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gz escGaliza - Praça - [Joám Lopes Facal] O referendo de autodeterminaçom escocês de 18 de setembro de 2014 conseguiu atrair a atençom pública mundial como poucas vezes consegue um processo desta índole.


O facto de a partida se jogar na democracia mais admirada e sólida do mundo conferiu especial releváncia ao evento, como já acontecera com os referendos do Quebeque de 1980 e 1995. O Canadá e a Gram-Bretanha, nada a ver com países assediados por fantasmagorias obsoletas, impróprias do nosso tempo informado e interdependente, do argumentário habitual dos oficiantes do statu quo.

O processo constitui umha desqualificaçom dos princípios que consagrárom os estados nacionais westfalianos desde 1648, baseados no reconhecimento da soberania jurisdicional incondicional de cada um e na proibiçom de intervir nos assuntos internos dos restantes. A Uniom Europeia é umha construcçom pós westfaliana em andamento: ja nom há apenas assuntos internos.

A claridade da pergunta formulada, o escrupuloso respeito de Westminster e Buckingham perante a consulta e o exemplar comportamento do movimento nacionalista escocês e da totalidade da cidadania envolvida é o autêntico património de culturas políticas maduras. Umha liçom inesquecível para as democracias que nom dam superado o qualificativo pejorativo de “jovens democracias”. Espanha, por exemplo.

Depois da Escócia vem a Catalunha. O processo catalám dificilmente vai culminar o seu processo numha votaçom irreprochável e pacífica como a escocesa, mas, já ditou a sua liçom de civismo e nom vai ser possível esquecê-la. A rota das liberdades coletivas e o seu conteúdo mesmo, devem acompassar-se ao pulso de um tecido cívico informado e comprometido. Nom valem atalhos que nom passem pola ativaçom da consciência cívica.

Reclamar o pleno reconhecimento das naçons culturais existentes, como a galega, nom é incompatível com o devido respeito às posiçons adversas, partidárias de potenciar o acervo comum como garantia de convívio e progresso. É parte da dialética identitária de toda sociedade plural. O obstáculo imediato é mais bem o cansativo discurso centralista que insiste em conferir o dom de perenidade a um texto constitucional que é apenas o número oitavo em duzentos anos: 1812, 1834, 1837, 1845, 1869, 1876, 1931 e 1978. O florido repertório intelectual com que se pretendem denegrir as “demandas de reconhecimento” – balcanizaçom, cantonalismo do século XIX, armadilha de elites regionais com fins inconfessáveis, antieuropeísmo aldeano, etc. – deveria tentar confrontar-se com as ponderadas razons esgrimidas polo filósofo canadiano Charles Taylor em favor das “demandadas de reconhecimento”1. Um assunto de atualidade.

O conflito histórico catalám nom vai dissolver-se por ensalmo como já aprendera o presidente Azaña. O basco e o galego tampouco, sejam quaisquer que forem os seus tempos e particularidades. O jogo do café para todos é umha pesada rémora que nos legou a interessada leitura do artigo 2 da Constituiçom espanhola que, embora enfatize a indissolúvel unidade da pátria, também estabelece a (reprimida) diferença entre nacionalidades e regions, logo após pervertida pola conjura do nacionalismo espanhol com os nacionalismos rémora2 em seguida sobrevindos.

Reparemos nos estatutos de segunda geraçom, nascidos da reforma do catalám de 2006. Todos nascem confirmados com os santos óleos nacionais. O artigo primeiro de todos eles serve para elevar à dignidade de nacionalidade histórica o respetivo território. Além do catalám, que merece o qualificativo por imperativo histórico, adoptam tal denominaçom os estatutos valenciano (2006), andaluz (2007), aragonês (2007) e balear (2007). O andaluz, ainda define à comunidade no seu Preámbulo como “realidad nacional”, a proposta do ex-ministro da UCD Clavero Arévalo. Blas Infante conformava-se com um símbolo da fé mais discreto: “Andalucía por sí, para España y la Humanidad”. Nom estará de mais lembrar que o desmaiado intento de revisom do texto estatutário na Galiza ficou interrompido porque as senhorias envolvidas no assunto se assustárom sobremaneira quando alguém propujo aludir no Preámbulo à “naçom de Breogám” do nosso hino oficial.

O estatuto valenciano alcança níveis de virtuosismo emulatório dificilmente superáveis. Na sua disposiçom adicional segunda estabelece: "qualquer modificaçom da legislaçom do Estado que, com carácter geral e no ámbito nacional, implique unha ampliaçom da competência das Comunidades Autónomas será de aplicaçom à Comunidade Valenciana". É a conhecida como cláusula Camps. O personagem, ao contrário de Clavero Arévalo, nom precisa de presentaçom.

Talvez convenha recordar que as descontraídas redaçons dos “estatutos de segunda geraçom” coexistem com um amplo movimento em prol da devoluçom de competências ao poder central. Fino vai ter que se mover o bisturi federalista para tratar com igualdade o que deve ser igual e com discernimento o que é diferente. Umha terceira fornada de estatutos de novíssima geraçom poderia produzir resultados letais. Si, de acordo, qualquer rémora tem direito a sonhar-se baleia, mas só na medida em que seja capaz de sonhar um desafio a Moby Dick. As demandas de reconhecimento som extraordinariamente persistentes quando assentam em sólidos alicerces identitários, a língua como primeiro.

