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berzo maiosGaliza - PGL - [José Rodrigues Paz] O ciclo anual das festas populares galaico-portuguesas é um dos mais ricos do mundo.


Tão só superado pelo desse grande país que é a Índia, de onde não falta quem opina procede a nossa cultura, vinculada ao celtismo. Dentro do ciclo anual, a dos “Maios” é, sem dúvida, a mais antiga e também a mais formosa do ano. Ciclo que se completa com outras festas populares, também lindas, como a dos magostos pelo São Martinho, o Natal do mês de dezembro, o entrudo em fevereiro, o “Corpus” e as fogueiras do São João no mês de junho, e as diferentes festas tradicionais do verão em quase que todas as aldeias e paróquias. Todas estas foram acrescentadas muito posteriormente com aquelas dedicadas fundamentalmente à gastronomia: marisco, pão, polvo, peixe, queijo, empada, aguardente, vendima, vinho, cozido, presunto, androlha, longueirão, pimento, carneiro ao espeto, lampreia e até a do licor-café. Produtos todos em que a nossa Galiza supera outros muitos países do mundo.

Desde os estabelecimentos de ensino de todos os níveis educativos podemos fazer muito por recuperar e manter vivas estas festas, e especialmente as tradicionais e populares assinaladas ao início. Tema no qual também deve ajudar a “terceira escola” ou escola paralela dos meios de comunicação de massas. As festas cíclicas respondem perfeitamente ao devir do tempo e das estações, ao processo verdadeiro da natureza. A festa dos “Maios” aparece quando a natureza acorda e desperta, com o seu verdor, com as suas flores, com a sua alegria, com o seu amor, quando vem o cuco, quando os pássaros voltam a cantar e fazer seus ninhos, quando a terra se prepara para a sementeira, a finais de abril e princípios de maio. Estou seguro que, se isto não acontecesse, os humanos não organizariam esta festa popular que é como uma adoração à natureza na primavera. Como uma grande homenagem à deusa Terra, às árvores e plantas, às aves, aos animais, à natureza toda e, em resumo, a algo tão importante como é o amor.

POSSÍVEL ORIGEM DA FESTA DOS MAIOS

Existem muitas e variadas interpretações sobre o senso e origem desta festa popular e cíclica que se perde na noite dos tempos. Todas e cada uma das opiniões e interpretações, a maioria por intuição de investigadores e estudiosos, têm seu interesse e sua parte de verdade, pelo que eu tenho que optar pela síntese de todas, respeitando todas as opiniões e integrando-as de forma globalizada num todo completo. Vários dos etnógrafos e investigadores galegos assinalam que esta festa nasce na pré-história e, em concreto, no último período do paleolítico, prévio ao neolítico, denominado “madalenense”, que é quando aparecem os cultos agrários. Embora sejam mais os que pensam que esta festa aparece já no neolítico, com o nascimento da agricultura, momento em que o homem deixa de ser nómada para fazer-se sedentário, cultivar a terra e cuidar animais. Pela sua parte, Murguia, Filgueira, Risco e Cuevilhas, opinam que a festa dos “Maios” é própria da cultura dos celtas, que tinham um rito que tem muito que ver com esta festa. Trata-se do rito de “alumiar o pão” (com fachicos), que ainda se conserva em algumas partes da nossa Terra. São mais os etnógrafos que opinam que os “Maios” é uma celebração greco-latina, e que, pelo menos, foi na Grécia e em Roma quando conseguiu maior esplendor. O etnomusicólogo Inzenga opina que na cultura grega está o berço desta festa. Murguia, Celso Garcia de la Riega, Risco, Luis Tobio e Bouça-Brei colocam a origem mais na cultura romana, ao analisar com profundidade o calendário romano dos meses de abril e maio. Não lhes falta razão porque, deitando uma olhada sintética a este calendário, o dia 12 de abril celebravam-se os jogos na honra da deusa Ceres (dos cereais); o 15 de abril era a “Fordicídia” na honra do deus Telles; o dia 19 de abril era o ponto culminante do ciclo destas festas organizando a “Ceriália”. No dia 21 de abril tinham lugar as festas da “Palília”, na honra da deusa Pales; e de 23 a 25 de abril celebravam-se em Roma as festas da “Vinália” e da “Robigália”, na honra de Elícius e Robigo. Mas, certamente, para esta festa, as datas mais significativas desenvolviam-se em Roma de 28 de abril a 3 de maio: eram as “Florália”, na honra da deusa Flora, incluindo o dia primeiro de maio com a festa na honra da deusa Maia. O ciclo terminava na cultura latina no dia 19 de maio com as festas “Ambarválias”, outra vez na honra de Ceres, deusa dos cereais, como o centeio, o trigo, a cevada e a aveia. Que tão importantes eram para o império romano.

