Após a realização de um bingo de arrecadação de fundos na sexta-feira passada (5), eles alugaram uma van para fazer o trajeto entre o bairro e a estrada de Engenheiro Marsilac, em um percurso de aproximadamente 10 quilômetros, geralmente feito a pé. A linha foi parcialmente aprovada pela prefeitura no fim do ano passado, mas nenhuma outra medida ocorreu desde então.
O local é uma região de preservação, com muitos sítios e mata preservada, que fica bem próxima da divisa com o município de Embu Guaçu. Exceto pela estrada de Engenheiro Marsilac, todas as vias são de terra. Distante 50 quilômetros do centro da capital, muitas vezes os moradores ouvem perguntas se a região é mesmo parte de São Paulo. A proposta da linha popular pretende mostrar para a prefeitura que é possível operar uma linha de ônibus no local.
O vigilante Sérgio Santos, de 32 anos, já havia andando por meia hora na estrada de terra da Ponte Seca, quando esperava o ônibus que o levaria ao Terminal Varginha, distante 28 quilômetros de sua casa. Eram 7h45 e ele só entraria no trabalho 10h, no Shopping Interlar, em interlagos. "Todos os dias é assim. Precisamos muito de uma ligação entre Mambu e Marsilac, porque o degaste é enorme. Quando a gente chega no trabalho, já está cansada", afirmou.
Morador do bairro há 18 anos, ele não conseguiu pegar a van popular que faria o trajeto na manhã de hoje. "Já fizemos muitos abaixo-assinados, mas nunca aconteceu nada", comentou, descrente de uma ação do poder público no local. "Podia ser uma linha que circulasse aqui nos bairros, ligando com a estrada de Engenheiro Marsilac. Já ia adiantar muito a nossa vida", completou.
Segundo o militante do Movimento Passe Livre Caio Martins, a van não deu conta de conta de atender a todos, por isso muitos nem a viram. "É um trajeto muito longo e estreito, todo de terra. Conseguimos fazer somente uma viagem completa até as oito horas, mas com o veículo cheio. Isso demonstra que a linha é necessária e, mesmo com os problemas, viável", afirmou. Outros militantes do Passe Livre e da Rede de Comunidades Extremo Sul apoiaram o ato.
Outro problema é que a ponte que passa sobre o Rio Branco, está danificada e foi consertada de forma precária pelos próprios moradores. Quando a lotação chegava no local, todos os passageiros tinham de desembarcar, atravessar a ponte a pé, esperar ela passar e embarcar novamente. Com isso, o trajeto entre Mambu e a estrada de Engenheiro Marsilac levou cerca de uma hora e quinze minutos, só na ida.
Os moradores dos bairros no entorno do Mambu – Embura, Quinze, Reserva e Paiol Velho – vivem a mesma sina. Sem uma linha de ônibus, fazem longos trajetos a pé, seja para trabalhar, estudar ou ir ao médico, já que a única Unidade Básica de Saúde próxima – Luciano Bergamin – fica justamente no meio de todos eles.
"A gente leva até quatro horas se for andando para a UBS. Se não tiver um carro, uma moto, morre à mingua", reclamou Maria das Graças Santos, de 63 anos, moradora do Paiol Velho. Para ela, uma linha de ônibus é fundamental, mesmo levando 45 minutos para chegar na unidade, como foi o caso de hoje com o uso da lotação.
Ir ao pronto-socorro é uma missão quase impossível. O mais próximo fica a 20 quilômetros de distância, em Parelheiros. O Hospital Geral do Grajaú fica a cerca de 35 quilômetros dali.
A situação, nesse caso, é bem difícil para a diarista Isabel Cristina da Silva, de 48 anos. Ela tem uma filha de 10 anos que depende de cadeira de rodas para se locomover. A ida para a UBS, distante cerca de cinco quilômetros de sua casa, depende da boa vontade de vizinhos.
"Não tem a menor condição. Desde 1992, quando eu vim viver aqui, as pessoas mandam abaixo-assinados e fazem ofícios pedindo a linha. Mas nada acontece", afirmou. Ela destacou uma situação comum da periferia paulista nos anos 1980. "Quando chove temos de colocar sacolas plásticas nos pés para evitar o lamaçal. Isso se der pra andar", lamentou.
Segundo o estudante Luiz Vieira, um dos organizadores do ato, a implementação de uma linha no local foi aprovada em 26 de dezembro de 2013 por um grupo de discussão composto pelo Conselho Gestor da Área de Preservação Ambiental (APA) Capiviri-Monos, pela Subprefeitura de Parelheiros e pela São Paulo Transportes (SPTrans).
Um documento sobre o caso, a partir do qual Vieira quer retomar o diálogo com a prefeitura, condiciona a linha à garantia de preservação da mata e defesa contra um possível adensamento habitacional da região, proteção dos animais silvestres que vivem no local, adequação do viário e da ponte sobre o Rio Branco. Uma segunda linha, ligando os bairros de Embura e Reserva, foi rejeitada pelo grupo, porque atravessaria uma Zona de Vida Silvestre e poderia prejudicar os animais nativos.
"Deram prazo até fevereiro para iniciar o processo, mas nada aconteceu. Entendemos que é preciso proteger, mas pode usar pavimento permeável, por exemplo. Além disso, já circulam ônibus grandes que levam as crianças para as escolas. O que não pode é as pessoas andarem dez quilômetros para pegar o primeiro ônibus", desabafou Vieira.
"A falta de transporte inviabiliza a vida dos moradores do bairro, dificulta o emprego e o estudo", completou.
Exemplo dessa situação é Jaime Rodrigues Bueno, de 34 anos, que afirmou ter perdido algumas oportunidades de emprego por conta da dificuldade com o transporte. "O deslocamento é tão absurdo que quando a gente diz onde mora, dispensam. Comigo aconteceu duas vezes", contou. O bairro fica bem próximo do município de Embu Guaçu, mas isso não ajuda.
"Tem uma linha de lotação de Embu Guaçu que passa aqui perto. Mas é uma van a cada três horas, muitas vezes nem passa. Não tem como confiar e buscar emprego na outra cidade", explicou.
O montador de móveis Ivan Lopes enfrenta o desafio diariamente. Ele caminha cerca de 40 minutos até a estrada de Engenheiro Marsilac, toma o ônibus, desce no cruzamento com a estrada do Cipó e pega o intermunicipal que vem do Terminal Grajaú para Embu Guaçu. "É bem cansativo", resumiu Lopes. "Mas o que vamos fazer?"
Embora a linha tenha funcionado somente hoje, os moradores ficaram satisfeitos com o resultado. "É indescritível", disse Maria das Graças. "Uma benção de Deus." Desembarcada no "ponto final" da linha popular, ela ainda andaria 20 minutos até sua casa, mas menos cansada.
A SPTrans não atendeu à reportagem.