Números
Em Portugal, como em toda a União Europeia, o número de pessoas que são alvo de expulsão imediata ou quase imediata (sem entrada no território) é impressionante. (estatísticas em anexo) Todos os anos este número passa desapercebido porque não se conhecem os milhares de histórias que estão por detrás de cada cifra.
Para a realidade de hoje, que importância têm as expulsões em aeroportos? A imagem dos corpos de africanos mortos no mar antes de chegar à fortaleza Europa tornou-se tão banal que os interrogatórios e expulsões diárias em aeroportos parecem um assunto leve.
No entanto, beneficiando da nossa indiferença, milhares de cidadãos são interrogados todos os dias à saída dos aviões. Centenas deles são recambiados para os seus países de origem. Não são criminosos; não são traficantes; a maioria têm documentos e visto de entrada. São pessoas que pagaram passagens aéreas, cujo valor representa meses de trabalho, e que por vezes são tratadas de forma violenta.
Interrogatórios
O objectivo dos interrogatórios policiais nos aeroportos é levar os viajantes munidos de um visto de turismo a admitir a possibilidade de um eventual interesse em vir a trabalhar no país. Por exemplo, em Portugal durante muitos anos foi normal que o interrogador atirasse pistas do tipo: «Sabe, agora há uma nova lei de legalização de estrangeiros, e é possível o senhor / a senhora conseguir trabalho aqui. Não tem qualquer interesse nisso?» O interrogador apresentava-se quase como um amigo, ou conselheiro. No caso de angolanos e brasileiros ingénuos, que não eram peremptórios ao negar um eventual interesse em trabalhar na Europa, eram imediatamente colocados de volta num voo de regresso, com o argumento de que teriam de pedir um visto de trabalho no seu país. Mas muitas vezes não era necessário um grande interrogatório, nem pseudo-confissões. A presunção ou os preconceitos da polícia eram suficientes. Pouco importava os familiares que estavam à espera no aeroporto. Pouco importava os viajantes que tivessem um visto de turismo válido. Pouco importava que durante anos tivessem acumulado dinheiro para fazer esta viagem.
Existe uma falta de transparência no procedimento das polícias em imensas situações. Em Portugal não existe forma alguma da sociedade civil ter conhecimento real acerca da maioria dos procedimentos policiais. Nas zonas aeroportuárias é explicitamente proibida a presença de advogados, associações de protecção de imigrantes, jornalistas. Em outros países da UE, como a França, essa impunidade da polícia já não existe. A presença regular de associações em locais de interrogatório é autorizada e os relatórios de denúncia são constantes.
Exemplos e recolha de testemunhos
O Filme Viagem a Portugal escolhe deliberadamente uma história sem especial gravidade – água de rosas comparada com o drama de pessoas com vidas muito mais difíceis, para quem a experiência de interrogatório e expulsão terá sido muito mais traumática. Também não foca as pessoas assassinadas ou feridas pela polícia nos aeroportos do primeiro mundo (Bélgica, França, Canadá, Estados Unidos, etc). Também não foca a falta de condições das prisões aeroportuárias (assunto tratado pela imprensa portuguesa em 2005). O objectivo é mostrar que, mesmo numa situação relativamente amena, todo este processo não está isento de preconceitos de raça, de aparência, de género, de sexualidade. E que, mesmo os casos mais leves são muito amargos.
Estratégias Governamentais
Passados 15 anos sobre o início da vaga migratória para Portugal, é hoje claro que os governantes não souberam aproveitar e gerir de forma inteligente para o país um «brain drain» involuntário, que lhes caiu do céu. Portugal recebeu num breve período milhares de pessoas muito bem formadas em áreas específicas e desperdiçou grande parte desse capital humano, criando obstáculos pouco inteligentes. O caso da medicina é particularmente gritante. Portugal foi um país de tal forma mal administrado nas últimas duas décadas que não formou médicos em quantidade suficiente. Hoje o número de médicos não chega para satisfazer as necessidades da população e, em contrapartida, importam-se médicos colombianos. No entanto, centenas de médicos do Leste Europeu que teriam tido interesse em exercer medicina em Portugal desde meados nos anos 90 não tiveram a vida facilitada.
O filme Viagem a Portugal
O novo filme de Sérgio Tréfault "Viagem a Portugal" traz uma luz sobre a minúscula ponta de um iceberg: o facto de as ocorrências diárias da polícia serem remetidas para o silêncio das estatísticas.
Maria, uma médica ucraniana, aterra no aeroporto de Faro, em Portugal, com um visto de turismo. Entre todos os passageiros do seu avião, Maria é a única a ser detida e interrogada pela polícia de estrangeiros e fronteiras. A situação transforma-se num pesadelo quando a polícia percebe que o homem que espera Maria no aeroporto é senegalês. Imigração ilegal? Tráfico humano? Tudo é possível. Viagem a Portugal é um filme inspirado numa história real.
Recusas de entrada a viajantes em alguns países europeus
FONTE: RELATÓRIOS ANUAIS DA EUROPEAN MIGRATION NETWORK (EMN) E EUROPA-PRESS
2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | |
França | 33.232 | 35.921 | 34.127 | 26.593 | 16.524 | |
Espanha * | 17.408 | 12.000 | 9.215 | |||
Itália | 24.528 | 19.336 | 20.267 | 9.394 | ||
Reino Unido | 39.020 | 30.010 | 29.945 | 28.140 | 32.365 | 29.160 |
Portugal | 4.327 | 4.146 | 3.598 | 3.963 | 3 598 | 2.564 |
* Só no aeroporto de Madrid-Barajas.
Com informações do site do filme "Viagem a Portugal"
Foto: Viagem a Portugal - Um fotograma do filme.