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sechusendeGaliza - Praza - [Montse Dopico] Não é já tempo só de resistência. Mas de construir algo novo. Desde o optimismo. Desde a energia da participação social. Desde a força do nós, contra a morte das línguas, das culturas, da diferença, da dissidência. Disso fala Séchu Sende em A República das Palavras, (Através Editora), que vai chegar às livrarias em poucas semanas.


Alguns textos já foram publicados. São relatos escritos nos últimos anos?

A metade foram publicados em diferentes espaços da rede, no meu blogue e em médios digitais. O resto são inéditos. Relatos que fui deixando com a perspetiva de publicá-los em algum momento, sabendo que não os publicava já porque tinham algo especial.

Quando apresentavas Animais falavas do poder da palavra. Neste livro dizes que as palavras podem mudar o mundo.

De facto, o título alternativo ia ser Como podem as palavras mudar o mundo. Este tema já estava em Made in Galiza: a energia das palavras para mudar a sociedade. É um tema que me interessou todo este tempo. Ao chegar o Made in Galiza a tantas pessoas, eu mesmo descobri que a literatura tem, entre outras funções, mudar as cousas. Interessei-me, por isso, em procurar os caminhos que tem a palavra para transformar o presente. É assim que uma parte dos relatos são mais dissidentes, mais rebeldes, que quando só ficava espaço para a resistência. Este livro vá, enfim, contra a morte, e foi uma exploração nesse sentido. O que falamos, o que escrevemos, é transformador: as palavras podem mudar o mundo. O livro quer ser uma atualização disso, desde o optimismo.

O teu livro associa a língua, de facto, com atitudes e sentimentos positivos: os afetos, o prazer, os sonhos, e histórias "cheias de cores". Precisamos de mudar o discurso de defessa da língua nessa direção?

Vivemos um processo muito conflituoso e muito violento, e isso provoca dor e sofrimento. Mas as pessoas movemo-nos também por estímulos positivos, e aí é onde se situa este livro. Como diz o Garcia MC, de Dios ke te Crew, "rebeldia com alegria". A revolução tem de ter em conta a felicidade, precisa de um ânimo positivo. O sentido do humor é parte da resiliência, necessário para mudar uma situação social negativa. Este livro fala também das emoções, nesse sentido: o amor, a sexualidade... Por isso o optimismo. A ideia da República tem a ver com isso. O humor foi sempre parte dos processos de transformação histórica.

O livro reflete, também, uma concepção ecológica da língua. O ecologismo de Animais liga com a preocupação polos povos: o Curdistão, Palestina, neste livro os escravos... E esta com o ecolinguismo...

Eu formei-me como ativista social dentro dos parâmetros da luta pelas línguas no Estado: o galego, o euscaro, o catalão, o asturiano... O ecologismo também marcou muito o meu pensamento. Além disso, também é a tradição galega: o valor da nossa identidade, da nossa cultura, como célula de universalidade, como dizia Castelao. Temos essa tradição da identificação da língua com a natureza, com a ecologia. Depois chegou tudo o que estamos a redescobrir no século XXI, a nível internacional, e que pouco a pouco está a visibilizar-se no planeta, que é o tema dos povos do mundo, dos povos originários. É um tema que não interessa aos Estados, nem ao capital, mas que com a sociedade da informação e a comunicação não pode ocultar-se. Eu tive a sorte de entrar em contato com outros povos: o curdo, o basco, o bretão..., e vejo que cada vez é mais difícil invisibilizar este tema. Está em Galeano, por exemplo, e entre nós já estava em Rosalia..., mas é um processo que se acelerou, que nos reconhece como protagonistas aos povos.

Deste ponto de vista, da reivindicação da identidade e da cultura galega, é interessante a descoberta do reintegracionismo. A língua galega como chave do nosso património cultural, mas também como uma língua falada em muitos lugares do mundo, com expressão em qualquer âmbito social: a ciência, a tecnologia... Este livro é como uma continuidade do Made in Galiza, só que daquela não pudera sair ainda o nh. Eu estava na fase do ñ, polo que não podia visibilizar essa potencialidade da nossa língua. Agora sim é mais fácil harmonizar as diferentes dimensões: a ecologia, a diversidade cultural, a dimensão internacional do idioma... E nesse sentido também há neste livro um relato que fala da nossa língua –o galego ou português- como língua dum império que colonizou e segue a colonizar. Um tema interessante.

A política linguística está de fundo em muitos relatos. E dizes que não pode ser propaganda. Que tem de ser um processo social, participativo...

A propaganda é um recurso de comunicação mais, mas habitualmente devora, invisibiliza outras formas de expressão mais democráticas. Qualquer processo de transformação social deve sustentar-se na participação dos agentes sociais. Seja o que for: a igualdade da mulher, o desenvolvimento sustentável, a mudança dos hábitos de consumo... E no caso da língua, precisamos também da participação das pessoas que estão afastadas dela, dos castelhano-falantes. Esse é um dos grandes reptos, para as pessoas que pensamos que este país pode mudar. Quando uma pessoa ativa se mobiliza, com uma intenção social, estende a sua energia e as coisas mudam.

