Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, nos anos 1980, em circunstâncias históricas muito especiais, alcançaram êxito eleitoral e credibilidade política dando ênfase à educação, que chegava a cerca de 50% do orçamento do governo estadual trabalhista.
Nenhum deles achava que iria promover uma "revolução" com esse eixo de governo, restrito à esfera estadual. Visavam assegurar uma "escola honesta", em horário integral, para o filho do trabalhador, do favelado, do banguelo, para que tivesse oportunidade de estudo, de mobilidade social. Para que não ficasse abandonado nas ruas.
Foram boicotados e desqualificados pela mesquinha mentalidade elitista, entreguista, reacionária e racista do estado e do país. A Rede Globo em muito contribuiu para a demonização da dupla Brizola/Darcy e para a definição da segurança enquanto prioridade pública.
Moreira Franco, em 1986, ganhou de Darcy a eleição para o governo fluminense, asseverando que se dedicaria, em especial, à segurança pública: "acabo com a criminalidade em 6 meses". A respeito, são dispensáveis maiores comentários.
A partir de 1995, com Marcello Alencar (lembram-se da "gratificação faroeste" conferida à PM?) e todos os demais governadores conservadores até Pezão, a segurança pública tornou-se um tema incontestável, alcançando a condição de prioridade absoluta.
Há anos as UPPs converteram-se em símbolo do "combate ao crime", da "pacificação". Contudo, os perfis de criminalidade urbana só têm demonstrado modalidades cada vez mais horrendas, gratuitamente agressivas, não raro praticadas por jovens.
Nesta terça-feira, uma turista argentina e um professor peruano foram lançados às lastimáveis estatísticas oficiais de novas vítimas fatais.
A opção política pela "segurança pública", como falácia que é, tem contribuído, e muito, para incrementar a violência urbana e para criar monstros, cheios de ódio, rancor, revolta cega.
Por óbvio, nada justificável, mas compreensível. Desde tenra idade a pessoa tem que, a todo momento, dar satisfação para a polícia, na entrada e na saída de uma favela, de uma comunidade periférica, com as tais UPPs.
Vexações e incômodos diuturnos. Cotidiano marcado ainda por mortes gratuitas, também por meio de disparos policiais. Convenhamos, não pode dar boa coisa.
Além disso, trata-se de enorme desperdício e trituração de "carne humana", como diria Darcy, sobretudo “carne” morena e negra. Uma indignidade, assentada em tratamento desumano.
Há poucas semanas estive em Cuba. Um país materialmente pobre, antes da Revolução uma "banana republic", ainda hoje com limitada base técnica-industrial. Qualquer pessoa minimamente honesta, faria comparações entre este país e os demais da América Central.
Pode aí, como troco, comparar com subpotências do nosso continente, como Brasil, México e Argentina. Observem o IDH e tirem suas conclusões.
São raras as vezes em que a gente pode observar e experimentar certas teorias. A respeito da violência e da criminalidade, a ideia de que menores padrões de desigualdade criam um ambiente social mais civilizado e pacífico é muito conhecida. Mas, também, contestada pelo pensamento conservador.
No entanto, Cuba demonstra que a teoria é bastante válida. Corresponde a um dos lugares mais tranquilos e seguros que já tive oportunidade de conhecer. Quase não se vê polícia nas ruas.
Na agenda da sociedade cubana, muito longe de ser a segurança pública, despontam como prioridades a educação, a saúde e o desenvolvimento econômico.
No Brasil e, particularmente, no Rio de Janeiro, estamos há algum tempo seguindo uma trilha equivocada e desgracenta, que viola flagrantemente os direitos humanos, promovendo um terrível modos vivendi urbano.
Os já costumeiros horrores praticados por jovens no Rio são frutos diretos do descaso, das desigualdades grotescas e da barbárie fomentada por sujeitos igualmente bárbaros. Só que trajam terno e gravata e, por desventura do povo carioca e fluminense, têm ocupado, há anos, o Palácio Guanabara.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.
Blog do Roberto Bitencourt da Silva
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil - Agência Brasil