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viagemBrasil - Diário Liberdade - Viagem e retorno – uma análise de Retorno a Tagen Ata, de Xosé Luís Méndez Ferrín A literatura galega contemporânea é ainda pouco estudada e, até mesmo, conhecida pelo meio acadêmico brasileiro, vide as grades curriculares dos cursos de Letras e logo percebemos que pouco se tem a dizer sobre essa literatura.


Entretanto, há um esforço por parte de estudiosos da língua e da literatura galega em divulgar Galiza para o mundo. Portanto, esse trabalho também tem uma função de divulgação e para tanto faz-se necessário, nesse momento, traçar um panorama básico a fim de facilitar o rumo de nossa análise. O início do século XX foi marcado por inúmeras mudanças na sociedade tradicional galega. A começar pelo crescente processo de industrialização e pelo acesso à leitura de obras em galego. O primeiro tercio do século XX supuxo en Galicia o primeiro momento de crise da sociedade tradicional, que viñera perpetuando con esas modificacións un sistema con trazos tardofeudais ancorado na Idade Média.

A etapa inicial desta mudanza acontecida nas décadas de 1910 e 1920 tivo como resultados visibles o aceso do campesiñado á propiedade da terra, unha certa modernización da agricultura, a desaparición da clase rendista fidalga e un demorado crecemento da poboación... (IZQUIERDO, 2000, p. 229) Essa etapa da literatura galega ficou conhecida como segundo Rexurdimento, movimento literário do século XIX, que buscava resgatar a identidade e a cultura galega que sofreram uma enorme repressão durante o século XVIII ou Séculos Obscuros. Essa identidade foi cantada sobre a égide do sentimento da soidade, em virtude do grande processo de imigração do povo galego. Em contraposição ao século XIX cujo labor literário se voltou para a poesia, o século XX encontrou inspiração e forças nas narrativas e, sobretudo nos ensaios.

A primeira metade do século XX viu renascer o "ser galego" através das Irmandades da Fala, organização criada em 1916 com o objetivo de reunir os falantes de galego em uma comunidade a fim de resgatar a cultura, a língua e a literatura galega, em constante ameaça."... os intelectuais centrarán o seu labor no eido cultural, producindo froitos tan logrados que mesmo hai estudiosos que cualifican a etapa que vai dende comezos da década de vinte ata a Guerra Civil como segundo rexurdimento" (VILAVEDRA, 1999, p. 171) Entretanto, foi a partir da publicação da Revista Nós, em 1920, que a literatura galega tomou novos rumos, principalmente pelo crescimento de críticos literários que escreviam em galego. Nota-se que esta Revista serviu como importante instrumento para a defesa e esclarecimento das bases identitárias galegas, posto que seus escritos foram verdadeiros postulados sobre a terra, cultura e língua galega.

A publicação da Revista Nós foi tão importante que esse período ficou conhecido como Grupo Nós e teve os nomes de Castelao, Otero Pedrayo e Vicente Risco como figuras centrais. En Nós colaboraran practicamente tódolos intelectuais das Irmandades e. aínda que o concello de redacción estaba formado polo que hoxe se coñece como Grupo Nós, foi Vicente Risco quen mantivo sobre a publicación un control permanente. A revista supuxo un importante pulo ó erguemento dunha cultura literaria e humanística de calidade en lingua galega (VILAVEDRA, 1999, p. 172) Quanto à temática, o Grupo Nós valorizou a figura do labrego, ou seja, do agricultor para entender e explicar a identidade galega. Nesse sentido, o ruralismo refletiu uma imagem de "ser galego" que permitiu a criação de novos objetos de identificação. Apesar de toda essa força, o movimento do Grupo Nós, em muitos aspectos, ficou restrito ao meio universitário, logo a população não tinha muita informação e acesso ao que acontecia dentro dos muros da Universidade de Santiago de Compostela.