Não há quem deixe de opinar, como Vicetto e o mesmo Bouça-Brei, que esta festa procede da cultura germânica, e, mais em concreto, do povo dos suevos, cujo reino tanta importância teve na Galiza, ao assinalar a decisiva influência da cultura centro-europeia por meio do culto ao lume coincidindo com o solstício do verão. Pela sua parte, o Cristianismo considerou esta festa dos “Maios” como uma festa de caráter pagão. E como não pôde eliminá-la, como em outros casos, acabou por cristianizá-la, fazendo-a coincidir em muitos lugares (como é o caso de Ourense), com a festa da Santa Cruz, e incluindo elementos e símbolos tipicamente cristãos. As cruzes no cimo dos maios, os maios figurativos em forma de cruz, a festa típica de Laça (de Adão e Eva), são exemplos vivos e paradigmáticos da cristianização da festa popular dos “Maios”.

Menção aparte merece a opinião do grande galego e galeguista, o ourensano José-Ramão e Fernández Ojea (“Bem-Cho-Shei”), um dos maiores estudiosos da festa, que colocou a origem desta formosa festa popular nos cultos primaverais na honra das deusas do amor das diferentes culturas antigas: Afrodita (Grécia), Vénus (Roma), Astarte (Fenícia), Milita (Babilônia) e Istar (Assíria). Diferentes nomes para um mesmo modelo de deusas do amor. No caso da Índia seriam o deus do amor Krishno e a sua amada Radha. Tantas opiniões sobre este tema obrigam-me a ser eclético, considerando as mesmas parciais, mas não isentas de certeza e verdade, e fazendo uma síntese e uma integração das mesmas. Pelo que sobre esta importante festa podemos tirar as seguintes conclusões:

1. Trata-se de uma manifestação relacionada com a fecundidade vegetal, animal e humana.

2. A origem e procedência é diversa, pela variedade de formas, ritos e cerimónias.

3. Cronologicamente, a festa vêm da pré-história, desenvolvendo-se até a Idade Média, e pode que ainda mais recente.

4. Deve assinalar-se o decisivo papel do Cristianismo que acabou com muitas festas consideradas pagãs, amanhou outras e fez surdir outras novas para ocupar o lugar das suprimidas.

5. Os “maios humanos”, também chamados “Maias”, podem ser considerados como os mais autênticos e, desde logo, como os mais primitivos e antigos. Crianças, e jovens, disfarçados com fiuncho, flores, folhas, ervas, urzes, giestas e espadanas, configuram o verdadeiro maio, substituído posteriormente pelos maios figurativos e enxebres, piramidais, cónicos e artísticos.

