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AgenciaBrasilBrasil - Le Monde Diplomatique - [Raquel da Cruz Lima] Pesquisa realizada pelo Ipea apresenta os mecanismos pelos quais opera o sistema de aprisionamento brasileiro -- que tem como a principal porta de entrada a prisão em flagrante -- e a necessidade da adoção de penas alternativas pelo sistema de justiça criminal.


Desde fevereiro deste ano, quando teve início o projeto piloto de audiência de custódia em São Paulo, as alternativas penais têm sido apontadas como uma importante estratégia para combater a superlotação dos presídios. Com o argumento de dar alternativas para que o juiz não mantenha encarcerada toda pessoa presa em flagrante, o modelo do projeto piloto previu que seriam criadas estruturas para a aplicação de alternativas penais. Apesar de órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen/MJ) falarem cada vez mais em alternativas penais, este é um tema ainda pouco compreendido e bastante carente da produção de dados que comprovem o potencial de as alternativas previstas realmente enfrentarem o cenário de presídios superlotados.

Nesse sentido, a iniciativa do Depen e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de pesquisar a aplicação e a execução das penas e medidas alternativas pelo sistema de justiça brasileiro foi muito bem recebida pela sociedade civil interessada no fortalecimento de políticas públicas que enfrentem a alta taxa de encarceramento atual. A pesquisa foi iniciada em 2011 e elaborou diagnósticos de natureza quantitativa e qualitativa sobre o fluxo da justiça criminal, incluiu a observação de audiências e a realização de entrevistas com magistrados e funcionários do sistema de justiça criminal.

Parte dos resultados dessa pesquisa veio a público no dia 26 de novembro de 2014, durante o Seminário Nacional de Alternativas Penais, realizado em Brasília pelo Depen/MJ. Na ocasião, foi distribuído o sumário executivo da pesquisa e realizada uma mesa de debate sobre os resultados, da qual o ITTC participou. No dia 25 de março, a versão completa do relatório finalmente foi divulgada.

De modo geral, as conclusões mais contundentes da pesquisa desvelam os mecanismos pelos quais opera nosso massivo sistema de aprisionamento. Em primeiro lugar, temos que a principal porta de entrada no sistema penitenciário é a prisão em flagrante. De acordo com o IPEA, 59,2% das denúncias criminais recebidas pelos tribunais referiam-se a inquéritos policiais abertos somente depois da prisão em flagrante, isto é, que não se baseavam em investigações prévias. Essa problemática da desvinculação entre prisão e investigação prévia é reforçada pelo fato de a maioria dos inquéritos instaurados e concluídos terem sido conduzidos por delegacias circunscricionais (77,3%), responsáveis por determinada região, e não por delegacias especializadas. Ou seja, em geral os inquéritos foram feitos por delegacias cuja competência abrange um número muito grande de responsabilidades, nas quais, em função da escassez de efetivos e de recursos, o trabalho é essencialmente reativo às ocorrências relatadas pela população. Nessas unidades, boa parte do que é feito consiste na busca das pessoas já conhecidas dos policiais.

A predominância do chamado “policiamento por suspeição” é ainda fundamental para problematizar os dados sobre reincidência, geralmente divulgados com bastante alarde para denunciar o fracasso da missão ressocializadora do sistema prisional. Sendo a maioria dos inquéritos conduzidos por delegacias para as quais investigação é sinônimo de relacionar as ocorrências relatadas às pessoas com registros criminais, não é difícil concluir que o fato de uma pessoa (ou um familiar seu) já ter tido contato com o sistema de justiça a torna uma fortíssima candidata a passar por novo processo penal, independentemente de sua conduta individual. Assim, essa pesquisa do IPEA sugere que elevadas taxas de reincidência dizem menos sobre a capacidade de a prisão modificar comportamentos e muito mais sobre as engrenagens viciadas do sistema de justiça criminal.

A prisão em flagrante é tão explicativa sobre o funcionamento da justiça criminal pelo motivo de a postura dominante do Judiciário ser a de chancelar a atuação da polícia, convertendo em prisão preventiva as prisões feitas em flagrante. Apesar de muitos juízes alegarem que têm soltado acusados por crimes apenados com penas baixas, a análise dos processos criminais feita pela equipe do IPEA revelou que há processos envolvendo furtos de valores insignificantes cometidos por réus primários em que se manteve a prisão preventiva, principalmente quando o réu estava em situação de rua.

A atuação seletiva da justiça criminal que privilegia o ponto de vista da repressão policial foi notada pelos pesquisadores do IPEA também em razão da presença massiva de policiais como testemunhas nas mais diferentes localidades. Para os juízes, os policiais, tanto civis quanto militares, devem ser ouvidos porque são os profissionais que estão na ponta enquanto que os juízes, na “linha de produção” da justiça criminal, se veem como a última parte da esteira.

A prisão como pena move-se pela lógica da comprovação jurídica de que uma pessoa é responsável por um determinado crime, ao passo que a prisão cautelar dirige-se principalmente à proteção de uma ordem pública abstrata, para a qual as figuras mais ameaçadoras são pessoas jovens, negras ou pardas, e socialmente vulneráveis. O modo como o Judiciário apenas carimba a escolha política da polícia sobre quem reprimir é nítido nos dados do IPEA que demonstram que a conduta de praticamente quatro em cada dez pessoas mantidas presas cautelarmente não foi considerada passível de receber uma condenação à prisão ao final do processo. Projetando este número para a quantidade de presos provisórios em dezembro de 2013 (Infopen), isso significa dizer que são cerca de 90 mil homens e mulheres mantidos encarcerados apesar de até mesmo um Judiciário conservador ser capaz de concluir que falta fundamento para aplicar pena de prisão para essas pessoas.

A despeito do sucesso para demonstrar a forma abusiva como a prisão cautelar vem sendo aplicada, os resultados da pesquisa são insuficientes para problematizar especificamente o desenvolvimento da política nacional de alternativas penais. Ao contrário da pesquisa realizada pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD) em 2006, os dados produzidos pelo IPEA partiram do pressuposto da validade da ampliação do recurso às alternativas penais, deixando de lado o questionamento sobre a aptidão das alternativas para reduzir as taxas de encarceramento. Para o ITTC, a defesa das alternativas penais como ferramenta de política criminal está condicionada à sua capacidade de reduzir o encarceramento sem, por meio disso, gerar expansão de outros mecanismos de controle penal.


Raquel da Cruz Lima é coordenadora de pesquisa do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e mestre em Direito Internacional pela mesma universidade


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