No entanto, não se pode negar o quão importante foi o trabalho desenvolvido por esse grupo de jovens rapazes universitários em Galiza. Alguns críticos defendem que o Grupo Nós foi responsável pela instalação do Modernismo na literatura galega, graças ao desenvolvimento de narrativas e ensaios mais reflexivos e ativos. Explícase así o predominio, dentro do xénero ensaístico, dos chamados [temas nacionais], que terían os seus máximos expoñentes nesas magnas obras que foron Terra de Melide (1933) do Seminario de Estudos Galegos, Síntese Xeográfica de Galicia (1926) de Otero Pedrayo ou a impresionante Santa Marta de Moreiras. Monografia dunha parroquia ourensán (1925-1935) de Ben-Cho-Shey, que non vería o lume ata 1969 (VILAVEDRA, 1999, p. 174) Além disso, é importante assinalar que a América Latina, sobretudo a cidade de Buenos Aires, serviu de refúgio aos galegos que não suportaram a repressão da Guerra Civil Espanhola. Além disso, foram eles: Exilados e Emigrantes, os que evitaram que se apagasse definitivamente a palavra literária galega: "Entre 1940 e 1944 publícanse en América 18 libros en galego" (VILAVEDRA, 1999, p. 214).

A segunda metade do século XX, por sua vez, teve um pouco mais de facilidade em termos de publicação, posto que o Grupo Nós preparou um terreno fértil para produções em galego, além disso, a situação da Galiza a partir de 1950 é um pouco diferente daquela das primeiras décadas, posto que nascia uma nova intelectualidade que não estava satisfeita com a situação miserável e periférica de Galiza. Contudo, é na segunda metade que vemos uma das maiores ameaças para a cultura e literatura galega. O Franquismo ou Ditadura de Franco (1926) quase destruiu todo um trabalho desenvolvido por séculos, em defesa de uma unidade sem sentido, Franco iniciou trabalhos de repressão a culturas tidas como marginalizadas ou periféricas, proibindo a publicação de textos que não estivessem escritos em castelhano.

Nesse momento, muitos autores foram exilados, torturados e até mortos. Galiza teve novamente de se levantar sobre as cinzas de seu próprio povo e dentro desse contexto de ditadura, Xosé Luís Méndez Ferrín, ganhou fôlego para escrever suas narrativas, sobretudo narrativas breves, posto que o público leitor de galego era ainda muito pequeno e isso se elevou com inúmeras atitudes repressivas da cultura, língua e literatura galega. Ferrín é um típico escritor engajado, que através da sua arte conseguiu manter viva toda uma língua e toda uma cultura. As instituições editoriais e algumas organizações com selo galeguizante, assim como a própria língua galega foram vítimas de uma intensa repressão pelo governo de Madri. Com isso, aumentou-se o êxodo e o exílio interior mostrava sua face dolorosa por toda a Espanha, entretanto o desprezo pelas culturas situadas à margem, fez com que muitos galegos fugissem de seu país."Hable bien. Sea patriota. No sea bárbaro. Es de cumplido caballero que Ud. hable nuestro idioma oficial, o sea, el castellano. Es ser patriota. Viva España y la disciplina y nuestro idioma cervantino. Arriba España! (Imprensa Sindical, A Corunha) Surge o movimento da Nova Narrativa Galega (N.N.G) cujos autores buscaram dar à literatura galega um caráter mais cosmopolita.

Poder-se-ia citar a importância das narrativas breves, posto que a partir do seu tamanho mais reduzido permitiu que um público mais vasto tivesse acesso a inúmeras obras em galego. A identidade galega, nesse contexto, foi analisada por um viés mais urbano. Portanto, temas como: a violência, o terror, a cidade e o viver urbano estiveram presentes em grande parte das obras. Como nos lembra Manuel Forcadela (1993) em Manual e escolma da Nova Narrativa Galega: Chamamos Nova Narrativa Galega (N.N.G) a un conxunto determinado de textos, vinculados a un grupo, tamém determinado, de autores, que se publican en Galicia entre 1954 e 1980 e que, tanto polas súas características estéticas como pola concepción particular da literatura que deles se desprende, supón un dos fitos máis importantes dentro da tradición literaria galega moderna. Cando falamos dos textos que se publican entre 1954 e 1980 estámonos a referir a un grupo delimitado de obras, escritas por homes e mulleres cunhas características xeracionais e de formación moi concretas (1993, p. 9) Foi dentro desse movimento que Xosé Luís Méndez Ferrín publicou grande parte de suas obras, inclusive Retorno a Tagen Ata, obra pela qual o autor utiliza uma série de siglas para narrar o retorno de uma personagem exilada à Galiza. Antes de qualquer coisa, é necessário explicar algumas siglas utilizadas nessa narrativa. Em primeiro lugar "Terra Ancha" que designa Espanha, logo após "Tagen Ata" que significa Galiza, logo Retorno a Tagen Ata, nada mais é do que um retorno à Galiza.

