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080714 murguia manuelGaliza - PGL - [Joám Lopes Facal] Em 1833 morria Fernando VII, meses depois do nascimento de Manuel Martínez Murguia no lugar de Frojel, paróquia de Santo Tirso de Oseiro, numha casa hoje desaparecida pola incúria social e a desmemória.


Em 1923 proclamou Primo de Rivera o regime ditatorial que serviu de prelúdio à II República espanhola. Em 1920, três anos antes da morte de Murguia e do golpe militar de Primo de Rivera, via a luz a revista Nós que ia servir de signo identificador da magnífica geraçom dos Risco, os Pedraio, os Cuevilhas e sobre todo de Castelao; a geraçom que conseguiu culminar o relato de Galiza naçom. De facto, o nacionalismo galego actual nom foi capaz de avançar um só passo sobre o discurso nacionalitário de Castelao e o actual presidente da Junta da Galiza, líder do partido da direita centralista que governa o país, vê-se obrigado a tributar vãs invocaçons periódicas em comemoraçom de Castelao.

Conserva-se umha carta de 1922 dirigida por Valentim Paz-Andrade a Murguia onde lhe solicita autorizaçom para publicar El Caballero de las botas azules no jornal Galicia: a plena modernidade que o jornal anunciava negociando com o longevo patriarca de levita e cartola. Murguia, amigo de Faraldo, o activista da revolta de 1846, alcançou a dar-lhe a mao à geraçom republicana que redigiu a agenda actual do nacionalismo galego.

A biografia de Murguia tem algo de intemporal e proteico na sua capacidade para unir o romantismo liberal revolucionário que inspirou a mocidade do patriarca com a convulsa modernidade sobrevinda após da Primeira Guerra mundial. Umha biografia em todo o caso esquiva e imprecisa por esse estranho pudor que sobre ela sementou o seu protagonista. Marcado por duas mulheres — umha mae ocultada e umha esposa mitificada já em vida, consagrada depois de morta e feramente independente toda a sua vida — assediado por apertos económicos e má administraçom, rebelde precoce ante um pai impositivo, a vida de Murguia está impregnada de silêncios e, seguramente, de remorsos sobrevindos. Contou sempre com o apoio de Rosalia e com a veneraçom dos maiores poetas da Galiza, Pondal e Curros. Também com a malquerença da Pardo Bazám e de Fernández Florez e com a inimizade de Lamas Carvajal e mesmo, para a minha surpresa, de Noriega Varela. De Noriega, a quem lhe devemos a proclamaçom em estrofe perdurável da maternidade rosaliana dessa criatura que é “bem que se padece e mal de que se gosta” e que chamamos Saudade:

Sol a queima e auga a molha
E anda a pobrinha sem guia
buscando quem a recolha
desque morreu Rosalia

O tempo todo o nivela, fica o poema.

Nom é possível abordar a figura de Murguia sem se ter revestido de um profundo sentimento de respeito polo home singular que fijo história —a nossa— e sem dispor de um sólido acervo de sabedoria histórica capaz de desvendar a vertigem do longo percurso de umha biografia que atravessa dos séculos. X. R. Barreiro Fernández, historiador de profissom e vocaçom e décimo presidente da RAG (2001-2010), reúne todos os requisitos precisos para acercar-nos a quem foi o primeiro presidente da instituiçom (1906-1923). Barreiro é credor de importantes contributos à história contemporánea da Galiza; de todos eles reservo o meu maior respeito e admiraçom para duas obras singulares, capazes de conjugar optimamente erudiçom biográfica e contexto histórico. Penso nos dous tomos de Parlamentarios de Galicia 1810-2001 e na biografia Murguia[1]. Esta última, que agora comentamos, é umha obra sólida e minuciosa, concisa contodo, apesar das suas novecentas páginas e as suas exaustivas referências documentais e onomásticas, devido ao seu comedimento interpretativo. Barreiro é um historiador que nom gosta afastar-se demasiado do relato documentado. Ramom Máiz e Justo Beramendi som as referências inescusáveis quando queremos transcender a peripécia biográfica e interpretar as linhas de força que atravessavam o mapa da Galiza proto-nacionalista que Murguia habitou.

O texto de Barreiro Fernández é descontraído e alheio ao perigo retórico. É de agradecer quando se aborda a vida de um fundador. Infelizmente, nom faltam na obra exemplos de desleixo gramatical, inesperados em tam eminente académico da RAG. Quero lembrar dous especialmente agressivos: “Chegoulle ademais unha noticia que lle afectou moito…” (p. 371); “Emilia, nim visita a Rosalia nin, por suposto, lle axuda…” (p. 642). Veu-me às mentes um dos meus rótulos preferidos que adornou algum tempo umha das linhas de autocarros urbanos de Santiago: “Este autobus lévalle á Area Central”. E ainda umha crítica circunstancial que me foi remetida em datas recentes: “en vez de tanta artificiosidade lusista mellor faría en praticar o galego tal como existe hoxe e deixarse de ideas trasnoitadas de purismo lingüista e lusista”. Os eminentes doutores do galego infuso, difuso e com denominaçom ecológica de origem gostam de ministrar este tipo de liçons de autocarro mal rotulado.

Barreiro Fernández oferece-nos umha aproximaçom minuciosa e dificilmente superável sobre o autêntico precursor da Galiza naçom. Los Precursores é o título do seu livro mais incitante e comovedor. Um convívio literário com os amigos mortos, de tonalidade romántica e propósitos premonitórios da Galiza redimida. De extravagantíssimo qualificou o livro Menéndez Pelayo sem deixar de apontar o “ridículo separatismo” que o orientava. Murguia foi o autêntico precursor, o primeiro oficiante no altar de Rosalia. Castelao cita o patriarca doze vezes no Sempre em Galiza por catorze a Rosalia. Devemos-lhe a Barreiro esta visita demorada e cordial ao enigmático Olimpo em que habitou sempre o Patriarca.


Notas:

 X.R. Barreiro Fernández, coord. (2001): Parlamentarios de Galicia, 1810-2001, Parlamento de Galicia.
X.R. Barreiro Fernández (2012): Murguia, Editorial Galaxia.

Joám Lopes Facal: Nascim e vivim na aldeia até os quinze anos, Toba, ao pé da ria de Corcubiom, frente ao Pindo. Figem-me economista despois de engenheiro e aí desenvolvim a minha atividade profissional até o momento de me reformar. A economia é ademais um vício particular: ler atentamente e tentar compreender a informaçom económica cotidiana, ter sempre sobre a mesa um livro de economia.


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