Repressão às mulheres no coração da luta egípcia
Entre as principais reivindicações das mulheres egípcias, cujo papel no movimento iniciado em 25 de janeiro é inegável, estão as punições mais duras contra abuso sexual, uma maior representação parlamentar (hoje são apenas 4; em uma conquista prévia à revolução, uma cota de 64 cadeiras, 12% do total, foi aprovada), e a possibilidade de concorrer à Presidência.
Um dos temas mais urgentes é a ausência de mulheres ou sequer homens com preocupações antimachistas na Comissão de Sábios que se propõe a reformar a Constituição. Este grupo reacionário chegou a propor proibir candidatos a presidentes que não fossem casados com mulheres egípcias – e por extensão, excluir candidatas mulheres.
As mulheres egípcias sofrem com dois problemas candentes: a violência sexual e a mutilação genital. A última vem sendo enfrentada por uma ampla articulação, que inclui organizações muçulmanas ? pois o Corão não prescreve a mutilação do clitóris. Já o abuso sexual é tema tabu na sociedade, que encobre especialmente os casos de estupro marital e abuso infantil dentro da família. Hosni Mubarak, o ditador deposto, aplicou uma política de paulatina exclusão das mulheres do mercado de trabalho e desproteção jurídica para agradar a setores machistas conservadores, entre quais se contam lideranças islâmicas e cristãs
No entanto, após 30 anos de ditadura e neoliberalismo, o movimento egípcio ainda sofre com o histórico machismo no interior de suas fileiras. A convocação à marcha das mulheres foi recebida por alguns grupos como uma tentativa de divisão da revolução. Grupos de homens se reuniram para intimidar as manifestantes, provocando-as e perseguindo-as para fora da praça Tahrir. A força militar presente, longe de evitar, estimulou. Casos de assédio sexual foram reportados.
As mulheres egípcias estavam na luta revolucionária e por isso são agora alvos prioritários das tentativas de abrir espaço à contra-revolução. Tahani el-Gebali, primeira mulher a ser indicada juíza no Egito, em entrevista ao periódico Al-Masry Al-Youm, cita forças que querem sequestrar a revolução e impor uma agenda conservadora. “A celebração desta data simbólica foi sitiada para impedir que as mulheres tragam suas pautas para essa confluência revolucionária” .
Libanesas em solidariedade às domésticas filipinas
Reunidas pelo coletivo feminista Nasawyia, cerca de uma centena de mulheres e homens participaram da marcha “Tome de volta a noite” pelos bairros centrais de Beirute para protestar contra a atmosfera machista proibitiva nas ruas. Também nos ambientes de trabalho as libanesas são obrigadas a tolerar intimidação sexual e “exigências” estéticas dos chefes. Em um dos casos relatados a esse jornalista, durante uma entrevista de emprego a candidata foi requisitada a fazer uma cirurgia de nariz, ouvindo ainda do empregador que todo o resto do corpo estava já aprovado.
As organizações de mulheres no Líbano denunciam especialmente os abusos com empregadas domésticas do Sri-Lanka e Filipinas, trazidas para um ambiente de escravidão doméstica. Dependentes do visto “licenciado” pelas famílias, as trabalhadoras estrangeiras não podem sair da casa e muitas vezes são proibidas de ligar para casa. Um crescente número delas sofre abuso sexual e, humilhadas e encarceradas, acabam se suicidando.
Um outro caso evidente de como as libanesas são tratadas como cidadãs de segunda classe em seu próprio país é o impeditivo legal de darem cidadania libanesa a seus filhos. A batalha longa por direitos de maternidade vem dando alguns frutos, mas poucos projetos de revisão legal saíram do papel.
O coletivo Nasawyia é responsável também por uma campanha em TV e web com a personagem Salwa, a “respondona”, que aparece em situações de assédio sexual comuns como em táxis e filas, e sempre combate os assediadores.
Mulheres pela vitória da Líbia liberada
Um protesto massivo de dezenas de milhares de mulheres em Benghazzi marcou o Dia na capital rebelde líbia. Elas gritaram palavras de ordem de apoio à luta contra o ditador, como “Nenhuma negociação com Kaddafi!”, “O sangue dos nossos mártires não será em vão!”. Uma faixa conclamava a unidade contra Kaddafi e também contra a OTAN: “Nem Oriente, Nem Ocidente, Líbia apenas!” Novas organizações femininas vêm surgindo, como as Filhas de Omar Mukhtar, em homenagem ao mártir da resistência líbia à colonização italiana. Também há relatos de comitês de mulheres atuando febrilmente nas atividades da retaguarda das tropas, cuidando da logística e da alimentação do front.
Consolidação de novas organizações feministas na Tunísia
“Não há democracia sem igualdade!”, dizia slogan da Associação Tunisiana de Mulheres Democráticas durante os atos do dia 8 de Março. Uma expressiva luta vem sendo travada com o novo governo para exigir as reivindicações femininas. As várias organizações formadas antes e durante a luta que derrubou o ditador Ben Ali, como a Associação de Mulheres Tunisianas para Pesquisa e Desenvolvimento e o Coletivo Maghreb pela Igualdade, preparam agora um documento com todas suas reivindicações. Entre elas, a expansão da lei de cotas eleitorais conquistada pelas mulheres no regime anterior, e uma discussão ampla sobre leis que garantam a igualdade.