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resenha roberto dinheiroBrasil - Diário Liberdade - [Roberto Bitencourt da Silva] Vivemos em um tempo em que a ficção interfere decisivamente na realidade. A propaganda, o cinema, a televisão, o jornalismo – como também os próprios círculos acadêmicos, portadores de status científico –, constroem imagens e difundem valores e símbolos que dão os contornos sobre o mundo, como pensar e agir nele.


Foto: Editoria UERJ/reprodução.

Nesse sentido, como a civilização contemporânea está assentada no modo de existência capitalista, proliferam imagens e interpretações que procuram oferecer credibilidade ao “mercado”, tomando-o como superior e insuperável forma de vida das sociedades.

Não há existência possível além do “livre fluxo de capitais”, do “mercado” e da “liberdade individual” (o que não nos dizem: liberdade do proprietário), eis a velha e sistematicamente reaquecida cantilena.

Inúmeras são as imagens benevolentes em torno do capitalismo, refletidas nas produções culturais, jornalísticas e acadêmicas. Igualmente, importantes e variadas são as contestações a tais imagens, que denunciam a incompatibilidade com o mundo tal como ele é. Contestações, naturalmente, escanteadas no imaginário dominante.

A despeito das formulações propagandistas dos defensores da civilização capitalista, que enfatizam a capacidade, a energia e a vontade individuais como ponto de partida da riqueza e da prosperidade dos sujeitos e das sociedades – o empresário inovador, à Schumpeter, é um símbolo importante –, Marx, há muito, já havia identificado as origens da riqueza e da organização social capitalista.

Aquilo que o filósofo alemão comunista chama de acumulação primitiva, encontra-se na base da sociedade do capital: espoliação colonial, pirataria, escravismo, genocídio de povos nativos, expropriação europeia das terras dos camponeses.

Dickens, Victor Hugo, Bakunin e Chaplin denunciaram a miséria das massas trabalhadoras urbanas exploradas na Europa e nos Estados Unidos, assim como Manoel Bomfim, José Carlos Mariátegui, Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré e Eduardo Galeano, assinalaram a expropriação dos centros metropolitanos do capitalismo sobre a América Latina.

Portanto, qualquer consideração que se faça sobre a sociedade do capital fica capenga sem levar em conta sua essência e seus pontos de partida nada edificantes.

Uma ideia acriticamente glorificada em nossos dias é a do livre comércio internacional, com a sua correspondente tese das vantagens comparativas, promovida no século XIX por David Ricardo.

Basicamente, se defendia e defende que a especialização produtiva de cada país, em torno da sua “vocação econômica natural”, pode(ria) incrementar a produtividade e irradiar a prosperidade para diferentes setores de uma sociedade.

Nos anos 1950, a Cepal já havia questionado, com pertinência, os resultados de tal perspectiva: desigualdade nas relações de troca entre países industrializados (desenvolvidos) e primário-exportadores (subdesenvolvidos), em benefício exclusivo dos primeiros.

Entre os anos 1960 e 1970, a teoria da dependência, de Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, destacava sérios problemas derivados do processo de industrialização na América Latina, com a participação das corporações multinacionais. Estas endeusadas, ainda hoje, como agentes do desenvolvimento mundial.

Tratava-se de chamar a atenção para um novo tipo de espoliação capitalista: a dependência tecnológica, a perda de soberania sobre instrumentos de política econômica e as elevadas transferências de lucros, às custas dos consumidores e dos trabalhadores dos países da periferia do sistema.

Longe esta(va)m os teóricos da dependência de considerar a empresa multinacional como mero “ator econômico”. O seu papel político ativo no capitalismo e no imperialismo, intervindo nos destinos do Terceiro Mundo, eram, como são ainda evidenciados.

Contemporâneo dos estudos dependentistas, Álvaro Vieira Pinto fez importante crítica à apologia ingênua da tecnologia. Segundo o filósofo, trata-se de um recurso de valorização moral da centralidade alcançada por potências capitalistas e suas classes dominantes, que justifica(va) e assegura(va) a preservação das relações de dominação entre os países.

Tal apologia persiste, senão foi reforçada pelos propagandistas de turno, como se os povos da periferia fossem incapazes de criação técnica própria.

Recentemente, Thomas Piketty deu contribuição importante para o desmonte de outro cânone preconizado pelos arautos da sociedade do capital: o laureado mérito individual.