Chega com que três, quatro ou cinco pessoas trabalhem com generosidade para que os projetos saiam para a frente. Este livro tem também a ver, nesse sentido, com processos que estou a viver, como a minha participação na escola Semente ou na educação das minhas filhas, tentando ser um pai diferente aos da geração anterior. A participação social pode fracassar, mas a maioria das vezes o trabalho social e cooperativo tem uma repercussão. E eu acho que é possível transformar o país através da participação social. Neste livro está isso muito pressente, como estão as mulheres, as pessoas descapacitadas, os velhos, a juventude..., ou as pessoas que menos saem na tv e que estão invisibilizadas polo sistema e que querem, queremos, uma sociedade mais justa. E nos discursos sobre a língua também devemos colocar como protagonistas às pessoas.

Em relação com o anterior, dizias que, enquanto algumas pessoas não aprendem a falar em galego, outras aprendem, já de crianças, a não falar em galego, a não querer falar o nosso idioma.

Eu acho que temos de ter uma olhada o mais criativa possível sobre a nossa realidade, pois temos de representar as coisas do jeito mais claro possível. Porque assim como falamos da realidade, assim ajudamos a transformar. Eu sou neofalante, e descobri que não falava galego por isso, porque aprendera a não querer falar galego. Muitas pessoas têm competências mas não falam galego não porque não saibam ou não queiram, mas porque houve um processo social que lhes aprendeu a não falar o nosso idioma. E penso que temos de tentar, com argumentos divergentes, dar a volta ao discurso dos inimigos da língua, à ideia de que a situação dos dois idiomas à e mesma e de que cada um escolhe, ou essa falsidade da imposição do galego.

Por outra parte, já não serve o jeito de pensar a língua da década de 80 ou de 90. Temos de pensar desde a Galiza de hoje. Temos de nos atualizar constantemente. Há um problema social, um trauma social que causou o poder que teve e tem o nacionalismo espanhol no desenho do sistema educativo. E acho que temos de reagir ante isso. Uma via, entre outras, pode ser o humor. Como nesse relato em que o médico diz a um menino tatejo  que se quer fazer menos o ridículo  melhor que deixe de falar galego. Isto não é a parte mas original do livro, mas ajuda a perceber-nos a nós próprios como parte dum conflito.

É lástima que alguns dos relatos não sejam certos, que sejam inventados.

É que muitos sim são certos. Eu vim a John Malkovich a pescar truitas no rio Tambre, pode-se buscar em Google, na Ponte Maceira. Também é verdade o da mulher que estuda os dialetos dos carriços em Paris. Interessa-me o jogo com a distância entre a realidade e a ficção. A linha entre a realidade e os sonhos, a ficção, as câmaras ocultas, as lendas urbanas... , que liga com a tradição galega que já explorou Cunqueiro ou Miguelanxo Prado, e que é muito valorada fora do nosso país: essa fantasia galega, essa relação especial que temos com a fronteira que separa a realidade e a ficção. Por isso no livro há relatos que são mentira e semelham certos, e relatos que são certos e semelham mentira. Além disso, é um dos temas da sociedade contemporânea: como nos manipulam e fazem que achemos certas coisas falsas. Ou que a verdade seja difícil de crer: a tortura de Estado, por exemplo.

Dizias antes que já não é tempo de resistência, mas de ir além: de construir algo, desde o optimismo. Se calhar por isso este livro é diferente dos outros.

Há um relato em que falo de um conflito intergeracional que acaba em uma via morta, com gente jovem a perguntar, e agora que fazemos? Eu penso que este livro bebe muito das ciências sociais: a psicologia social, a animação sociocultural, a pedagogia... Todas as ciências que procuram a transformação social. Estamos a enfrentar-nos a um inimigo mais forte do que nós, em aparência. Só em aparência, porque não há nada mais poderoso que o poder da gente. Neste livro o que se vê é que o poder reside no povo. Nós, a cidadania, temos o poder. Isso era evidente no movimento Nunca Mais.

Quando eu fui à Subdelegação do Governo para comunicar que Area Negra ia fazer uma cadeia humana de 40 quilómetros, com mais de 40.000 pessoas, o político que me recebeu conhecia a magnitude de energia das pessoas e tinha medo, estava asustado. No Nunca Mais as pessoas estavam muito empoderadas. Foi um momento muito criativo, a nível social e cultural. Agora estamos num tempo diferente, mas há jeitos de transformação social que funcionam, como demonstra o reintegracionismo. E funciona através de um processo de participação e comunicação social muito criativo, vinculando a língua com a utilidade e a justiça social, necessidades e valores. E eu acho que posso contar melhor tudo isto com as minhas histórias do que com um ensaio...

