Em 1981 tinha 10 anos e queria ser astronauta (risos) e nem pensava em ser presidente da AGAL mas ainda que nom vivim essa época, tenho conversado com pessoas que sim a vivêrom e tenho lido as revistas agália daquela época, umha fonte magnífica. Creio que a diferença fundamental é que a AGAL nasceu para aglutinar as pessoas que optavam por umha estratégia (e portanto umha norma) que VIA o galego como umha língua "extensa e útil". O peso dos professores, e portanto o inteletualismo, era muito alto.
Atualmente, graças ao seu trabalho, graças o seu investimento em tempo, energia e dinheiros, as pessoas que integram a AGAL, sobretudo as que entraram no presente século, som pessoas que VIVEM o galego como sendo umha língua internacional. Hoje, graças sobretudo à INTERNET, é mais acessível viver assim. De resto, o peso do professorado e do filologismo desceu muito entre os associados/as mostrando perfis mais heterogéneos, mais acordes com a realidade social global. Nom por acaso, entre os últimos sócios temos um bombeiro, um tele-operador, um empresário ou um polícia local.
DL - O movimento de defesa do idioma nunca deu especial releváncia à construçom de um ensino cem por cento em galego. Recentemente foi criada em Compostela a escola Semente, que espetativas tem a AGAL neste projecto?
Valentim - Semente é umha peça fulcral do movimento galeguizador, nom apenas da estratégia luso-brasileira. O esquema do ensino promovido fora da esfera pública nom tem boa imprensa na maioria do nacionalismo galego, o que torna este projeto ainda mais nuclear. Pessoalmente, sou adepto do ensaio-erro e nada proclive aos dogmas de fé. O ensino público nom consegue garantir um ensino em galego por razons que todas sabemos. Por isso, penso que devemos apostar numha perspetiva diferente e testar.
De resto, nuns meses vou ser pai e gostava que a minha filha crescesse num ambiente onde a língua dos pais fosse umha riqueza, e isto inclui, todas a suas variantes e manifestaçons. O Galego éMundial em Semente.
DL - O português da Galiza perde falantes todos os anos, há soluçom para mudar esta tendência?
Valentim - Toda aponta a que a tendência atual de substituiçom linguística vai continuar. Qualquer observador pode contrastar a língua dos avós e dos netos para certificar isto.
Existe também, esta é a parte positiva, umha faixa da populaçom que quer que exista transmissom linguística e que quer viver na nossa língua. A aspiraçom deveria ser criar um núcleo coeso que tivesse capacidade de servir de modelo ao resto da sociedade porque se lhe abrem mais portas, som mais ricos, mais dinâmicos, mais cools (risos)...
Este núcleo deveria ter umha interaçom interna muito alta em termos associativos, de ensino, de recursos, de interesses comuns. Deveria enfim ser a catapulta para a recuperaçom social da língua para criar umha sociedade onde dominar as duas línguas, na sua máxima expressom internacional, fosse umha fortaleza e nom umha fraqueza.
Depois, este núcleo vai-se desenvolver no galego mundial, portanto, no português da Galiza. Um dos muitos pontos fracos da estratégia "oficial" é que deixa os falantes abandonados ao usos sociais do castelhano. Há que esperar a os produtos serem subvencionados quando é mais fácil, ágil e económico, pegar o que já existe e usar.
DL - Como se explica que umha língua como a galega, tendo todas as vantagens de ser umha língua internacional, tenha sérios problemas de sobrevivência enquanto que outras que partem de umha situaçom mais difícil, como o basco ou o catalám, consigam melhores resultados do que nós?
Valentim - Nom basta com ter um potencial, há que ativá-lo. Eu sou relativamente alto mas nunca me dediquei a jogar basquete.
Na Galiza aconteceu que nos primeiros anos da década de 1980 surgiram uns alfaiates anunciando que eram capazes de elaborar a melhor vestimenta para a nossa língua. Depois de ser vestida, todos eram conscientes de que nom havia tal roupa mas os alfaiates afirmavam que só os estúpidos eram incapazes de a ver, portanto a maioria nom se atreveu a abrir a boca por medo a serem chamados de bobos. Nom só, aqueles inocentes que queriam indicar a nudez da língua eram apartados e as suas vozes apagadas. Hoje nom mudou muito o esquema na esfera institucional: a língua está nua.
Todas as políticas linguísticas, e nom só, construídas na Galiza nos últimos trinta anos descansam sobre um pacto entre os representantes da estratégia autonomista (o Brasil e Portugal nom interessam) e da estratégia o-espanhol-língua-nacional-da-Espanha (o Brasil e Portugal nom interessam).
Na Catalunha (mas nom em Valência) e em Euskádi, a norma linguística da sua língua foi acordada internamente entre as entidades e pessoas que queriam torná-la língua nacional, e portanto as suas políticas linguísticas descansam sobre umha ferramenta sólida. Aqui nom foi assim, essencialmente porque a Galiza estava, e está, governada por um partido que tem um projeto nacional e linguístico diferente. Como afirma Mário Herrero, autor de Guerra de Grafias, Conflito de Elites, é difícil de entender que um galeguista acreditasse em que as instituiçons nacionais espanholas queiram realmente promover socialmente o galego e permitir que ocupasse o lugar que ocupa o castelhano.