O economista francês tem chamado a atenção para as fortunas e os ganhos não produtivos, independentes de qualquer coisa que se possa chamar de trabalho, por parte dos detentores de patrimônio e títulos. Um parasitismo que predomina e rege o capitalismo.

Na esteira de empreendimentos intelectuais tão relevantes, que visa(va)m descortinar a inebriante publicidade favorável à preservação da iníqua e espoliativa ordem social capitalista, em boa hora foi publicado “Economia: obstáculo epistemológico – Estudo das raízes políticas e religiosas do imaginário liberal”, pela editora da UERJ.

Lançado no Museu da República, no Rio de Janeiro, há poucas semanas, a obra foi produzida por Valter Duarte Ferreira Filho, professor de Ciência Política da UERJ e da UFRJ. Chama a atenção no rigoroso e erudito estudo uma abordagem interdisciplinar, que combina saberes oriundos da Filosofia, da Economia, da Sociologia, da Ciência Política e da História.

Em linhas gerais, com o objetivo de questionar paradigmas influentes acerca da Economia, enquanto campo de saber especializado e dotado de objetos e conhecimentos à parte, Valter Duarte analisa os elementos subjetivos – isto é, os interesses e desejos da vida prática, externos ao que se convenciona chamar de ciência – que interferem nos critérios científicos.

Percorrendo longa estrada da produção do saber ocidental, o livro mobiliza pensadores como Aristóteles, Platão, Hobbes e outros, para identificar as raízes políticas e religiosas do pensamento liberal, particularmente do conhecimento econômico. Inspirado em Bachelard, o autor entende que a Economia consiste muito mais em “um ato de criação”, do que de “reprodução científica da realidade”.

Em outras palavras, o engenho criativo, a imaginação e os desejos de conformação do mundo orientam o chamado pensamento econômico, que longe estaria da condição de formar puros estudos voltados a questões e problemas explicados em si mesmos. A “economia não existe”, nos diz e argumenta com bastante propriedade o professor Valter Duarte.

O livro desenvolve instigante análise sobre a pretensa neutralidade do dinheiro, convencionalmente concebido como mero “meio de troca”. Para o autor, as raízes do dinheiro encontram-se na guerra e na força. Sobretudo após a Idade Média europeia, com vistas à expansão territorial e à centralização política dos Estados, os “metais amoedáveis” apareceram como recursos poderosos para o financiamento de mercenários e exércitos profissionais.

O tempo encarregou-se de apresentar virtualidades extraguerreiras ao dinheiro, àqueles que eram e são os seus detentores. Identificando um processo de despolitização teórica da figura do dinheiro, Valter Duarte problematiza um princípio central do pensamento de Adam Smith, de que a riqueza é fruto do trabalho, princípio posteriormente apropriado por Marx, ao referir-se à mediação da mercadoria para obtenção do dinheiro.

O autor sublinha a realidade arbitrária e política do dinheiro, como “filho da violência institucionalizada”, “territorializada do Estado”, portador da capacidade de constituir-se em “meio de comando”, alheio a trabalho, mercadoria ou qualquer objeto material.

O dólar sem o lastro do ouro, sinaliza Valter Duarte, é expressão, há tempos e sem máscara, desse arbítrio e poder político. O dinheiro é uma forma de se fazer a guerra e exercer a dominação capitalista, por “meios incruentos”. Muito distante está, pois, de ser um insípido e neutro “meio de troca”.

Haja vista o que tem ocorrido com a Grécia em nossos dias – um “governo desarmado”, sem moeda própria, submetido ao domínio de forças externas, conforme assinala o autor –, bem como a propagandística liberal da “autonomia dos bancos centrais”, a obra possui inestimável importância para a compreensão do nosso tempo.

O livro, igualmente, revela a capacidade de desmontar inúmeros argumentos inocentes, ou nem tanto, em torno do capitalismo. Instigante e elucidativo, notadamente em uma época em que o dinheiro não apenas possui comando sobre a produção material, a vida, como também as dispensa, para se multiplicar.

Informações sobre o livro:

Valter Duarte Ferreira Filho. “Economia: obstáculo epistemológico – Estudo das raízes políticas e religiosas do imaginário liberal”. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2015, 416 páginas.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.


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