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270712 paulo padinGaliza - PGL - Paulo Padin Álvarez mudou primeiro de ideias e a seguir de língua, afirma que “menos mal que nos queda o Brasil”, fala em galego com a sua companheira bretão-galesa com quem irá a um aPorto acompanhados do seu miúdo Eume, que está em contacto com 5 línguas. De projetos como a Semente só pode dizer: eis o futuro.


Paulo Padin nasceu na aldeia de Dena mas foi sociabilizado em castelhano. Quando e como se produz a passagem para o galego?

O meu pai e a minha mãe falavam-nos em espanhol. Entre eles falavam galego. O típico caso de rotura da transmissão intergeracional. Na escola só os professores e as professoras falavam espanhol, todo o estudantado falava galego. Se não me falhar a memória, numa escola com vários centos de alunos, apenas três falávamos espanhol. Mágoa que daquela não existissem esses benfeitores e benfeitoras da Galicia Bilingue para defenderem os direitos de todas essas crianças que foram escolarizadas numa língua alheia e sem possibilidade de escolha.

Apesar da decisão dos meus progenitores e dum sistema educativo etnicida, a presença do galego na minha infância foi importante: todas as crianças com quem jogava falavam sempre em galego e uma pessoa tão importante como a minha avó materna também. A minha avó não sabia falar espanhol, nem sequer conseguiu falá-lo bem depois de ter passado tempo em Madrid com a família da minha tia. Até os 10 anos passei muito tempo com ela e a sua mãe, a minha bisavó, que morreu quando eu tinha 10 anos. Se a sua filha nunca chegou a falar bem espanhol morando anos em Madrid é fácil imaginar que ela, a minha bisavó, só falava galego. De facto, só saiu uma vez na sua vida da Galiza, na sua lua-de-mel e foi às... Astúrias. A propósito, minha bisavó não dizia “lunes, martes, miércoles, etc.” ou “luns, martes, mércores, etc.”, dizia segunda-feira, terça-feira, quarta-feira (“corta”, pronunciava), etc. Os seus netos e netas (minha mãe, sua irmã e seu irmão) riam dela por causa disso.

Em resumo, em Dena, na minha infância, as figuras de poder (mãe e pai e professorado) falavam espanhol enquanto os e as “iguais” falavam galego. Diglossia crua e nua.

Quanto à passagem para o galego, primeiro mudei de ideias e depois mudei de língua já que o facto de mudar de língua tem grandes implicações sociais e não é fácil. Foi em Compostela, quando "estudava" Filosofia na Universidade. No Liceu já tomara consciência da importância da diversidade, de qualquer classe de diversidade. O estudo da cadeira de Antropologia ajudou a reflexão. Naquela altura reparei na contradição de defender a causa do Curdistão ou da Palestina mas não da Galiza. Não tinha lógica. Mutatis mutandi, a razão da luta é a mesma. E nessa luta, a língua tem um papel central.

Após esta mudança de língua, chegou a mudança de visão e de vivência da mesma. Como tivo ligar a descoberta de que o galego podia ser algo mais do que nos explicavam no sistema educativo?

No que diz respeito à “questão normativa” influiu decisivamente o facto de as pessoas com as quais me relacionava na altura serem nacionalistas ou “galeguistas”, como algum deles gostava de dizer de si próprio, que não tinham hostilidade pelo reintegracionismo embora não fossem "praticantes".

Uma anedota: precisava duns apontamentos na Faculdade pelo que pedi para um companheiro da Estrada muito simpático e que falava galego. Ele acedeu ao meu pedido. Os apontamentos estavam em reintegrado: era a primeira vez na minha vida que via reintegracionismo "aplicado". A professora lecionava em galego ILG ou, melhor dito, e como muitos e muitas isolacionistas (voluntaria ou involuntariamente), na “norma própria”. Não deviam ser maus esses apontamentos porquanto eu passei o exame (e isso naquela altura da minha vida era um facto extraordinário). E, para além disso, também emprestei esses mesmos apontamentos a um outro companheiro, um conhecido militante nacionalista da cidade, que me disse: "em reintegrado? Isso não é um problema!". E ele não era, com certeza, reintegracionista.

É por isso que digo que eu sempre fui reintegracionista, mesmo muito antes de escrever em reintegrado, se isso é possível, claro. A prática do reintegracionismo chegaria anos depois com o uso sistemático das novas tecnologias da informação.

