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Reativar o conflito lingüístico ou morrer em silêncio

Maurício Castro

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Enquanto há força

Reativar o conflito lingüístico ou morrer em silêncio

Maurício Castro - Publicado: Terça, 03 Mai 2011 15:50

Maurício Castro

Durante a última parte do período bipartido PSOE-BNG à frente da Junta da Galiza, que se prolongou até março de 2009, a direita espanhola agitou as suas forças sociais, económicas e mediáticas para fazer do ataque ao idioma da Galiza um ponto central na estratégia de acesso ao poder institucional.


A fantasmal ‘Galicia Bilingüe’ nas ruas, grupos empresariais como o Club Financiero Vigo e aparelhos mediáticos da importáncia de ‘La Voz de Galicia’, no campo informativo, articulárom junto ao PP, este no ámbito institucional, umha frente que, de maneira clara, optou por dar forma à crescente maioria da populaçom galega já única ou maioritariamente espanholfalante.

Essa mudança de rumo da direita espanhola supujo umha viragem de importáncia histórica que, como temos indicado noutras ocasions, partiu de umha atualizaçom analítica sobre a realidade social do País, que no último meio século tem perdido mais falantes de galego do que nunca antes em toda a história anterior, ao ponto de transformar dramaticamente a mais importante caraterística da nossa nacionalidade. Se até esse momento tinha apostado em medidas compensatórias aparentemente igualitaristas -o bem conhecido discurso do ‘bilingüismo harmónico’-, a burguesia galega politicamente representada polo Partido Popular chegou à conclusom de que já nom era necessário continuar a bater na mesma tecla. Havia -há- condiçons para tentar o assalto final na extorsom histórica que a comunidade lingüística galega padece por parte de Espanha.

Partimos da premissa, achamos que objetivamente demonstrável, de que essa mudança responde a umha decisom política tomada de maneira fria e calculista, em funçom de objetivos também políticos, condicionados pola nova configuraçom humana da direçom do Partido Popular e doutros organismos de atuaçom social da direita espanhola presente na Galiza. Se até há uns anos existia um setor significativo dessa direita galego-espanhola instalada entre o galego e o espanhol, tolerante com a presença social subordinada de um idioma diferente do verdadeiramente difinitório das instituiçons, hoje esse segmento dirigente é residual, representado unicamente por umha parte do PP ourensano, com o presidente da Deputaçom, José Luís Baltar, à cabeça. A hegemonia política corresponde hoje aos que, diretamente, querem extirpar o galego do nosso corpo social, para integrar a Galiza na Espanha definitivamente.

Basta dar umha vista de olhos à composiçom do atual governo autónomo, ou às direçons do Partido Popular em qualquer concelho de tamanho médio ou grande na Galiza, para verificar a mudança operada, com umha dirigência totalmente identificada com o ideal espanhol dos manuais FAES ou os canais televisivos de referência, Intereconomia e similares, que orientam a ideologia neocon e etnicista espanhola.

Claro que o PP nom é todo na explicaçom do momento atual. A grande burguesia económica que o alimenta, financeira e industrial, nom dá margem para qualquer veleidade “galeguista”, ao contrário do que acontecia há só umha década atrás. Reconheçamos que o BNG o tentou -lembramos as fotos de Beiras e Nogueira com Amancio Ortega, e mais recentemente as de Quintana no iate de Jacinto Rei-, mas a burguesia dominante na Galiza demonstrou que tem clara a sua vocaçom espanhola.

Assim, depois de 30 anos de políticas estrepitosamente falidas para o cumprimento dos supostos 50% que a institucionalidade espanhola marcou como quadro para o “convívio” entre o espanhol e o galego na Galiza, o espanhol passou a ocupar já a maioria social nos espaços urbanos e nas geraçons jovens galegas. É verdade que o fenómeno vinha produzindo-se desde havia bastantes décadas, mas a aceleraçom da ruptura, hoje quase total, da transmissom intergeracional da língua do País foi o principal fruto do autonomismo em termos sociolingüísticos. O discurso “amável” e as campanhas “sentimentais”, junto a um estrito e radical isolacionismo em relaçom ao campo lusófono que poderia reforçar o nosso processo normalizador, mantivérom intactos os poderosos mecanismos económicos, institucionais e sociais que fam do espanhol umha aspiraçom inquestionável para quem quiger ter umha “vida plena” numha Galiza mutilada e atrelada ao projeto nacional espanhol.

