1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (2 Votos)

270814 golpe3Galiza - Galizalivre - Apresentaçom de textos.


 A perspectiva é a seguinte: umha espécie de amnésia coletiva, perfeitamente compreensível neste ambiente de presente histórico, política multimídia e modas ideológicas, tem-nos convencido de que o nacionalismo galego foi sempre esta cinzenta versom local do economicismo rampante.

 Como se a causa nacional tivesse um destino indiscutível desde a sua origem, e esse destino for converter-nos “num país normal”, seja do estilo de Suécia, seja do estilo da extinta URSS, objetivo que há que fazer entender à populaçom com os bons argumentos da prosperidade económica que nos reportaria um Estado independente. A reformulaçom do discurso nacionalista empreendida nos anos 60, fazendo-o falar exclusivamente a linguagem do marxismo, tem provocado este resultado desolador; embora nom esquecemos que também devemos a essa causa algumhas aprendizagens valiosas, como a vocaçom de massas, a pulsom pola mobilizaçom, as formas de organizaçom popular ou a integraçom da luita de classes.

A versom escolhida do marxismo foi especialmente funesta neste sentido. Umha vulgata empobrecedora do conflito social, que reduze todo à concorrência por um pedaço do pastel, que desconfia das pessoas que nom se movem por dinheiro (polos seus “interesses de classe”, na sua linguagem) e que, ao final, é capaz de neutralizar todos os sonhos, as utopias, as esperanças, em aras de umha elevaçom do nível de consumo da populaçom. Dirá-se que o marxismo nom é esse economicismo ridículo e simplório, e é verdade. Esta mesma revista tem publicado textos de marxismo perfeitamente canónico, se é que o cánone se refere aos escritos de Carlos Marx; textos que vincam na crítica da forma-mercadoria, mais que na crítica de como é que se repartem tais mercadorias. Por aí há um bom caminho de reencontro com a riqueza do mundo e com o valor da galeguidade entanto que forma de vida nom mercantilizada.

O nacionalismo, o valor da comunidade

Felizmente a nossa tradiçom política é mais fértil que essa. Por umha parte, nom esquecemos que a prática política nacionalista foi, e em boa medida segue sendo-o, contraditória com esse discurso: enquanto se fustigava retoricamente o “atraso económico” e se exigia um processo industrializador, no dia a dia luitava-se contra as infraestruturas energéticas e de transporte que seriam a sua condiçom de possibilidade; enquanto se justificava a reivindicaçom nacional porque “lhe interessa objetivamente às classes trabalhadoras”, luitava-se emocionadamente pola preservaçom da língua, animava-se a cultura popular, combatia-se o despovoamento rural... Como sempre, os fenómenos sociais som relativamente independentes da linguagem em que se expressam a si mesmos, embora esta chegue a exercer de freio para o seu desenvolvimento.

Mas nom se trata somente disso. A origem do nacionalismo galego é mui valiosa para nós também por este motivo. Porque quando se concretiza por primeira vez a causa nacional como movimento social, faz-se com a olhada posta na nossa forma de vida. Como nos lembra Antom no artigo publicado neste número, a atençom por aquilo que nos caracteriza como povo, isto é, a peculiar maneira como nos relacionamos entre nós e com a natureza, provocava tantos sorrisos de condescendência entre os operaristas contemporáneos às Irmandades da Fala (“querem voltar ao Paleolítico”) como provoca hoje entre a juventude independentista mais adepta da linguagem marxista-leninista (“som uns essencialistas”). E porém daí é que bebemos, da nossa tradiçom nacional, daquilo que faz da Galiza algo mais que um enclave geográfico para o choque abstracto de interesses de classe.

Que essa “essência” se veja cada vem mais como umha rémora, ou pior ainda, como umha simpática nota pitoresca, mesmo entre os próprios partidários da independência nacional, é um drama que nom passará desapercebido mais tempo. Porque nom foi difícil manter essa contradiçom no discurso, esse abraço à modernidade que nos extingue como povo, enquanto o capitalismo mantinha o seu vigor, comprava as consciências e alimentava as esperanças dos galegos com fantasias de consumo e tecnologia; mas passamos já à fase do declínio, e nom só em termos de PIB ou de nível de vida, senom em termos de estado de ánimo coletivo. Sem esperança, sem ilusons, sem vida... seguir agarrando-nos às promessas incumpríveis de um sistema em bancarrota só pode fornecer de resultados de curto alcanço: algumhas “marés” massivas pola sanidade ou a educaçom pública, outras jornadas de greve geral por umha regulamentaçom do mercado laboral menos escravista, esporádicas saídas à rua multitudinárias que exprimam a deslegitimaçom do sistema político, ou até algum sucesso eleitoral inesperado. Batalhas que mantenhem o ciclo eufórico-depressivo, suficiente para “ir tirando” neste colapso de civilizaçom, mas incapazes de pôr em apuros a um sistema que continua a ser o marco de referência para o cumprimento destas aspiraçons. Para cúmulo, estas batalhas crepusculares apanham com o passo cambiado ao nacionalismo, bem como à esquerda espanhola, incapaz de mudar os seus esquemas para se incorporar às luitas de umha populaçom que deixa atrás os canais tradicionais da participaçom política.

