1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (0 Votos)

050314 Monfero mosteiro GalizaGaliza - PGL - [Edelmiro Momám] A história da minha linhagem paterna é a história da luta pela supervivência dos labregos galegos perante a desmesurada cobiça da igreja.


 

Uma história intimamente ligada à turbulenta expansão, ao longo da idade média e até já bem entrados na moderna, dos domínios do mosteiro de Monfero. E fero foi, abofé.

O que aconteceu realmente é difícil de saber a ciência certa, pois toda a documentação da que dispomos provém do próprio mosteiro e da Audiência encarregada de dirimir o derradeiro dos pleitos. Segundo a igreja, sem dúvida o mais grande falsificador documental da história da humanidade, os vizinhos não pagavam os foros e até roubavam no mosteiro. Havia que trazê-los ao rego.

Porém, uma longa história de conflitos, que começaria, sempre segundo a pouco fiável documentação eclesiástica, no 1177 e não remataria até o franquismo, evidência que os vizinhos nunca aceitaram de bom grado a usurpação das suas terras por parte dessa igreja.

No último episódio deste dilatado conflito, já a começos do XVIII, seria o próprio crego de Lavrada, dom Mateo de Cora, quem instaria os vizinhos a reclamarem a propriedade das suas terras e a portarem pleito contra o mosteiro. Contratam o senhor procurador dom Sebastián Baamonde.

O abade, depois de analisar o caso, envia as forças de ordem contra os vizinhos do Buriz. Batem com a resistência de 30 mulheres e alguns homens e crianças que são duramente reprimidos. Mas resistem. Dous dias mais tarde voltam com reforços as forças repressivas e fecham os rebeldes, que serão vigiados durante o seu cativeiro por 90 homens armados.

São os feitos conhecidos como a revolta de Lavrada e do Buriz, nas abas da Serra da Loba, ou, por palavras do Matias, onde o lobo come a gente.

A Audiência, como poderia ser doutro jeito, dá a razão à igreja, mas, em primeira instância, condena os vizinhos apenas a pagar a metade das costas do juízo. Porém, o mosteiro recorre. Cumpre que o castigo seja exemplar. Em segunda instância, os vizinhos são condenados a pagar quantiosas multas assim como a compensar o mosteiro pelos foros não pagos. A suposta dívida é imensa e condenará à miséria todas as gerações posteriores nestas terras, outrora prósperas.

Embora isto seja anedótico, até o sacerdote e o letrado, de Cora e Baamonde, respectivamente, foram, como incitadores da revolta, sentenciados a pagar ao mosteiro os seus bons 18.000 maravedies.

Como consequência destes execráveis sucessos, o anticlericalismo nestas paróquias é, ainda hoje, visceral, embora, até onde nós sabemos, os vizinhos nada disto lembram.

Não admira que no século XIX, após a aprovação do decreto de extinção de ordens monásticas em 1820, o mosteiro de Monfero seja saqueado e destruído por uma vizinhança cheia dos seculares abusos do clero.

Dito seja de passagem, o conflito da igreja com os habitantes destas terras parece não atingir apenas os vivos, se não também os próprios santos. Assim, diz-que o Vaticano quer extinguir o culto de São Cristóvão (lugar natal do meu pai) e de São Roldão, gigante, cujo cavalo ou ele próprio, em função das versões, teria deixado a sua pegada em duas das “pedras do povo” que abundam na contorna e até cortado uma terceira pena em fatias com a sua espada.

Mas, voltando ao mundo dos vivos, cumpre assinalar que as consequências políticas do anticlericalismo acima mencionado pervaderiam a história até o mesmíssimo século XX. Após o golpe de estado do 1936, e com a Galiza já em mãos do fascismo, um outro crego de Lavrada tinha uma lista negra com os nomes das pessoas da paróquia que deviam ser fuziladas. Diz-que o primeiro na listagem era o do meu avó Filipe. “Rojo” estava escrito acarão do seu nome. Minha jóia. Como havia ser “rojo” se era quase analfabeto? Nem sabia o que era isso. Mas ele, como muitos outros vizinhos, não pisavam a igreja e trabalhavam todos os domingos. Ergo, tinham que ser “rojos”.

Salvou-os um capitão da república que andava escapado. Uma noite diz-que foi visitar o seu antigo amigo o crego, que já estava na cama. A criada tentou ganhar tempo, mas o capitão, que conhecia o seu amigo, abriu-se caminho escadas arriba. Encontrou o velho a tentar fugir pela janela, ainda em roupa de dormir. Achegou-se a ele e pôs-lhe uma pistola na caluga. Perguntou-lhe pela lista negra. O crego porfiou em não saber nada disso. “Tú me conoces”, disse. O capitão respondeu, “Conheço, e porque te conheço aviso-te de que se lhe passar qualquer cousa a um vizinho da paróquia, tu vás detrás”.

Hoje nesses lugares do São Cristóvão, dos Vilares, do Buriz, da Balsa, da Torre, do Pumarinho, dos Carvalhinhos, do Rodeiro… já quase não mora ninguém e o lobo pouca carne humana teria para comer, se ainda lhe prestasse…

 


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora