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080414 ienosBrasil - Matheus Marestoni - Foi lançado no último sábado (dia 5), na Casa do Povo, no bairro do Bom Retiro (SP), a campanha de mobilização "Índio é Nós". Com mesas de debate e espetáculos de música e dança, o evento reuniu acadêmicos, intelectuais e militantes. Além do lançamento de um manifesto (confira aqui), o encontro também contou com a participação de David Martim, uma das lideranças da aldeia do Jaraguá, na zona norte de São Paulo.


A primeira mesa, composta por Pádua Fernandes e Artionka Capiberibe, tratou dos projetos de leis (PLs) e projetos de emendas constitucionais (PECs) que incidem diretamente na causa de diversas etnias. Pádua criticou o racismo institucionalizado e a campanha de ódio à alteridade promovido pela bancadaruralista. Como exemplo, citou as declarações dos deputados do Rio Grande do Sul, Alceu Moreira e Luis Carlos Heinze, que chamaram de "tudo de ruim" gays, lésbicas, indígenas e sem-terra. "Esse é um discurso baseado na Doutrina de Segurança Nacional, da época da ditadura militar, que defendia um país branco e ocidental", afirmou.

Durante sua fala, também lembrou a espionagem aos órgãos e organizações pró-indígenas na época do golpe militar e ironizou a afirmação da senadora da bancada ruralista Kátia Abreu de que existe uma ditadura antropológica no Brasil. "A mobilização dessas pessoas é inspirada nas manifestações realizadas na época da 'campanha da emancipação indígena', que previa alienar as terras demarcadase colocá-las no mercado".

Em seguida, Artionka Capiberibe, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apontou as mortes registradas no país em diversas aldeias durante as construções faraônicas que visavam o conceito positivista de ordem e progresso. Segundo Artionka, na época da construção da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, por exemplo, o número de mortos chegou a 1 mil. A professora também ressaltou que a luta dos povos indígenas é histórica. "Essa batalha de resistência não começou agora. Existe há pelo menos 5 séculos, pois se não todas as populações já teriam sido dizimadas". Por isso ressaltou a necessidade de um apoio amplo a luta desses povos. "As lideranças indígenas não têm tanto espaço para potencializar a luta, nem uma coluna na Folha de São Paulo, como é o caso da senadora Kátia Abreu. Por isso, é preciso de apoio amplo, inclusive de nós, não indígenas".

Mas de acordo com Artionka, mesmo com essa assimetria de forças, os povos das aldeias mantém uma política ativa de reinvindicações. "As lutas de abril do ano passado culminaram com a invasão do Congresso Nacional pelos indígenas. A manifestação foi uma demonstração de repúdio a PEC 215, que previa passar acompetência da demarcação e garantia das terras já demarcadas para o Congresso Nacional. E isso é um perigo, pois os partidos criam estratégias para tomam o poder a partir de comissões que os interessam", alertou. Como exemplo, a professora citou a escolha do pastor-deputado Marco Feliciano, com um histórico racista e homofóbico, para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, assim como a tentativa de colocar como seu sucessor o deputado Jair Bolsonaro, que também carrega episódios racistas e homofóbicos, além de defender abertamente a volta do regime militar no Brasil. "O congresso é um espelho da sociedade no sentido da correlação de forças. Aqueles que defendem as minorias, de fato, são minorias", concluiu.

Antes do início da mesa seguinte, foi apresentado um fragmento do espetáculo de música e dança "Xapiri", da Companhia Oito Nova Dança. Anunciado como uma obra referenciada na cultura de oito povos ameríndios, o espetáculo decepcionou parte dos presentes. Por mais que fosse possível identificar belos movimentos provenientes de algumas das diversas danças ameríndias, as músicas cantadas traziam uma língua inventada. Esse aspecto específico soou como uma demonstração de desrespeito ao grande número de idiomas indígenas existentes na América. Só no Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número chega a 274. A apresentação trouxe mais referências estéticas de musicais como "Hair" e da antropofagia de uma peça realizada no Teatro Oficina do que realmente da cultura dos povos indígenas. Sem dúvida, a beleza dos movimentos deve ser lembrada. Entretanto, é preciso tomar cuidado para não transformar tradições milenares em produtos culturais, abordando-as de maneira quase caricata.

Por volta das 16h, teve início a única mesa que contou com a presença de um representante dos povos indígenas. Entre os temas abordados, estavam a apuração das violações sofridas pelos povos originários durante a ditadura e a violência que a ainda se mantém. Marcelo Zelic, integrante do grupo Tortura Nunca Mais, iniciou sua fala questionando os motivos do esquecimento por parte de políticos, da imprensa e da própria Comissão Nacional da Verdade sobre essas violações. "Que violência é essa que ninguém quer falar? Que violência é essa jogada para debaixo do tapete? Quantas vezes você vai num discurso e ouve as pessoas falando 'nunca mais!', aí todo mundo chora, emocionado, batendo palma... E no entanto nós temos uma repetição cotidiana das violências praticada pela ditadura no que diz respeito aos povos indígenas".

Segundo números apontados por Zelic, de 2003 a 2012, só no Mato Grosso do Sul, mais de 285 lideranças foram assassinadas. "A Comissão Nacional da Verdade está lançando uma nota com informações sobre os centros de tortura na época da ditadura militar. Porque os locais onde ocorriam tortura de indígenas não são falados?". Zelic ainda frisou que até agora já foram descobertos 7 centros clandestinos de tortura de índios, incluindo um na Ilha do Bananal, na região do Tocantins. Por fim, concluiu com uma questão provocativa: "A Comissão Nacional da Verdade vai inserir essa situação ou só vai falar do centros dedetenção para militante de esquerda?".