Tal como o capitalismo predatório admite e mesmo promove entre a populaçom discursos de conciliaçom com o respeito ao meio natural e aos valores “verdes”, permitindo quem assim quiger viver em permanente penitência individual para fazer efetiva a dívida impagável com o planeta, também as instituiçons permitem que qualquer galego poda manter-se no galego de maneira teimosa e consciente, sabendo que isso nom vai variar as grandes tendências macrossociais que favorecem a imposiçom do espanhol. Na verdade, nem sequer é possível, como sabemos, viver individualmente em galego a tempo completo: o espanhol está sempre aí, para qualquer gestom, atividade de lazer, no mundo do trabalho…. lembrando-nos que somos nós os “esquisitos”, ao teimarmos com o uso de umha língua ‘cooficial’ forçada ao padecimento de um défice funcional permanente.

Do extremismo nas ruas à nova -e letal- política lingüística

A vitória eleitoral abriu o caminho para que o programa agitado polos amigos do PP, de UPyD e da Falange na última etapa do bipartido pudesse presidir a nova política lingüística dos Núñez Feijó, Roberto Varela e Jesus Vasques Abade. A comparaçom com qualquer executivo Fraga da década de 90 dá para comprovar o salto qualitativo a que vimos fazendo referência nestas linhas. Da toleráncia para com o galego como elemento folclórico, considerado e financiado com paternalismo, passou-se aos ataques diretos (”a cultura galega limita”), à supressom de avanços concretos no mundo da administraçom, do ensino e do comércio, e à arquitectura de um novo status que passa polo fomento inclusive económico e com fundos públicos galegos do espanhol como única língua viável na sociedade galega.

A mudança quantitativa em termos demográficos -nova maioria urbana espanholfalante- é fundamental na etapa atual e deveria servir para abrir os olhos a quem ainda abriga algumha esperança na boa vontade do espanholismo frente à precária existência da comunidade nacional galega. Aginha que o avaliárom como possível, passárom à ofensiva institucional nom só contra o “radicalismo nacionalista”, mas também contra o bilingüismo harmónico fraguiano, contra a cooficialidade (mesmo que fosse subalterna) e, em definitivo, contra o próprio espírito autonomista que alimentava o chamado “consenso autonómico”.

Assim, nestes momentos, o coletivo ultra ‘Galicia Bilingüe’, em cujas manifestaçons participárom significados dirigentes do PP até antes de 1 de março de 2009, perdeu força e entretém-se gastando os subsídios que, isso sim, recebe das instituiçons em maos do PP, mas o seu programa de máximos está a ser aplicado de maneira planificada polo executivo presidido por Feijó.

De facto, e contrariamente ao que dantes faziam os supostos defensores do galego nas instituiçons públicas, agora sim, o Partido Popular está a aplicar um critério perfeitamente transversal à sua política lingüística, atravessando desde o panorama mediático (crescente presença do espanhol na rádio e televisom públicas), até o acesso à Funçom Pública (supressom dos requerimentos quanto a domínio do galego para o acesso), a legislaçom educativa (primeiro o novo Decreto espanholizador, agora a iminente Lei de Convivência, que dará forma legal à até hoje alegal ‘consulta aos pais’ para suprimir o galego dos currículos escolares), passando pola reforma da Lei do comércio, para eliminar qualquer referência aos direitos lingüísticos dos clientes galegofalantes. O setor audiovisual, o editorial, o desportivo, o económico, a teimosa negaçom do mundo lusófono e do ensino do português… em todos os ámbitos é verificável umha sistemática aposta institucional na “volta às essências” de um espanholismo indissimulado, que joga com duas vantagens que nunca antes tinha desfrutado

    * A favorável evoluçom demolingüística que, precisamente como conseqüência das políticas autonómicas, conduziu o galego à condiçom de língua quase-minoritária.
    * A degeneraçom do projeto sociopolítico que durante os últimos anos do franquismo e na etapa imediatamente posterior conseguiu aglutinar um setor significativo da sociedade galega em defesa da língua própria deste país.