Paulo estudou Sociologia. Como analisa um sociólogo a interaçom de línguas na Galiza?

O mais importante não são as fotografias estáticas mas as tendências. E as tendências indicam, sem necessidade de entrarmos nos dados sociolinguísticos exatos (que não tenho dúvidas que na Galiza estão manipulados, anyway), que o galego vai rumo ao desaparecimento submetido a um duplo processo de dialetização e substituição pelo espanhol.

Estás a viver desde há vários anos em Bilbau e és um observador da política linguística do euskera. Para além do facto de que a língua padrão nasceu no seio do movimento pró-euskera, que outras diferenças (e similitudes) encontras entre ambos os contextos sócio-linguísticos?.

As próximas gerações na Galiza e em Euskal Herria deixarão mapas linguísticos que não têm nada a ver com os atuais. Os problemas em ambas as nações não têm nada a ver: no caso basco, o desafio é conseguir que a gente que é competente em euskera use a língua própria. O sistema dos “modelos linguísticos” no ensino foi muito sucedido. Os “modelos” são três: “modelo A”: tudo em espanhol com uma cadeira de basco, “modelo B”: uma metade das cadeiras em basco e a outra metade em espanhol e “modelo D: todo em euskera com uma cadeira de língua espanhola (a letra C não existe no alfabeto basco). Com notáveis diferenças territoriais podemos dizer que o “modelo D” é hegemónico e cresce ano após ano, enquanto o “modelo A” perde estudantado sucessivamente desaparecendo em muitos lugares de Euskal Herria.

O facto mais surpreendente quando cheguei a Euskal Herria foi ouvir a pais e mães falarem em euskera aos filhos e filhas e, ao mesmo tempo, falarem em espanhol com os amigos e amigas. Para muitas pessoas isto pode ser surpreendente mas é exatamente o mesmo que acontece na Galiza: transmite-se a língua de prestígio. Assim, na Galiza, na minha aldeia, por exemplo, os amigos e amigas falam entre si em galego mas para falar com os filhos e as filhas utilizam o espanhol. O mesmo mas ao contrário. Tanto na Galiza como no Pais Basco o que se transmite entre as gerações é a língua de prestígio: espanhol e basco, respetivamente.

As línguas refletem o poder político e económico-social dessas mesmas línguas e na Galiza já sabemos qual é o poder de cada uma delas. No caso galego bem podemos parafrasear Siniestro Total, “menos mal que nos queda Portugal” ainda que a rima, agora, penso, devemos fazê-la com o Brasil.

A companheira de Paulo é meio galesa, meio bretã, e profissionalmente dedica-se à docência do inglês no British Council. No verão passado assistiu a um aPorto. Qual é a visão que ela tem do galego? Como vos relacionades linguisticamente na vosso quotidiano?

Primeiro, devo dizer que a Emily não é meio galesa, meio bretã, é galesa e é bretã inteira e simultaneamente, as pessoas temos essa capacidade, e também é mais alguma coisa.

Entre nós sempre falamos em galego. Às vezes falamos em francês, mas isso acontece quase sempre na Bretanha. A Emily partilha a mesma visão que eu quanto à situação do galego. Quando ela fazia os cursos de galego para estrangeiros do ILG, um dos seus passatempos era escrever as tontarias que diziam alguns professores e professoras: a minha tontaria favorita, que nunca hei-de esquecer, é a dum “persoeiro” da língua galega que dizia que “o galego é uma língua de adultos. Que tranquilos, que tudo corre bem, que a gente com os anos começa a falar galego”. Assim de fácil. Penso que a péssima situação do galego não é alheia à mediocridade, à inutilidade e à cumplicidade destas pessoas.

A Emily adorou a experiência do aPorto e tem a intenção de fazê-lo novamente no próximo ano. Iremos a família completa.

Recentemente fostes pais de Eume Armel. Como observas de fora da Galiza experiências como Semente? Que línguas farão parte do ambiente doméstico do Eume?

Um dia normal, sem fazermos nada de especial, o Eume tem contato com cinco línguas: galego, francês, inglês, euskera e espanhol.

O Eume está nos antípodas dessa (des)construção moderna da-o cidadã(o) monolingue, facto mui habitual hoje no ocidente “civilizado” mas absolutamente infrequente no passado da humanidade e ainda hoje em muitos lugares do mundo considerados “atrasados”.