Sobre esta linda festa popular têm investigado e escrito grandes vultos da nossa cultura. Entre eles temos que destacar Manuel Murguia, Florentino López Cuevilhas, Vicente Risco, Bento Vicetto, Fermim Bouça-Brei, Joaquim Lourenço, Luis Tobio, José Filgueira Valverde, Jesus Taboada Chivite, Carré Aldao, António Fráguas e, muito especialmente, José-Ramão e Fernández Ojea, que foi um dos galegos bons e generosos que mais pesquisou sobre os “maios”, conservando um arquivo sobre o tema e uma extraordinária biblioteca, felizmente recuperada no seu dia pela Deputação de Ourense, e que pode ser consultada pelos estudiosos e amantes desta festa. Em Portugal temos que destacar entre os investigadores mais importantes sobre a festa popular dos “Maios”, a Rui de Serpa Pinto, Ernesto Veiga de Oliveira, Teófilo Braga e o grande etnógrafo José Leite de Vasconcelos. Grandes investigadores, felizmente ainda vivos, são os galegos Filipe-Seném López Gómez, J. A. Tarrio e Clódio González Pérez, e o português António Lourenço Fontes. Quem assina o presente depoimento dedicou muitas horas a pesquisar sobre esta festa, incidindo especialmente em promovê-la desde a escola, e participando com crianças, que elaboravam seus maios humanos, enxebres e artísticos, com as suas coplas, nas celebrações ourensanas, representando a ASPGP a que preside desde há muitos anos. Entidade que publicou um roteiro didático da sua autoria sob o título de A festa popular dos “Maios” na escola. Autores importantes de outras culturas e países também lhe deram grande valor a esta festa. James Frazer, com o seu livro A rama dourada, nos da muitas das chaves desta festa para poder entendê-la, e das outras festas cíclicas que configuram o denominado ciclo de maio até as fogueiras do S. João, que abrem o solstício do verão. Tenho que lembrar também o estupendo trabalho de pesquisa do etnógrafo basco Júlio Caro Baroja, que publicou esse livro tão valioso sob o título de A estação do amor.

GEOGRAFIA DA FESTA 

A celebração desta festa transcorre nos meses de abril e maio. Na Galiza o dia mais próprio é o 1º de maio, mas, em muitos locais, passou a celebrar-se no dia 3 para cristianizá-la, fazendo-a coincidir com a festividade da Santa Cruz. O facto de que em quase que todos os lugares se organizasse a festa nos primeiros dias de maio, pode que tenha relação com a celebração que em estas datas faziam os romanos à deusa “Bona Dea” chamada Maia, padroeira do mês, na honra da qual se celebravam as festas chamadas “Florália”, que terminavam no dia 3, e que eram realmente as festas da primavera e das flores.

É interessante ver os locais em que se celebrou e ainda se celebra a festa popular dos “Maios”, por toda a Europa. A Europa nórdica e central, sendo muito interessantes a celebrada na Baviera alemã, e concretamente em Munique. Em Portugal destacam as “maias” e os “arcos de maio”. Na Galiza, continuam a celebrar-se os “maios” em diferentes localidades, das quais destacamos as corunhesas de Compostela, Ponte d´Eume, Betanços, Carnota, Muros, Noia, Rianjo, Ribeira e Porto d’Ozom. As lucenses de Porto Marim (onde se conservam os maios humanos), Riba d´Eu, Viveiro, Mondonhedo, Queiroga e Monforte de Lemos. As pontevedresas de Ponte Vedra, Redondela, Marim, Poio, Combarro, Vila Garcia de Arouça, Caldas, Bueu, Cambados, Tui e Tabagão, lugar este de Tominho onde se conservam os famosos e gigantescos “arcos de maio”. Pelo que se refere a Ourense, destacam os da capital, Leiro, Verim, Barco, Alhariz, Cela Nova, Riba d´Ávia, Laça (com uma linda e especial festa), Carvalhinho, Viana do Bolo e Castro Caldelas. E não quero esquecer-me dos maios humanos de Vila Franca do Berço, onde uma dinâmica sociedade cultural, mantém viva desde há muitas décadas esta formosa festa em terras leonesas, que pertenceram à Gallaecia romana.

Capítulo à parte merecem as coplas que se cantam ao redor dos maios, historicamente elaboradas por grandes poetas, como Lamas Carvajal, Curros, Tovar, Prado Lameiro e Taboada Chivite. No passado século incorporaram-se nas mesmas os temas de tipo social e político, com crítica humorística para os mesmos. E, em épocas duras da ditadura franquista tinham que passar censura e algumas foram proibidas por serem muito reivindicativas. Algum dia terei que escrever um meu depoimento sobre este apaixonante tema. E lembro aquele quarteto da copla popular: “Levanta-te Maio / que tanto dormiste, / passou o inverno / e não o sentiste”.


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