Sem oposiçom à extorsom lingüística que o nosso povo padece

A confluência dos dous fatores citados criou um contexto idóneo para a ofensiva em curso. Se bem nom existe um sentimento social maioritário contra o galego, a simpatia nom passa de umha identificaçom superficial, faltando umha resistência ativa à imposiçom crua e nua do espanhol realmente existente. A oposiçom dirigida polo BNG (principalmente a UPG) através sobretodo da Mesa pola Normalización Lingüística (mediante a plataforma Queremos Galego) representa bem essa oposiçom mole. Conseguiu levar à rua dezenas de milhares de galegos e galegas contra a nova política lingüística, em sucessivas e maciças manifestaçons, para depois regressar ordeiramente à casa, em funçom de cálculos partidistas da organizaçom política que dirigiu essa exemplar movimentaçom. A política lingüística nom passa, para a oposiçom autonomista, de mais um ponto no programa eleitoral, submetido aos interesses da política-espetáculo em cada contexto concreto, como arma de arremesso contra o governo e sacrificável em benefício dos “interesses superiores” da boa vida no interior das instituiçons espanholas.

Nom esqueçamos que tanto o BNG como o PSOE nom só já governárom a instituiçom autonómica, evitando aplicar umha política lingüística efetivamente normalizadora, como continuam a fazê-lo em instituiçons importantes, como a Deputaçom da Corunha ou as duas principais cámaras municipais do País (Corunha e Vigo), assim como noutros concelhos de tamanho médio, sem que exista qualquer rasto de programa alternativo para a regaleguizaçom efetiva da sociedade galega. Sofremos, como povo, umha extorsom permanente contra a nossa identidade lingüística, sem que existam agentes políticos e sociais dipostos a fazer frente a essa extorsom com a mesma firmeza que o espanholismo demonstra na hora de extorquir-nos.

Deveremos incluir nesta crítica, que pretende ser realista, a evidente falta de unidade entre as forças mais à esquerda e supostamente mais comprometidas com o idioma. Sectarismos e personalismos parecem pesar mais do que um imprescindível patriotismo ao serviço da defesa da língua.

Isso, junto a umha escassa visom de País num tema fulcral como este, leva a que também no espaço soberanista de esquerda se reproduzam escaramuças partidistas que demonstram umha instrumentalizaçom do idioma, atacando-se as pequenas bases para a unidade quando se produzem alguns avanços nessa direçom.

Nom há dúvida de que o inimigo espanhol, sustentado polos seus servidores nativos, a burguesia galego-espanhola, é forte e difícil de combater. Isso explica a desistência nom só do que foi o chamado “nacionalismo nacional-popular galego”, consumada entre as décadas de oitenta e noventa, e que na atualidade tem mesmo expressons abertamente bilingüistas nos seio do BNG. A tentativa foi, vista a dificuldade de vencer, polo menos convencer os nossos inimigos para que nos deixem existir. É evidente que o resultado pode ter sido positivo para o acomodamento económico e social da dirigência daquele digno movimento de resistência, mas dificilmente poderia ter sido mais nefasto para a causa da língua e da emancipaçom nacional galega.

Porém, a maior dificuldade nom é vencer o inimigo. Citando Sun Tzu, nom é possível vencer o inimigo sem antes vencer-se a si próprio. É isso que demonstram as forças normalizadoras: umha total incapacidade para se articularem conjuntamente, numha frente comum pola língua que ultrapasse os estreitos interesses de cada sigla. Só assim poderíamos aspirar a aglutinar e transformar a simpática passividade que a maioria social demonstra em relaçom à língua numha estratégia de conquista dos mecanismos sociais de poder lingüístico, única esperança para garantirmos um futuro ao idioma dos nossos antepassados.

Nom é tarde. Existe ainda suficiente potencial no nosso povo para dar umha batalha em que está em jogo a nossa sobrevivência coletiva. Sem língua, nom seremos mais que umha má cópia provincial dos conquistadores espanhóis, umha regiom carente de orgulho e auto-estima, incapaz de defender cada um dos direitos coletivos que nos assistem como povo. A língua representa todo isso e, perdendo a língua, perderemos, um após outro, os restantes traços identificadores da nossa identidade, que tanto tem contribuído para a riqueza cultural e social da humanidade neste humilde canto do planeta. Sem língua, estaremos condenados à morte como formaçom social diferenciada, no silêncio da nossa vergonha por termos renunciado ao nosso maior tesouro coletivo: a nossa língua.

Só se recuperarmos a língua mereceremos ser chamados no futuro, com orgulho e o olhar alto, de galegos e galegas. Daremo-lo feito?


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