A narrativa inicia com a voz da personagem Rotbaf Luden que sonha com o retorno à sua pátria mãe: "Eu camiñaba seguindo a direción da estrada real vella. A Grande Fraga de Tagen Ata era coma unha campá enorme onde resoaba o araullo do meu corazón" (FERRÍN,1996,p.50). Nesse pequeno trecho podemos perceber que o sentimento pela terra mãe ultrapassa todas as fronteiras, confirmando a hipótese de Zygmunt Bauman de que o pertencimento a uma determinada nação nada ou pouco tem que ver com o processo de identificação dos sujeitos, ou seja, a personagem vive no exílio, nunca conhecera sua terra natal, mas, mesmo assim, guarda um sentimento de "eu" em relação à Galiza. Em outras palavras, a idéia (sic) de [ter uma identidade] não vai ocorrer às pessoas enquanto o [pertencimento] continuar sendo o seu destino, uma condição sem alternativa. Só começarão a ter essa idéia (sic) na forma de uma tarefa a ser realizada vezes e vezes sem conta, e não de uma só tacada (BAUMAN, 2005, P.18).

Podemos perceber todo o sentimento de amor e identificação por Tagen Ata, ou seja, Galiza quando a personagem vê ao longe sua terra mãe ainda no navio que a levara. Esse ato de retornar aqui ganha um tom diferenciado, não se trata de um retorno como concebemos, trata-se do primeiro contado de uma galega que viveu anos no exílio com sua terra.

Fica claro, que o exílio representa o não-lugar ou o lugar da desterritorialização, mas com o advento da modernidade o sujeito pode-se sentir desterritorializado no seu próprio país. A protagonista da narrativa Retorno a Tagen Ata de Ferrín se apresenta, trazendo mais algumas siglas que serão de vital importância para a compreensão da mesma: "Chámome Rotbaf Luden, son solteira, teño 23 anos e nascín numa colónia de azerratas da ilha de Anatí..." (FERRÍN, 1996, p. 51). Nesse caso, podemos interpretar "colónia de azerratas" como sendo uma colônia de galegos exilados e Anati como o nome do lugar onde ficavam os exilados, um pais, talvez. Em seguida, a personagem tem algumas crises de consciência, misturando presente, passado e memória num movimento de saudade da colônia de exilados. "Ai, que lonxe me parece Anatí, e todo o meu passado, dende que cheguei a Tagen Ata. A comunidade azerrata estaba formada por comerciantes e mais exilados políticos do país. Os xa nados en Anatí aprendiamos dos maiores a fala e os costumes de Tagen Ata e viviamos na lembranza da terra lonxana" (FERRÍN, 1996, p.52) Como foi dito anteriormente, Xosé Luís Méndez Ferrín escreve dentro de um período chamado de Nova Narrativa Galega e esse momento literário tem como característica a eliminação quase que total do elemento rural em prol de um caráter mais urbano e cosmopolita, isso explica, em parte, o tipo de escrita adotada pelo autor que evidencia um sujeito fragmentado e deslocado dentro do seu país e dentro de si mesmo.

É importante ressaltar que, atualmente, muitos galegos que vivem em Galiza, sentem-se mais espanhóis, mostrando mais uma vez que o pertencimento a um lugar não tem a solidez de uma rocha, além disso, como bem nos lembra Boaventura de Sousa Santos: "as identidades culturais não são rígidas nem, muito menos imutáveis. São resultados quase sempre transitórios e fugazes de processos de identificação"(SANTOS,2001,p.135). Além disso, como ressalta Benjamin Abdala Júnior: algumas nações não apresentam um Estado que as represente, a partir de então, ocorre um fenômeno de retorno a laços comunitários antigos. Já não ocorre, nos Estados nacionais que se configuraram na modernidade, a integração de várias regiões como acontecia anteriormente. Debilitam-se agora antigos vínculos de solidariedade e antigos laços de sentimento de parentesco que caracterizam uma nação. à força das pressões do capital globalizado (ABDALA JÚNIOR, 2002, p. 28) A narrativa começa com a figura da personagem Rotbaf Luden, após sua longa viagem em direção ao desconhecido, ela desembarca em Tagen Ata e para sua surpresa se depara com homens uniformizados que a interrogam, mas ela fala em língua galega e nota uma certa indignação desses soldados para com sua língua.

