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120214 garBrasil - Carta Maior - [Raúl Zibechi] O Ministério da Defesa brasileiro recentemente difundiu Manual de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que define a intervenção das forças armadas internamente.


 O recente relatório Governar para as elites, produzido pela organização Oxfam, comprova com dados fidedignos aquilo que já sentíamos: que a democracia foi sequestrada por 1% para aumentar e sustentar a desigualdade. Confirma que a tendência mais importante vivida pelo mundo neste período de caos crescente é a concentração de poder e, portanto, de riqueza.

O informativo destaca que quase metade da riqueza mundial está nas mãos de 1% da população, que se beneficiou de quase a totalidade do crescimento econômico posterior à crise. A Oxfam acerta ao vincular o crescimento da desigualdade à "apropriação dos processos democráticos por parte das elites econômicas". Acerta também ao alertar que a concentração de riqueza destrói a governabilidade, destrói a coesão social e "aumenta o risco de ruptura social".

O que a Oxfam afirma é que a concentração de riqueza vai ao encontro da militarização das sociedades. Para defender a gigantesca concentração de riqueza, os de cima estão se blindando, militarizando cada canto do planeta. Uma das recomendações feitas aos membros do Fórum Econômico de Davos soa bastante ingênua: "Não utilizem sua riqueza econômica para obter favores políticos que suponham um desprezo da vontade política de seus cidadãos".

Vivemos em sociedades cada vez mais controladas e militarizadas, seja no norte ou no sul, sob governos conservadores ou progressistas. Estamos diante de uma tendência global que não pode ser revertida em médio prazo nos cenários locais. A Oxfam garante que a desigualdade diminuiu na América Latina na última década. Certamente. Mas é a região mais desigual do mundo, e a comparação é com a década de 1990, quando a desigualdade chegou a um ponto tão alto que provocou estalos sociais e levantes populares.

Entre os países onde a desigualdade diminuiu se destacam Brasil, México, Argentina e Colômbia. Em todos os casos a redução se deve a razões similares (impostos progressivos, serviços públicos e políticas sociais). Quero destacar que existem tendências de fundo, para além das correntes políticas que estão no governo. Algo similar pode se dizer da Europa: os trabalhadores pagam a crise, tanto sob governos de direita como de "esquerda".

Eu me interesso por destacar a tendência à militarização. O sequestro dos direitos. A criminalização dos protestos. Nós de baixo vivemos em um "estado de exceção permanente", seguindo a máxima de Walter Benjamin. A militarização não é nem transitória, nem acidental. Não depende da qualidade dos governos, nem de seu discurso ou de sua posição ideológica. Trata-se de algo intrínseco ao sistema, que já não pode funcionar sem que a resistência popular seja criminalizada.

O Ministério da Defesa brasileiro recentemente difundiu (parcialmente) o Manual de garantia da lei e da ordem (GLO), no qual se define a intervenção das forças armadas na segurança interna. O GLO teve duas versões: a primeira, de dezembro de 2013, que foi alterada e publicada no final de janeiro. Retiraram (ou enviaram páginas em branco) os aspectos mais chocantes. Por exemplo, que as forças armadas vão intervir para restaurar a ordem diante de "forças oponentes".

Onde o manual define quais são essas forças, leia-se "movimentos ou organizações"; "pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando de forma autônoma ou infiltrados em movimentos". Quando detalha as "principais ameaças", diz "bloqueios de vias públicas". "distúrbios urbanos"; "invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas"; "paralisação de atividades produtivas"; "sabotagem nos locais de grandes eventos". Em suma, boa parte do repertório de ação dos movimentos sociais.

É um bom exemplo de militarização e de criminalização dos protestos. A rigor, o GLO é a atualização de um conjunto de normativas que figuram na Constituição, regulamentado desde a década de 1990. O sintomático é que a atualização aconteceu prontamente diante das manifestações de junho, quando a Copa das Confederações era celebrada, e quando uma parte do movimento popular anunciou novas ações concomitantes à próxima Copa do Mundo. Por isso, considera-se sabotagem qualquer mobilização durante "grandes eventos". Essa é a disposição de ânimo de um governo como o de Dilma Rousseff, que se passa por mais democrático do que os do México e da Colômbia, por exemplo.

O problema não é que o governo do Brasil tenha mudado, mas sim que o Estado sente a necessidade de responder aos desafios da rua e faz isso como qualquer Estado que se preze: garantir a ordem às custas dos direitos. Neste caso, se trata de assegurar que uma das mais corruptas multinacionais, a FIFA, possa celebrar sua atividade mais lucrativa sem ser incomodada por manifestações coletivas. Insisto: é apenas um exemplo, não quero focar no Brasil.

Diante da escalada de militarização que o mundo atravessa, os de baixo organizados em movimentos estão longe de ter algum tipo de resposta. Mais ainda: nossas estratégias, nascidas em período de "normalidade", estão mostrando seus limites em momentos de crise e de caos sistêmico. Em primeiro lugar, precisamos ser conscientes desses limites. Em segundo, devemos aprender a nos defender.

Conforme afirma o historiador chileno Gabriel Salazar: "O poder popular é a única forma de ter uma verdadeira democracia. Um povo que tem direitos, mas não tem poder, não é nada. O direito não vale nada sem poder". Os sistemas comunitários de defesa nos ensinam alguma coisa sobre a construção de poder entre os de baixo. O movimento operário teve uma vasta experiência, até a ascensão do nazismo, sobre formas de autodefesa. Pode ser o momento de relembrá-las.

Tradução de Daniella Cambaúva.

Fonte original: La Jornada (México).


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