DL - No Brasil ou em Portugal a Galiza e a literatura galegas nom existem. É mais fácil ler Pérez Reverte em Lisboa do que Rosália ou Castelao a pesar de partilharmos idioma, como pode ser? Reixa ou Miguel Anxo Prado, apesar da sua defesa do idioma, vírom-se obrigados a recorrer ao espanhol por falta de mercado, é real este problema contando com umha língua de mais de 200 milhons de falantes?
Valentim - Para existir a nível mundial é preciso ter um estado no mapa-múndi. Caso nom se tenha, ter umha seleçom de râguebi também dá jeito e se os homens usarem saias o êxito está garantido. Outra hipótese é ser umha minoria nacional utente de umha língua internacional, caso do Quebeque ou a Flandres. Nós somos bastante invisíveis mas a nossa invisibilidade nasce de umha política linguística que esconde o Brasil, Portugal ou Angola. Podíamos fazer umha petiçom à RAG para que estudem a hipótese das saias (risos).
DL - A nossa língua recebe na Galiza, maioritária e oficialmente, o nome de galego, porém, em ambientes de defesa do idioma é comum também o nome de galego-português ou simplesmente de português, qual achas tu o nome mais acaído?
Valentim - Há dous factos sobre a mesa. Quando duas variantes som a mesma língua recebem o mesmo nome. A língua do Brasil e dos EUA é o português e o inglês respetivamente apesar do tamanho e o peso internacional dos respetivos países. O segundo facto é que o uso de "português da Galiza" nom está sociabilizado e causa rejeiçom. 30 anos remando na direçom oposta nom facilitam a difusom, é evidente.
Assim sendo, haveria que aplicar umha estratégia. As estratégias nom nascem apenas de análises como também de atitudes. Particularmente advogo polo pedagogia e a gradualidade. Optaria por alternar várias denominaçons: galego, galego-português, português da Galiza, português e proporia alguns jogos, por exemplo chamar-lhe de X e dizer que existe um Xgz, um Xbr, um Xpt ou propor ao receptor que manifeste o seu agrado perante frases como: "O Brasil fala galego", "Brasil e Portugal compartilham umha língua" e "na Galiza falamos português". O interessante é que se as duas primeiras causam simpatia ou adesom mas a terceira nem tanto, quando na verdade, é umha consequência delas. Enfim, se A=B, e B=C... A=C. Brincar costuma ser umha forma eficaz de contornar os muros mas, insisto, é umha questom de atitude.
DL - Em que situaçom está hoje a defesa da unidade lingüística galego-portuguesa? Onde avançamos e onde recuamos? Achas que as teses reintegracionistas som hoje maioritárias entre os defensores do idioma?
Valentim - Creio que está no seu melhor momento mas ainda estamos longe de conseguir que a unidade da língua seja umha ideia socialmente hegemónica. As chaves do nosso avanço som a própria madurez do movimento com um enriquecimento das formas de difusom e atitudes mais divulgadoras. Cada vez é mais difícil encerrar-nos um estereótipo e invisibilizar-nos. A Internet tem sido um aliado fulcral permitindo o acesso da cidadania a recursos variados: filmes, informaçom, música...
Entre os defensores do idioma está-se a dar umha maior permeabilidade à nossa estratégia e visom. Experiências como os Ops e agora os Cacimbo, ateliê dado pola cantora angolana Aline Frazão, assim o revelam mas em geral aprecia-se umha simpatia e umha receptividade, nas geraçons mais novas, por um esquema que inclui os países lusófonos ao lado do galego. Os muros vam deixando espaço às janelas.
Depois, a emergência do Brasil e a sua presença cada vez maior, pensemos no Mundial 2014 e as Olimpíadas 2016, vai permitir (já o está a fazer) que setores que nom dam valor à nossa língua, mudem o esquema. Temos que facilitar essa consciência.
DL - Com a perspetiva que dam os anos, como avalias a normativa do galego saída de 2003, fruto do acordo entre isolacionistas e um setor reintegracionista que decidiu assumir a grafia do castelhano para o nosso idioma?
Valentim - Na verdade, esse sector já utilizava a ortografia dos castelhano antes de 2003. Em termos de recursos, manter umha norma, os chamados mínimos reintegracionistas, sem o apoio institucional era impossível. A vitória "política" do ILG e da RAG em 1982 fechara a hipótese de que esse via pudesse progredir.
DL - Existe algumha contradiçom em defender o caráter internacional da nossa língua e à vez defender as línguas minoritárias e minorizadas como o basco, o astur-leonês, o ocitano ou o catalám, só por citar algumhas das faladas em território sob domínio espanhol?
Valentim - Nom vejo por quê. O que sim é interessante é o tema das categorias. Explico-me. Há um tipo de atitude mítica em que umha língua, quanto mais fraca e isolada estiver, causa mais exaltaçom. Até aqui tudo bem desde que nom se associe o português da Galiza nessa categoria. Penso que nos devemos espelhar mais em contextos de línguas pluricêntricas, por exemplo o castelhano de Porto Rico, o francês do Quebeque ou o neerlandês da Flandres e observar as redes que estabelecem com o resto das variantes, com todo o sistema linguístico, para reforçar a sua situaçom social. Estar numha ou noutra categoria nom é indiferente, reflete de facto umha atitude, e as atitudes som importantes.