No texto “Comunidade nacional”, o autor anónimo debruça-se sobre este assunto, retrotraendo-se à origem da criaçom do “espaço público estatatal” e propondo umha mudança de paradigma, resumida na formulaçom “comunidade nacional de resistência”. A proposta é discutível, e de facto faz parte da principal controvérsia que sacude o independentismo desde há um lustro, mas nom se pode negar umha virtude: ao contrário que a atitude de “fazer como se nom passasse nada”, dominante na cena partidária nacional, o autor insere a sua proposta plenamente na época histórica que atravessamos, este devalar inexorável da civilizaçom industrial que vimos analisando nas páginas d'O Golpe.

Os povos som mundos

Faz falta referir-se a indígenas da outra ponta do globo para que os galegos e galegas reconheçamos o valor das formas de vida. É mostra de um racismo incrustado no fundo da alma moderna, e que se exprime em primeiro termo como auto-ódio, na medida em que também nós somos indígenas em luita contra todo aquilo que nos distingue do homem abstracto ocidental. Dizemos porque prova o racismo da olhada, porque é umha olhada paternalista que aceita os particularismos como umha concessom benévola e compreensiva perante comportamentos “pouco racionais”, isto é, pouco economicistas. Ignoramos o porquê se aceitam com simpatia certas culturas indígenas (especialmente as americanas, em menor medida as africanas...), enquanto se é imisericorde com outras, como por exemplo a zigana, a muçulmana, ou as europeias, por exemplo à forma de vida galega (à forma de organizaçom social, aos conhecimentos nom-científicos, à espiritualidade, às formas de relaçom entre as geraçons...). Parece que, como com a luita armada, o grau de simpatia por umha “étnia” é diretamente proporcional à sua distáncia, e que quanto mais conhecemos umha forma de vida nom-mercantil, mais a desprezamos.

Em qualquer caso essa concessom ao menos abre a porta à aceitaçom de lógicas identitárias, ou de “essencialismos”, como diriam alguns. Neste número vamos aproveitar esse resquício para tratar de fazer passar por ele o que mais nos importa, que é a nossa própria galeguidade.

A luita pola construçom dum Estado Nacional nom é a única forma possível de entender e articular um movimento de defesa da própria identidade. As luitas indígenas do mundo devessem constituir-se para nós numha referência de como a identidade pode ser entendida e defendida nom só como matriz dum Estado, mas como alicerce dumha forma de vida distinta e melhor à que propom e impom o inimigo.

As comunidades indígenas ameríndias tenhem dado muito que falar nos últimos anos. Desde a rebeliom zapatista em Chiapas até a chegada ao governo em Bolívia, os nomes dos povos originários tenhem-se-nos tornado familiares. Nom assim as suas ideias, desfiguradas polos intermediários e polos nossos próprios preconceitos, convertidas às vezes em inofensivas caricaturas de “Pachamama” ou desdenhadas como simples ornamentaçom da velha política. Neste número da revista, pretendemos tomar os povos indígenas tam a sério como eles se tomam a si mesmos, sem olhá-los por cima do ombro (“nom sabem porquê o fam, mas fam-no”). Nada melhor, para isso, que deixá-los falar com a sua própria voz.

Os documentos “Entrevista a Fernando Huanacuni” e “Tawantinsuyu: Hoje e amanhá de Wankar” procedem de Bolívia, dos setores mais anti-modernos do movimento indígena. Fernando Huanacuni, a quem entrevistou em 2009Vinicius Mansur para o jornal brasileiro Brasil de Fato, é um inteletual aymara que na altura fazia parte do governo de Evo Morales.

O segundo documento formula um enquadramento geral do indigenismo no marco das sociedades coloniais americanas. A relaçom com a esquerda, com a vida moderna, com os Estados... som passadas a revista polos autores deste trabalho, publicado no blogue katari.org.

Muito ao sul dos aymaras, os mapuches luitam pola sobrevivência contra os estados chileno e argentino. Praticando as sabotagens, a luita armada, a ocupaçom de terras, a formaçom de comunidades rurais... este povo serve de inspiraçom em todo o mundo a quem esteja à procura de maneiras mais originais e eficazes de resistir o aplanamento e a exploraçom capitalistas. O documento que traduzimos é a história de umha comunidade rural concreta, do seu confronto com o Estado e as empresas coloniais, dos seus reptos e dificuldades.