É importante ressaltar também que a personagem Rotbaf Luden desembarca para tentar encontrar Ulm Roam, uma espécie de líder galego, extremamente famoso em Anatí, ou seja, no exílio. Nesse sentido, é importante ressaltar que o ambiente retratado é o de ditadura Franquista, logo será recorrente a presença de soldados uniformizados e de temas como o terror, a tortura e a miséria. Rotbaf Luden sai em busca de seu encontro e pergunta sobre como encontrar Ulm Roam quando decide entrar em um pequeno bar para pedir informações: "O bar era minúsculo, como pequeno era o pobo" (FERRÍN, 1996, p. 60). Com uma série de acontecimentos insólitos, típicos das narrativas de Ferrín, a personagem consegue telefonar para o seu líder galego, entretanto ela nota algo de estranho na voz e na maneira como o mesmo conduz a conversa. Até o presente momento, encontramo-nos numa difícil tarefa de juntar os pedaços de personagens e de narrativas, posto que Ferrín, adotando, uma postura, por assim dizer, pós-moderna opta pela estética do fragmento, ou seja, há a presença de uma linguagem fragmentada, entrecortada que não deixa tão clara a visão sobre a narrativa, o espaço e os personagens.

Diferentemente dos romances realistas, o autor pós-moderno adquire uma postura fragmentada. David Harvey em A condição pós-moderna (1992) discorre sobre a importância do fragmento para as narrativas pós-modernas: o modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção. O pós-moderno, em contraste, privilegia a [heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras da redefinição do discurso cultural]. A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais (para usar um termo favorito) [totalizantes] são o marco do pensamento pós-moderno (HARVEY, 1992, p. 19)

Dentro desse paradigma podemos admitir que os personagens e o espaço de Retorno a Tagen Ata necessitam desse caráter fragmentado, justamente por se tratar de uma obra publicada durante a Ditadura e que poderia sofrer inúmeras advertências. Isso explica o grande número de uso de siglas e de personagens deslocados. Concordamos que um dos adventos da Modernidade foram as descobertas do inconsciente por Sigmund Freud cujas certezas e verdades absolutas caíram por terra, dando espaço a imensas divisões, fragmentações de "eus". Normalmente nada nos é mais seguro do que o sentimento de nós mesmos, de nosso Eu. Este Eu nos aparece como autônomo, unitário, bem demarcado de tudo o mais.

Que esta aparência é enganosa, que o Eu na verdade se prolonga para dentro, sem fronteira nítida, numa entidade psíquica inconsciente a que denominamos Id, à qual ele serve como uma espécie de fachada (FREUD, 2011, p. 9) Em um dado momento, percebe-se uma maior fragmentação da personagem Rotbaf Luden e de Ulm Roam, sobretudo no que tange às suas respectivas caracterizações. Diferentemente de um personagem como Emma Bovary de Gustave Flaubert, os personagens de Ferrín em Retorno a Tagen Ata mostram-se obscuros, apagados, lembram pequenos pedaços que se juntam e, às vezes, não fazem sentido, quer dizer, os personagens dessa obra não seguem uma lógica linear, mostram-se contraditórios, enganosos, estranhos e, em grande medida, fantasiosos. A penumbra facíase menos densa, outros clientes mantiñanse cos cóbados na mesa, bebendo viño ou xerros de cervexa. Um crego esquelético contemplaba con fixeza o calendario no que un soldado de quepis, capote recollido atrás e vendas nas canellas. Tocaba moi ledo o cornetín. Do cornetín surtía unha nube rosada cun letreiro no seu seo que invitaba aos mozoz valentes a engacharse na lexión estranxeira de Terra Ancha (FERRÍN, 1996, p. 56)

Poder-se-ia assinalar que a própria figura mística de Tagen Ata, ou seja, Galiza é personificada numa imagem insólita ou fantástica, posto que em alguns trechos há a impressão de que o lugar fala, sussurra os horrores de uma terra em plena ditadura. Tzvetan Todorov em Introdução à literatura fantástica (1980) admite:"A expressão [literatura fantástica] se refere a uma variedade da literatura ou, como diz normalmente, a um gênero literário" (1980. p.5) Nesse sentido, concordamos com Flávio Garcia em O realismo maravilhoso na Ibéria Atlântica: a narrativa curta de Mário de Carvalho e Méndez Ferrín (1999) que a obra Retorno a Tagen Ata estaria circunscrita no chamado Realismo Maravilhoso que aparece em grande parte das obras do século XX, posto que as verdades das ciências já não satisfaziam um público cada vez mais perdido e deslocado.

