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Raquel Miragaia: ''O público leitor galego tem cada vez menos preconceitos com o reintegracionismo''

raquel05Galiza - Diário Liberdade - Bem conhecida na Galiza literária desde a publicaçom do seu Diário Comboio, em 2002, é representante de umha nova geraçom de escritores e escritoras reintegracionistas. 


Olhando a nossa literatura para além da cultura institucional, subsidiada e "auto-anémica", Raquel mostra-se optimista empenhada em nom desaproveitar todo o que a lusofonia tem para oferecer na recuperaçom lingüística e literária da Galiza. Oferecemos a seguir a entrevista mantida recentemente polo Diário Liberdade com a autora da Terra Chá.

Diário Liberdade - Raquel Miragaia viveu os primeiros anos da sua vida em Tardade, umha aldeinha da Terra Chá, e desde os 17 anos na cidade capital histórica da lusofonia, a cosmopolita Compostela, como se refletem estes dous espaços tam distintos na sua obra?

Raquel Miragaia - Em Tardade morei até os 17 anos, mas continuo a ter vínculos com a minha aldeia até hoje. Essa vivência reflete-se nom só na minha literatura mas também na vida, acho que passar a infância na aldeia e ter sempre essa referência é uma marca que fica para sempre (polo menos eu espero que fique). Eu noto-o sobretodo no ritmo, noutra maneira de viver o tempo que eu chamo de tempo-Tardade, porque o nome da aldeia ajuda a fazer muitas brincadeiras :-), esse contato contínuo com a natureza fai com que sempre tenha muita importáncia a estaçom em que vives, as horas de luz, o clima, fai com que tenhas que esperar a que a natureza dê licença para fazer as cousas... Esse é a influência maior, suponho que na forma de escrever também se nota, preciso muito tempo para repousar as cousas. Além disso, o tipo de relaçons entre as pessoas, o silêncio, a calma mental, todo isso que cada vez vou perdendo mais, ainda fai parte de mim e da minha forma de escrever.

Quanto a Compostela, eu acho que tem menor influência profunda, foi muito importante porque se pode dizer que me figem como pessoa aqui, mas também tem a ver mais com as pessoas que conhecim e todo o que aprendim delas que com a cidade mesma. Quando cheguei foi como umha revelaçom existencial, por contraste com a aldeia, era como o paraíso. O tempo colocou todo na sua medida, e Compostela segue a ser umha cidade maravilhosa com muita gente de quem aprender.

raquel01DL - Quais consideras as tuas principais influências literárias?

Raquel Miragaia - Esta é a típica pergunta que é muito difícil de responder. Há muitas vezes que pessoas que leem os meus livros dim que lhes lembra esta autora ou aquele outro. Mas eu nom consigo ter essa distáncia com o meu próprio repertório. Em geral, sou muito afim com a literatura que se fai na América Latina, tanto em espanhol como em português, e certa literatura africana lusófona. Por colocar algum nome: Julio Cortázar, Borges, Guimarães Rosa, Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Pepetela... Também doutras literaturas ocidentais como Kafka, Carson McCullers, Virginia Woolf, Pessoa, Rilke... É difícil cortar, faria uma lista imensa, tam é assim que o meu alunado de literatura sempre se ri de mim porque repito sobre muitas diferentes obras que som de autores ou autoras maravilhosas! Mas daí a dizer que som as minhas influências literárias há distáncia, essas leituras som as que me marcárom e ainda continuam a fazê-lo, o que leio e releio com fruiçom e permanece na minha memória, o que gostaria que influísse em mim.

DL - Para além da literatura, que outras manifestaçons marcárom a tua obra?

Raquel Miragaia - A mais importante a vida, nom é? Sempre é a experiência vital o que mais marca, e a magia, o mundo das casualidades que nom som tal, ou polo menos eu acredito nisso. Manifestaçons culturais acho que todas, desde as tradiçons e rituais em torno das colheitas, a dança, a festa, a morte... até a música, o cinema -acho que em grande medida polo que tem de narraçom- ou a pintura.

