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Abin: a necessária ruptura

150811-ABINBrasil - Blog do Lucas Figueiredo - [Lucas Figueiredo] Em meu livro Ministério do Silêncio – A história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula (1927-2005), conto a história de um militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) aprovado, na virada de 1994 para 1995, no primeiro concurso público para agente do serviço secreto – que na época respondia pela sigla SSI (Subsecretaria de Inteligência), hoje Abin (Agência Brasileira de Inteligência).


Escrevi:

"No caso do tal sujeito de Recife ligado ao PCB, ele foi encostado numa função burocrática de um setor mais burocrático ainda. Considerado suspeito de ser um espião a serviço dos comunistas, nunca teve acesso a documentos e missões importantes. Assim, tecnicamente, a SSI cumpriu sua palavra de não fazer triagem ideológica dos candidatos. Mas também não deixou de tomar suas precauções".

Descubro agora, seis anos depois, a identidade daquele personagem sem nome. Ele se chama Roberto Numeriano, um profícuo doutor em ciências políticas, especialista em.... serviços de inteligências.

Como vocês verão no artigo abaixo, escrito por Numeriano para o blog, ele tem muito a contribuir para a reformulação do serviço secreto brasileiro. Com a palavra, Roberto Numeriano, Oficial de Inteligência da Abin,mestre e doutor em Ciência Política (UFPE), além de membro do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade da Universidade Federal de Pernambuco (NICC / UFPE). Publicou o livro "Serviços Secretos: A Sobrevivência dos Legados Autoritários".Também é colunista do Diário Liberdade.

Agência Brasileira de Inteligência: a necessária ruptura

Por Roberto Numeriano

A decisão do senador Fernando Collor, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), em abrir uma discussão parlamentar, acadêmica e social sobre a atividade de Inteligência poderá significar, neste início de legislatura e de governo, a possibilidade de conhecer, com isenção e sem preconceitos, uma área do poder estatal sobre a qual pairam críticas quanto à efetividade do seu trabalho, bem como dúvidas a respeito dos meios e métodos de controle e fiscalização dos seus agentes e órgãos.

Esta discussão é fundamental para iniciar a ruptura com legados político-institucionais que ainda bloqueiam a legitimação da Inteligência civil brasileira. Tais legados subsistem politicamente, com efeitos sobre: a) o grau de confiança inter-institucional (a Abin em relação a outros órgãos, a exemplo da Polícia Federal); b) a coesão e unidade de ação entre os órgãos da área para fazer cumprir as diretrizes de Inteligência (o Sistema Brasileiro de Inteligência não funciona sistemicamente); c) a credibilidade da sociedade civil no órgão (são constantes as críticas dos formadores de opinião sobre a necessidade de um serviço de Inteligência); d) a eficácia do trabalho operacional e de análise; e) a disposição dos quadros de Estado em demandar a agência como potencial formuladora estratégica na área de segurança e defesa; e f) a existência de conflitos internos. Sem dúvida, a Abin padece desses problemas em maior ou menor grau, com graves prejuízos no desempenho de sua missão constitucional.

A Abin, criada em 1999, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, tem como missão institucional prover o Executivo federal de conhecimentos na forma de relatórios de Inteligência, para ajudá-lo, entre outras tarefas, na execução das políticas de segurança e defesa do Estado e da sociedade.

A agência brasileira ocupa-se do campo interno e externo. No campo interno, dedica-se a temas diversos, tais como o acompanhamento da criminalidade organizada e de movimentos sociais (a exemplo do MST). No campo externo, busca coletar, analisar e disseminar conhecimentos para prevenir a ação adversa de estrangeiros e/ou instituições contra alvos em território brasileiro, na forma de atos de sabotagem e terrorismo.

Mas a Abin sofre uma crise de identidade, efeito daqueles legados. Carece, em primeiro lugar, de legitimidade que somente a opinião pública, o Congresso Nacional, o mundo acadêmico e a comunidade de Inteligência podem conferir. Carece, também, de uma efetiva civilianização, dado que certas crenças, culturas e comportamentos permanecem inspiradas numa doutrina de corte militar, como nos tempos do Serviço Nacional de Informações (SNI).

A crise pode ser caracterizada como um impasse entre uma mentalidade típica de Inteligência como polícia política, e uma visão democrática da Inteligência sob um Estado de direito democrático. De fato, a Abin ainda vive sua transição político-institucional. Essa transição, internamente à agência, provocou o surgimento de grupos que disputam a hegemonia na instituição, todos em busca de um consenso que possa legitimá-los.

A crise de identidade requer uma resposta. Mas, para compor uma agenda da Inteligência de Estado, é necessário uma ruptura institucional com aquelas crenças, mentalidades e costumes contaminados pelo espírito da Doutrina de Segurança Nacional. É preciso civilianizar a Abin, ou seja, torná-la, de fato e de direito, um órgão de Inteligência civil. Civilianizar a atividade significa a) tornar efetivos os mecanismos de controle e fiscalização, internos e externos; b) constitucionalizar a atividade mediante uma emenda que estabeleça as competências da atividade; c) renovar os quadros de direção; d) extinguir da agência (órgão civil) símbolos e práticas de natureza militar; e) expurgar da Doutrina de Inteligência os ecos / legados autoritários e, ao mesmo tempo, f) sair da tutela do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

A agenda requer um debate extenso e profundo, do qual não pode se furtar a sociedade. É pacífico que todos os Estados necessitam de serviços de Inteligência. Embora pareça um paradoxo, são justamente os Estados de democracia consolidada que precisam manter órgãos de prevenção e repressão aos crimes, em face de sua maior vulnerabilidade à ação adversa de grupos contrários ao Estado de direito. Para legitimar-se institucionalmente (debelando estigmas e preconceitos), a Abin, que tem uma missão fundamental e nobre na defesa estatal e da sociedade, precisa fazer a ruptura democrática diante dos velhos legados e impasses.

Lucas Figueiredo é jornalista e escritor. Recebeu os prêmios Esso (2007, 2005 e 2004), Jabuti (2010), Vladimir Herzog (2009 e 2005) entre outros. Além de Ministério do silêncio – a história do serviço secreto de Washington Luís a Lula (1927-2005) é autor de mais outros 4 livros.


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