Falavas antes da tua experiência como pai, mas a tua infância também está no livro.

Pode ser, sim. Eu sou profe, e a infância e a adolescência são processos de mudança pessoal. O contato com a infância sim é importante neste livro. A infância vive-se com aventura e curiosidade. Voltar a Pippi Langstrum, ir ao cinema a Portugal com as meninas para ver um filme na nossa língua. E si, no livro há algo disso...Reviver o sentido da aventura e a curiosidade das crianças. O livro tem, neste sentido, coisas autobiográficas, como as relacionadas com o mar. Queria reivindicar o mar da infância e a mocidade, quando ia pescar ao porto na Povoa ou quando remava em batel em Celeiro.

Há mistura de géneros literários, como em Animais.

Quando publiquei o meu primeiro livro, Odiseas, dixéra-me Manuel Outeiriño que semelhava que havia vários autores. Essa vontade de dinamizar a obra está presente desde o início. Como na fragmentação da sociedade atual. Salvando Orixe, que é um romance, ainda que também fragmentado, em tudo o que escrevi há essa diversidade. O caçador de bruxas, que é uma história curta, sim é linhal. No resto de coisas, há essa vontade de exploração. Além disso, este livro é o resultado de um processo de seleção entre 200 ou 300 textos escritos em 8 ou 9 anos, então, é claro, há diferentes tendências: o ensaio, o manifesto, a poesia.. Diferentes registos para expressar-me de um jeito mais ou menos completo. Por último, quando tenho tempo para escrever tiro mais polos textos curtos que polos romances de 500 páginas.

Comentavas antes que há muitas mulheres nos relatos. O tema do género está. Se calhar tem a ver com o que dizias: o esforço por educar as filhas no feminismo?

É um processo de aprendizagem também para mim. Estive a pensar nos últimos dias que as mulheres humoristas não são visíveis. É um exemplo. O mundo do humor é muito machista. É fácil fazer piadas machistas. Mas também há mulheres humoristas. Os relatos sim querem visibilizar a outra forma de ver o mundo. Quando uma história me pede uma mulher, faço que esteja conotada com uns valores: mulheres rebeldes, insubmissas, curiosas, criativas, que querem mudar as coisas.

Que são também mulheres que conheço, com as que tenho a sorte de conviver no dia a dia. Como as mulheres que conheci na Casa Encantada há anos, ou na escola Semente agora. Mulheres que querem ser livres e felizes. E sim, ao educar duas filhas, estás no meio da tensão entre a educação machista e o modelo feminista que queremos para elas. Mesmo há um texto que eu não posso explicar, sobre uma mulher que perseguem os caracóis. Tive que pedir a sua opinião a várias mulheres para perceber. E sim, acho que os homens temos de fazer esse esforço transformador, do mesmo jeito que não podemos mudar nada se as mulheres não partilham o processo.

Algo mais? Como mudaram as coisas para ti como autor desde que mudaste de norma?

Queria dizer que é muito interessante que haja editoras como Através, que continuem a tradição histórica do galego com NH e que se esteja a converter em um dos motores do sistema cultural galego. Eu já tinha escrito o Made in Galiza com nh, mas autocensurei-me à hora de publicar. Eu não estava preparado ainda para passar da teoria à prática do reintegracionismo. Esperei a Animais, e quando Galaxia rejeitou o livro –porque nom estava preparada para essa mudança social e política- Através abriu-me as portas. Agora escrever com NH é uma coisa que me dá muita energia. Sinto-me situado –ainda mais-  nas margens. Lembremos que de cada 100 livros que se vendem na Galiza só 7 estão escritos em galego. Mas com o NH afastas-te das instituições tradicionais e sentes que estas a participar na construção doutro país, mais galego mesmo, menos espanhol, sem enhes.

Mas eu sento-me muito bem, muito criativo, cheio da energia do movimento reintegracionista a acompanhar o meu individualismo. Além disso, fui adequando a minha literatura à minha língua. Porque trabalhei para fazer um discurso coloquial, para poder utilizar uma língua coloquial, nos relatos, para que haja também um modelo de língua coloquial em reintegrado, e não se identifique só com o ensaio ou a poesia. Também devo agradecer à gente de Através a sua participação para que o livro tenha um galego de maior qualidade. A gente que nos preocupa a língua estamos sempre a aprender. E nesse sentido Através lembra-me o espírito das editoras de princípio de século, a Ánxel Casal, ou a Galaxia dos primeiros anos: querem mudar de arriba abaixo este país com as palavras que publicam. E com os nossos NHs de toda a vida. E nada mais que dizer que tive a sorte de que o livro, como o Made in Galiza e as suas bombonas de butano, fosse desenhado por Pancho Lapeña, um Seoane do século XXI.


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