Adentrando o século XX, com a relativização do conceito de [verdade], a ultrapassagem de um positivismo desgastado, a necessidade de rever a identidade humana, sua história, seus processos, deixa de se justificar, enquanto tendência majoritária, a estética do Fantástico. O homem não mais põe em xeque a razão, mas a verdade única da razão. Abandona-se o [jogo] labiríntico, em que se buscava a saída, para agora então se procurem saídas possíveis. Fragmentam-se conceitos antes forjada e forçadamente unitários, únicos, unívocos (GARCIA, 1999, p. 34) Vemos claramente a manifestação dessa estética na figuração dos personagens de Retorno a Tagen Ata, principalmente quanto à imprecisão das informações e dos nomes dos lugares e personagens. . Recibín unha chamada telefónica: ei sería recibida no Bar Encantiño, na aldea de Ok. Non podía perder de vista a clandestinidade (ollo, moito ollo). O bar era minúsculo, como pequeno era o pobo. Unha porta de carballo renxeu ao ser empuxada por mim. De primeiras non vin nada. Cando os meus ollos se foron afacendo á penumbra, percibín unha peza cadrada, con algunhas mesas de madeira esparexidas. Senteime nunha ocupada xa por unha figura borrallenta (FERRÍN, 1996, p. 60) Todo o ar de mistério e fragmentação que rondam a figura da personagem Rotbaf Luden persiste durante todo o decorrer da narrativa, porque ela precisa encontrar Ulm Roam e entender sua missão em Tagen Ata, ou seja, Rotbaf representa a imagem da galega exilada que tem de batalhar por seu povo, entretanto esse é o primeiro contato vivo da personagem com a terra mãe. Ela se depara com uma realidade triste e misteriosa. A descrição do lugar é sempre com adjetivos melancólicos e estranhos. A voz do home era feble, soaba a fatiga. Nun curruncho da taberna un mozo líalle apaixonadamente en língua azerrata á súa compañeira. Soaba monótono. O rapaz tiña longos cabelos, e fumaba seguido, interrompéndose, tusindo. As palabras chegavan a min, apenas enfiadas. Tiñan, seguro, algo de nova luz, de ferro, de musculatura. Sentín que unha cousa vivaz e dinámica atentaba contra pesadas roupaxes ancestrais que me vestisen. Noteime perdida en Tagen Ata. Impacienteime (FERRÍN, 1996, p. 61) Nota-se uma personagem perdida, deslocada, fragmentada dentro de uma terra da mesma forma, uma terra fragmentada, difusa e encoberta. Dentro desse paradigma, Méndez Ferrin nos faz enxergar a situação de uma Galiza massacrada, perdida e quase sem esperanças. As sombras que compõem essa obra mostram um autor que escreve durante a ditadura e que foi impedido de ser mais claro, utiliza inúmeras siglas e códigos de difícil compreensão para um leitor não familiarizado com a estética ferriniana. O que Ferrín pretende é mostrar que Galiza lança seus últimos suspiros enquanto seu povo se perde em meio à repressão. Ao mesmo tempo, a obra nos mostra as mudanças que ocorreram em Galiza durante grande parte do século XX, sobretudo com um intenso processo de industrialização e urbanização, então nota-se ainda a mistura dos ambientes rural e urbano compondo um cenário confuso. Collín, pois logo, o tranvia que había de levarme a T. onde ela resídia, e grande foi a miña sorpresa cando, ao pouco de deixar a zona onde se achava pousada, o campo escomezaba a transformarse en cidade. Mesmo semellaba que, ao esconxuro dos mil sonidos metálicos do tranvía (FERRÍN, 1996, p. 64)

A narrativa prossegue pelos tortuosos caminhos de Tagen Ata, e a personagem Rotbaf Luden sai em busca de seu líder Ulm Roam. O momento do encontro demonstra o deslocamento de ambos os personagens. A recém-chegada Rotbaf pouco entende sobre a vida atual em Tagen Ata e seu diálogo com Ulm Roam é um tanto desconexo. - Chámome Rotbaf Luden. - Ulm Roam. Sorriu. Tiña uma boca murcha e fermosa. O seu longo nariz inquiriu na miña dirección. - Tivo uma boa viaxe? - Si, beizón. - Ben chegada a Tagen Ata. Xa mo dixo o cheiro. - Perdón? Dende o barco. Chegou a min o cheiro do país. Deume a boavinda (FERRÍN, 1996, p. 74) A figura enigmática de Ulm Roam que, até então, era tido por Rotbaf como um grande líder da causa galega, ou melhor, de Tagen Ata se mostra enganosa. Ulm demonstra já um certo cansaço em lutar por Tagen Ata, elucidando a impossibilidade de se vencer a Terra Ancha, ou seja, Espanha. E com um tom de revolta e tristeza declara: O país! Levo vintecinco anos, un cuarto de século, entregue ao país, auscustando a súa sustancia. Fica moi pouca cousa dun pobo despois de severa reflexión. A penas unha presada de vaguidades que, en todo caso, poden servir de materia para un ensaio máis ou menos brillante. Por isso, hai tempos que non escribo (FERRÍN, 1996, p.74)