Os politólogos mais perspicazes do momento – nada a ver com os casinos domésticos – baralham actualmente a possibilidade de abrir umha nova etapa autonómica presidida polos princípios de assimetria e plurinacionalidade. Recém-saído do duche escocês, o Prime Minister David Camerom referia-se com orgulho británico – onde, como é sabido, cabe sempre cabe um ponto de ironia – “às nossas quatro naçons”. Excelente mostra de pragmatismo para um país tam fosco como o que habitamos. O PSOE ensaia agora no tabuleiro de xadrez da política espanhola umha prudente abertura de signo federalista. Umha abertura plurinacional e assimétrica apontaria ao alvo certo sempre que contar com mestres xadrezistas no tabuleiro, qualquer abertura alternativa de signo defensivo correria o risco de alentar os que preferem jogar rugby para dirimir a contenda.

E agora o nacionalismo galego. Que aprendeu, que deveria fazer? Confesso que gostei do tom http://www.sermosgaliza.gal/opinion/xose-mexuto/escocia-decide-asi-escocia-gana/20140919073750030697.html" da crónica valorativa da autoria do director do Sermos Galiza, Xosé Mexuto, acerca da consulta escocesa. Fugindo da timorata tentaçom defensiva de “aqui nom passou nada que nos incumba”, Mexuto atreve-se a destacar que a autêntica vitória do processo reside na conquista do direito a ser consultado, e esta, na existência de umha sólida presença parlamentar, institucional e social. Apontava Mexuto a estes objetivos como tarefa inadiável. Abstinha-se de aludir aliás ao baixo nível da consciência nacional, autêntico ego te absolvo do imobilismo estratégico.

Que figemos, que fijo, o nacionalismo galego durante os últimos cinquenta anos para que o povo se desentenda da sua mensagem? Pouco mais que contrapesar o inerte possibilismo bipartidista, sempre disposto a esquecer “lo de Galicia” ante as fraternais demandas dos companheiros com mando em Madrid. Crispaçom por um lado, submissom por outro.

O nacionalismo galego desaproveitou o legado da consciência republicana da geraçom de Castelao. Democracia? Foi qualificada de miragem e engano a nom ser a da variedade “real” que era outro falar. Mestres? Argélia (1954-1962), Vietname (1959-1975), Cuba (1959), guerrilha latino-americana dos sessenta, setenta, oitenta. O nacionalismo galego criou teorias, estratégias, tácticas; levantou com admirável esforço frentes, sindicatos e coordenadoras vizinhais. Denunciou ante a cidadania o engano estatutário e a recuperaçom do corpo de Castelao. Também, por desgraça, denunciou dissidentes, divergentes e discrepantes, mesmo achou traidores. Eram  tempos em que as organizaçons se fortaleciam mediante expulsons. Depois vinhérom as crises, cada vez mais destrutivas. A última especialmente. O assemblearismo para todo serviu salvo para fazer frente ao problema crucial: a organizaçom de um partido para umha sociedade plural. Serviu si como biombo para guardar princípios inoperantes e como instrumento para equilibrar pequenas egolatrias e diferenças. Fora do círculo, o litúrgico latim dos oficiantes, quando transcendia, apenas se entendia. A imprensa explicava-o à sua maneira. Á que convinha aos poderes provedores das consabidas mensagens do sentido comum e das muito tangíveis dádivas por bom comportamento.

O moinho inexorável da história foi moendo velhas certidons, como o comunismo patriótico e só ficárom incólumes as estátuas totémicas: o imperialismo, o europeísmo, o neoliberalismo, o espanholismo, o entreguismo. Lemos em Bioy Casares: “O mundo atribui os seus infortúnios às conspiraçons e maquinaçons dos grandes malvados. Entendo que se subestima a estupidez”. A literatura sempre acerta com as palavras, como os moinhos de vento de Sancho. 

A magnitude da agra aberta ao labor do nacionalismo galego é proporcional ao tempo estragado em desafiar gigantes que eram moinhos: “Vamos moi atrasados, non podemos perder un minuto, non podemos perder de vista o esencial, poñámonos á tarefa” concluía a sua crónica Xosé Mexuto. Nom podemos por menos de concordar.

Surfar sobre a conjuntura política sem praticar mudanças é tam fácil como consolador. O assunto é que o exercício cede o protagonismo ao bipartidismo turnante da Restauraçom estabelecida e nom serve como protecçom frente a newcomers: Podemos, por exemplo.

Conviria indagar no quê e no para quê do nacionalismo, mas, antes de nada talvez, na sua distribuiçom no tabuleiro político presente. Quantas modalidades de nacionalismo há hoje sobre o cenário?


 

 

1-  Taylor, Charles (2009): El multiculturalismo y la política de reconocimiento, Fondo de Cultura Económica, México.

2- Rémora: Espécie de peixes teleósteos dos mares tropicais, que possuem corpo fusiforme, e um disco cefálico com o qual se fixa a outros peixes, tartarugas, golfinhos e baleias. Quer dizer, a Catalunha.


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