DL - Qual crês que pudo ser o interesse dos leitores por Diário Comboio, publicaçom que atingiu umha meritória segunda ediçom apesar do boicote institucional?

Raquel Miragaia - Realmente nom fago ideia, mas eu nom falaria de boicote institucional no sentido das instituiçons galegas nom apoiarem o escrito em norma reintegrada. Eu acho que o problema é muito maior do que isso e muito mais extenso; e tem a ver com um excesso de mercantilizaçom das cousas, falta de perspetiva do público, excesso de informaçom e dificuldade para ter critério. Mas nom colocaria a questom nesses termos.

O Diário Comboio foi um fenómeno estranho dentro de um sistema literário pequeno como o galego, e mais sendo escrito na norma que está. Mas numha medida tam pequena que quase dá vergonha falar. Foi interessante porque recebim muita informaçom de pessoas que o lêrom e que gostárom e tinham vontade de falar disso, foi muito bom.

DL - Que obras salientarias da literatura galega, do resto de literaturas lusófonas e da literatura universal?

Raquel Miragaia - Da literatura galega, qualquer umha de Cunqueiro, a Escola de mencinheiros por exemplo, o Folhas Novas de Rosalia, ou os poemas de Manuel António. Das literaturas lusófonas, o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, qualquer compilaçom de contos de Machado de Assis, Lueji de Pepetela e os sonetos de Vinícius de Moraes. E da literatura universal, o Orlando de Virginia Woolf, todo Borges, Rayuela de Julio Cortázar (ou todo Cortázar), A balada do café triste de Carson McCullers e o Édipo Rei de Sófocles. Enfim, foi o que me ocorreu agora assim de repente, mas com certeza que poderia continuar a lista.

DL - De quais dos teus livros te sentes mais orgulhosa?

Raquel Miragaia - Nom sei. Respondem a momentos vitais, a objetivos e conteúdos diferentes. De todos me sinto orgulhosa e de todos mudaria cousas. Espero polos seguintes para responder a esta pergunta.

raquel03DL - Que papel tem o cinema na literatura atual? Quais os teus realizadores e filmes favoritos?

O cinema tivo mais influência no século XX, em que a narrativa começou a tomar técnicas do cinema como o multiperspetivismo ou os saltos temporais. Ou talvez seja melhor dizer que às técnicas narrativas usadas entom dérom-lhes nomes das técnicas cinematográficas.

Mas hoje já é uma influência totalmente assumida e integrada na literatura. Hoje, a influência maior na literatura e no resto das artes é a rapidez, a imediatez das novas tecnologias, fundamentalmente Internet. Parece que todo se tem que fazer muito rápido e para consumir muito rápido. Por isso, a arte cada vez tende a ser menos reflexiva, os textos nom podem ser longos ou demasiado poéticos, nem sequer um pouco "herméticos" se nom tenhem um vínculo a outro texto que esclareça os lugares de indefiniçom, tende-se à quantidade como valor, muita informaçom nem sempre é bom, mas a tendência é a acumular. Sinto que esta influência ainda está por integrar, ainda estamos no momento de fascinaçom do meio e falta tempo para que isso nom seja tam evidente.

O meu realizador favorito é Billy Wilder, acho os seus roteiros tam bem feitos e os diálogos dos seus filmes tam inteligentes que há alguns que devo ter visto até cinco vezes ou mais. Dos contemporáneos, gosto muito de Ken Loach, ou dessa estética um pouco maluca de Emir Kusturica. Um realizador para mim fundamental é Eduardo Coutinho, todos os filmes que vim dele fôrom muito surpreendentes, tanto polo original da apresentaçom como pola carga de profundidade dos conteúdos, e sempre desde a singeleza.

DL - Achas que o sistema literário galego nom está à altura das circunstáncias quanto à sua aposta no galego-castelhano em troca de o galego-português?