Um dos momentos de maior comoção foi durante a fala de David Martim, uma das lideranças da aldeia do Jaraguá e único representante de povos indígenas presente no evento. "A população brasileira foi criada com o pensamento de que a nossa luta não é uma luta real. Como se nós índios tivéssemos querendo tomar uma terra que não é nossa", disse. Também se mostrou preocupado com as afirmações de ministros e senadores sobre a questão da demarcação de terras.

Enquanto diversos estudantes, professores e acadêmicos, principalmente da área de história e antropologia ouviam atentamente sua fala, David apontou o papel negativo que as universidades exerceram em relação à história dos povos originários. "A universidade brasileira, ao invés de ter fortalecido o conhecimento, os documentos, a história de genocídio, de mortes, de roubo de terras, de extermínio de etnias inteiras, ela fez o contrário. Ela fez as pessoas entenderem que o indígena ficou lá no passado, que deixou de existir naturalmente com uma doença que o europeu trouxe".

Ao final de sua fala, ele fez uma crítica às pessoas que entendem o 19 de abril, instituído oficialmente como "dia do índio", como uma data de comemorações. "Se não bastasse isso, ainda tem gente que quer promover a cultura indígena como festa, ainda quer ver o dia 19 como festa. Só que eu garanto pra vocês que para nós indígenas não é motivo de festejar, sair dançando na rua e batendo a mão na boca. Não é carnaval, não é copa do mundo. É lembrança de genocídio, de morte. Na ditadura, quem mais morreu não foram os ativistas, os jovens universitários que estavam lutando pela liberdade do país. Foram os indígenas!". E concluiu: "Por isso eu acho que é preciso refletir e se colocar realmente como pessoas apoiadoras da causa. Não pessoas que querem mostrar algo que não acontece. Mesmo assim, nós somos felizes, sim. Nós temos autoestima, pois dentro de mim eu sou um Guarani".

Em seguida, antes do início do debate de fechamento do evento, a compositora e pesquisadora da cultura indígena brasileira Marlui Miranda realizou uma apresentação de música com uma canto guarani, além de instrumentos indígenas.

Fechando a noite, sentaram à mesa Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de Chicago, Maria Rita Kehl, psicanalista e integrante da Comissão Nacional da Verdade, e Marta Azevedo, ex-presidente da FUNAI. Durante o bate-papo foram mostrados gráficos com o número da população das aldeias distribuídas pelo território brasileiro desde o século XVI. De acordo os dados da FUNAI apontados por Marta Azevedo, em 1500 a quantidade de indígenas no Brasil chegava a 5 milhões. Já em 2005, mesmo com um estímulo ao crescimento na taxa de natalidade, foram constatados somente 450.000 indivíduos, o que significa 0,20% da população do século XVI. Também foi levantado a falta de diálogo e unicidade entre os órgãos de pesquisa, fato que se torna um impecílio e dificulta a mensuração dos índices referentes às aldeias brasileiras.

Após mais de cinco horas de programação, a sensação que ficou foi a de presenciar um diálogo entre brancos sobre a questão indígena. É evidente que o esforço de promover o debate político é sempre importante, e desconsiderá-lo seria, além de improdutivo, extremamente antiético. Entretanto, não podemos perder a visão crítica acerca de ações políticas que acontecem em nosso entorno. Além do David Martim, da aldeia do Jaraguá, não havia outros representantes dos povos atingidos pelos temas discutidos no evento. Somado a isso, o discurso que permeou grande parte das falas, salvo algumas exceções, como a fala de Marcelo Zelic, foi baseado na defesa da alteridade e o direito de "ser índio", sem trazer um tratamento sensível às particularidades de cada etnia e nem uma problematização específica das pautas que tangenciam a questão.

OUTRA CAMPANHA

guarani copiaEm paralelo ao "Índio é Nós", a Comissão Guarani Yypura (CGY) lançará a Campanha Resistência Guarani em São Paulo, no dia 17 de abril, em frente ao Páteo do Colégio. Integrando a campanha, foi criada uma petição que exige a demarcação das terras indígenas do Jaraguá e Tenondé Porã, em São Paulo, aonde existem atualmente 6 aldeias. Confira aqui o vídeo.

Para arrecadar fundos, quarta-feira (dia 9), acontecerá um sarau no Espaço Verde do prédio de Ciências Sociais, na Universidade de São Paulo. Para às 18h, está programado um debate sobre a Resistência Guarani em São Paulo, com lideranças das Terras Indígenas Tenondé Porã e Jaraguá.

Em seguida, às 20h, será realizado o Sarau Demarcação. Entre as presenças confirmadas estão Xondaro MC's, Gabriela Amadio, Erycká Quaracá e Ayda Barros Pankararu, L Tenetehára Guajajara e Marcia Mura. A entrada é gratuita. No espaço haverá venda de cerveja e comidas veganas.

Em continuidade a jornada de lutas, a CGY também está chamando uma manifestação para o dia 24 de abril, com concentração às 17h no vão-livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista.

Para assinar a petição e/ou conferir mais informações, clique aqui.


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