Poder-se-ia situar Galiza e a literatura galega nos termos de não-inscrição de José Gil (2004) em Portugal hoje: o medo de existir. Embora o autor discorra sobre a realidade portuguesa, podemos fazer uma ponte com Galiza e sua literatura que não estão inscritas, ou seja, não perderam todo seu arcabouço conservador deixado pela ditadura Franquista. Mesmo com autores como Xosé Luís Méndez Ferrín que tenta recuperar a memória dos tempos mais turbulentos de Galiza, suas obras retratam seres que ainda estão presos ao medo, ao conservadorismo e, sobretudo negam Galiza e sua cultura. Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo (de uma forca), o morto e a morte virão assombrar os vivos sem descanso. Num outro aspecto ainda, a não-inscrição parece mais grave por não se ter liquidado a si própria, já que a herdamos também do salazarismo. Se, num certo sentido, se disse ate há pouco (hoje diz-se menos) que “nada mudou” apesar das liberdades conquistadas, é porque muito se herdou e se mantém das antigas inércias (GIL, 2004, p. 16-17) A temática da viagem nessa obra nos é apresentada como algo utópico, com um retornar glorioso para a terra mãe, entretanto o que se vê é uma sociedade atrelada aos antigos costumes e sendo massacrada pela ditadura de Franco, logo todo o espaço onde se desenrola a narrativa é um espaço de duvidas, de deslocamento e de nevoeiro.

A constatação da personagem ao retornar a Galiza é essa, que toda a cultura, língua e literatura estão presas a um nevoeiro sem grandes chances de mudança. Nota-se, nesse sentido, o intenso uso de siglas para tentar inscrever esse povo que foi subjugado por diversas forcas, siglas usadas para fugir da censura e conseguir levar ao publico galego uma literatura que, em certa medida, pudesse repensar a identidade galega. Essa imagem de volta em si mesmo nos faz lembrar a pintura de Maurits Cornelis Escher, Relativity de 1953 que nos mostra escadarias em preto e branco com pessoas andando sem rumo. Na pintura não há fim, não há começo, não há saídas, corroborando para o efeito de nevoeiro, de prisão, de claustro.

O final da narrativa encaminha-se para o trágico, posto que Rotbaf Luden no desespero de seu amor por Ulm Roam e, ao mesmo tempo, desapontada com esse galego que desistira da luta. E logo depois de uma noite longa de amor e sexo, atirou em seu amado e traidor e deixou uma carta de despedida dizendo: Ulm Roam, Estás trabucado, que é a maneira máis académica que atopo para dicir que es un traidor. Sei que non collerás o bon camiño porque fas parte da grea dos poderosos, e mesmo lles dás beleza e cord aos seus principios. Serás, seredes rebasados. O vento da historia sopra doutro ponto. Estou fondamente namorada de ti. Quíxente dende sempre e querereite sempre. Adeus para sempre. Rotbaf (FERRÍN, 1996, p. 84)

Com esse final trágico, Ferrín denuncia que há um deslocamento grave em Galiza. Em se tratando de um autor engajado, não se pode deixar de pensar que Retorno a Tagen Ata discorre sobre a fragmentação de Galiza e de seu povo. Através da analise da viagem nessa obra, podemos perceber que a literatura galega precisa repensar-se o tempo todo, a fim de tentar encontrar uma forma ou formas que definam sua identidade. Ferrín parece bem claro ao tratar do deslocamento seja do ambiente seja dos personagens que não acreditam mais em sua cultura, salvo a protagonista Rotbaf Luden que nasceu na colônia de exilados e teve seu primeiro contato com Galiza. Nesse sentido, a viagem veio como um meio de esclarecimento da realidade local, logo é preciso viajar por Galiza para reconhecê-la e, de certa forma, modificá-la.


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