Raquel Miragaia - Falar em sistema literário galego talvez seja já em si mesmo nom estar à altura das circunstáncias. Do momento em que acredito que o galego é português, o sistema literário onde deveria inserir-se a literatura escrita em galego é o sistema literário lusófono. Mas também o sistema literário nom é um ente ou uma pessoa de quem se poda dizer que está à altura ou nom. E nom sei muito bem que parte do sistema seria a que deve mudar essa perspetiva, há muitas componentes aí para modificar: estám as editoras, estám os críticos literários e as revistas especializadas (ainda que nom temos demasiadas na Galiza), está o ensino que seria uma peça fundamental do sistema. Mas eu conformava-me com começar polas editoriais e a crítica, conseguir que a escolha normativa nom fosse um obstáculo a priori e que realmente se valorizasse a qualidade da obra, além da norma.

DL - Sodes poucos os escritores e escritoras que apostades na grafia histórica do galego, achas que a cousa começa a mudar ou continua na mesma?

Raquel Miragaia - Nom sei se tenho uma visom positiva porque preciso de ter ou porque é real, mas eu acho que cada vez há menos preconceito para usar a grafia histórica. Muita gente nova começa a escrever com esta grafia e mesmo escritores como Séchu Sende que começárom publicando em galego-castelhano e acabou mudando para esta grafia. Também acho muito importante e muito positivo todas as pessoas que, sem usarem esta grafia, nom tenhem preconceito como público, como leitores, e aí sim creio que está melhorando.

DL - Ser escritora na Galiza dá para comer ou apenas para que te convidem a algum petisco?

Raquel Miragaia - Isso vás ter que o perguntar a algumha escritora a sério! Ainda que desse para comer, no meu caso seria impossível porque a minha produçom é tam pequena que nom entraria nesse campo profissional. Mas creio que é impossível mesmo para as pessoas que escrevem com mais regularidade do que eu. Na Galiza e em qualquer outro lugar, se nom fores do espetáculo (anjos e demónios, vampiros, etc) ou nom escreveres na imprensa, tés que buscar outra alternativa para pagar faturas.

raquel6DL - As estatísticas dim que hoje quase nom se lê, como professora, achas que a gente nova lê pouco?

Raquel Miragaia - Nom, talvez porque dou aulas num lugar tranqüilo, nom muito grande, e tenha sorte com o alunado, mas nom creio que se leia menos que quando eu tinha 15 anos. Na minha adolescência tinha a mesma sensaçom de bicho raro que tenhem agora os adolescentes que gostam de ler. Tampouco se lia tanto. Às vezes deveríamos perguntar-nos se é que os adultos leem. Porque parece que todos os males estám na mocidade e eu conheço muitas pessoas adultas que nom leem demasiado igual que os novos e muitos novos que lem muito também.

DL - Achas que um ensino popular em galego pode ser possível?

Raquel Miragaia - Sim. O que nom tenho tam claro é se há pessoas na Galiza com vontade de afrontar esse trabalho. Mas pessoas muito válidas e público para um ensino popular em galego acho que sim existe.

DL - Para ti, qual é o lugar mais formoso da Galiza?

Raquel Miragaia - Um só? Isso é como perguntar a uma criança se gosta mais da mae ou do pai. Tenho lugares que me removem tanto de interior como de mar, toda a costa desde Cedeira até Riba d'Eu parece-me impressionante. E as paisagens de interior como as da minha aldeia, cheia de fragas e com cheiro a terra também me emocionam. Entom vou escolher a Galiza inteira.

DL - Como seria a Galiza dos teus sonhos?

Raquel Miragaia - Igual que o mundo dos meus sonhos: um pouco mais humano e mais lento. Ainda que na Galiza creia que nom se nota tanto a desumanizaçom como noutros lugares. Mas tenho a sensaçom de que o ser humano vai caminhando do revés, cara o lugar errado e cara os valores errados. Gostava de viver num mundo onde os verdadeiros valores humanos estivessem em primeiro plano e nom sentisse que sempre nos agridem, que temos a atençom posta no mais superficial, no banal e nunca no importante.


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