Eu falo-lhe em galego e Emily fala-lhe em francês. A língua oficial da família é o galego, o francês é co-oficial e todo o mundo sabe o que lhes acontece as línguas co-oficiaiss, não é? O certo é que eu também, às vezes, falo em francês e Emily em galego. A situação muda nas férias na Bretanha onde todos falamos em francês.

Para além de galego e francês, a Emily também lhe lê livros em inglês. De facto, o inglês está muito presente porquanto em Bilbau temos muitos amigos e colegas de trabalho da Emily que falam inglês.

Um jeito de estarmos presentes na Galiza, para além de seguir a atualidade galega, é apoiar às associações ou coletivos com os quais simpatizamos. Eu sou sócio da Gentalha do Pichel, de Andaime e da AGAL e a Emily é sócia de Andaime e da Semente. A existência dum projeto como o da Semente foi uma grande satisfação para nós, sobretudo agora que temos um filho. Há uns meses visitamos o espaço e gostamos muito, muito. A defesa dum ensino público, galego e de qualidade não exime de organizarmos alternativas, sobretudo, quando aspetos essenciais da vida, como a nossa língua, estão ameaçados. De projetos como a Semente só posso dizer: eis o futuro.

Paulo é louco polos livros. A Imperdível está a ser uma boa companhia?

Fui louco pelos livros. Agora quase não tenho tempo para ler! A Imperdivel é uma ferramenta muito útil para conseguirmos livros e materiais diversos na nossa língua. A verdade é que Através foi uma das grandes alegrias dos últimos tempos. Um dos livros favoritos do Eume é Poemas no Faiado. É surpreendente como uma criança de poucos meses pode gostar que lhe leiam poemas. A Emily e eu acabamos por os saber de cor!

Em tua opiniom, por onde deve caminhar o reintegracionismo e o movimento socializador da língua no seu conjunto?

A transversalidade do movimento reintegracionista será essencial. Além da ignorância (que não é pouca cousa), não vejo porque gente de diversas ideias políticas não podem ser reintegracionistas. Há uma sobre-representação do reintegracionismo na esquerda e no nacionalismo que não tem porque ser necessariamente assim. Esta sobre-representação deve-se a razões históricas e, portanto, a dinâmicas sociais que podem mudar.

Não tenho dúvidas de que o reintegracionismo é o futuro. Melhor dizendo, é a única possibilidade para termos um futuro aceitável como galegos e galegas. Por uma simples razão prática: o reintegracionismo neutraliza a ridícula argumentação do espanholismo quanto às línguas minoritárias: a sua suposta falta de utilidade. Se esta ideia de “utilidade” é o campo de batalha, está claro que ganhamos a guerra: nós temos duas línguas “úteis”. “Úteis” entre aspas, claro, porquanto todas as línguas são úteis.

Que visom tinhas da AGAL? Por que te tornaste sócio e que esperas da associaçom?

Parece-me que na atualidade a AGAL está e a mostrar uma maior presença e visibilidade social que antes. Na minha opinião, a AGAL tornou-se algo mais prático que teórico. E penso que esse é o caminho, se quisermos chegar a mais gente.

Além do dinamismo da AGAL nos últimos anos, o facto de eu ter amigos e amigas a falar sempre nisso deveu ter ajudado a me fazer sócio.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

2020? Isso é amanhã! Nessa altura, Feijoo estará acabando o seu terceiro mandato presidencial. On croise les doigts! Bom, conformava-me com inverter as tendências linguísticas atuais. E só falo de tendências, as verdadeiras mudanças acontecem a longo prazo.


Um sítio web: Chuza

Um invento: A imprensa de Gutemberg.

Uma música: O CD de Espido: soava no momento do parto do meu filho.

Um livro: Rayuela de Julio Cortazar

Um facto histórico: O período da Convenção na Revolução Francesa.

Um prato na mesa: Arroz de pescada.

Um desporto: O xadrez.

Um filme: A Viagem do Capitão Tornado de Ettore Scola, adaptação cinematográfica do romance Le Capitaine Fracasse de Théophile Gautier.

Uma maravilha: O meu filho Eume.

Além de galego: Muitas vezes sinto-me marciano, não sei se marciano de origem galega ou galego de origem marciana.


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