Rastos

Mais que a pobreza ou a assimilaçom cultural, graves como som, o pior resultado do colonialismo espanhol na Galiza foi a perda de autonomia das populaçons. Em poucas décadas deixamos de ser um povo (como os demais) relativamente autosuficiente, capaz de ganhar polos seus meios a batalha da subsistência material, perante o qual os poderosos nom eram mais que parasitos perfeitamente prescindíveis. Deixamos de cultivar os nossos alimentos, construir as nossas casas e ferramentas, tecer a nossa roupa... e passamos a depender em cada ponto das nossas vidas da assistência do Estado espanhol ou do mercado. Mais ainda, vendemos nom só a autonomia material, senom mesmo a espiritual, ou como se costuma dizer, a nossa “idiossincrasia”. Nom somente perdemos polo caminho os conhecimentos tradicionais sobre mil campos do saber, como a saúde, a agricultura, a meteorologia, a psicologia, etc., substituídos por umha veneraçom dos científicos que, mais alá do que estes postulem em cada momento, nos deixa na posiçom impotente de quem consome as verdades enunciadas por outros. É que além disso entregamos à escola estatal e à indústria cultural até os conteúdos completos da nossa mente, a nossa capacidade de sonhar, a forma de exprimir esses pensamentos... até o ponto de que já quase nom se distingue um galego de um espanhol mais que polo bilhete de identidade, e já nom somos capazes nem de nos entretermos uns aos outros, nem de analisarmos por nós mesmos o mundo.

Por orgulho nacionalista, mas também por consideraçons estratégicas, temos que recuperar a nossa autonomia, temos que quebrar a dependência que nos liga material e ideologicamente ao nosso inimigo. Para isso há muito que apreender, muito que lembrar. Muitas cousas som novas, porque novo é o mundo e os reptos que afrontamos; mas muito é também o que temos que recuperar do valioso legado do povo a que pertencemos.

O trabalho de Antom Lousada Diegues fala-nos da fenda invisível que introduziu a modernidade na cultura galega. Som anotaçons anti-modernas sobre o tempo, o espaço, a velocidade, o conhecimento, a relaçom com a natureza... temas que nunca chegárom a entrar no debate político, mas que definem a nossa vida individual e coletiva de forma muito mais fundamental que o nível de ingressos ou as competências transferidas à Junta. É um texto único, que até agora fora publicado parcialmente. A primeira parte (apartados I e II) foi publicada em Nós, nº 2, pgs. 3-5. A segunda parte (apartado III) é um manuscrito inédito que se publicou em 1985, em Xerais, como parte da sua “Obra Completa”. Esse texto nom foi finalizado, rematando com umha oraçom incompleta.
O testemunho de E.M.F. é o primeiro de umha série que publicaremos n'O Golpe, recolhendo a história popular que ignoram os livros de história: a vida, a subsistência, a moral, as relaçons pessoais e comunitárias, a presença do poder espanhol... E.M.F. é umha mulher velha, nascida num bairro de Compostela e lavandeira de profissom.

Alargamento do campo de batalha

Como acertadamente avisavam uns amigos, há que ter cuidado com estes temas, já que pareceria que só som tratados politicamente polos reaccionários, de forma que qualquer militante que fale em termos de tradiçom, destino, devanceiros ou sentido da vida coloca-se imediatamente sob suspeita. Um grande triunfo do nosso inimigo, que reduziu o universo mental da populaçom a aquilo que ele mesmo estabeleceu como possível e desejável: o gasto de dinheiro, o consumo de cultura e ócio, o jogo político eleitoral, os serviços públicos... A distáncia entre esse universo e o dos povos indígenas (termo no que incluímos as sociedades rurais de qualquer parte do mundo, incluída a nossa) é tam enorme que, de facto, a comunicaçom torna-se impossível. Isso acontece, como todo o mundo sabe, quando um moço de hoje tenta manter umha conversaçom com o seu avó.

A preocupaçom por recuperar, ao menos em parte, a riqueza da vida, é um requerimento prévio para a ánsia por umha mudança radical do estado de cousas. Sem essa vontade nom vamos poder sair da gaiola mental na que Espanha nom encerrou a todas.

Embora ao nom tratar de nengumha forma de vida comunitária nom encaixe com o bloco temático deste número, o trabalho de Antom Santos pareceu-nos oportuno porque incide na crítica à estreiteza mental da ótica moderna, que é a vigorante mesmo nos meios politizados. Empregando como alavanca os textos de Henry David Thoreau, o preso independentista passa revista à construçom do mutilado sujeito moderno, fiando o discurso com o de um homem que foi precursor da desobediência civil e do ecologismo.

 


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Publicidade
Publicidade
first
  
last
 
 
start
stop

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.