Estupefacto com "C" mesmo. Impactado, passado, abestalhado. Os sinônimos são variados.
Não que eu tivesse alguma ilusão com o segundo governo Dilma.
Lembremos. No início do primeiro mandato, ela já foi capaz, de cara, de anunciar cortes de R$ 55 bilhões no orçamento e determinar cinco aumentos consecutivos na taxa básica de juros.
O objetivo era "esfriar" a economia, diante de um suposto descontrole inflacionário (que não existia).
O detalhe: fez isso em meio à maior crise do capitalismo mundial, desde 1929.
O resultado não poderia ser outro: colheu seguidos resultados medíocres de crescimento econômico. Subsequentes medidas desesperadas, como desonerações fiscais em penca, de nada adiantaram.
O problema não são as concepções econômicas de Dilma.
Gordura para queimar
O busilis da questão é que em 2011 ela tinha gordura política para queimar. No ano anterior, dera uma sova no tucano José Serra com uma diferença de 12,1% dos votos.
Em 2014, essa margem estreitou-se para 3,26%, na disputa mais acirrada da História.
O diferencial veio um agente que se supunha em profunda hibernação na sociedade brasileira.
Veio de uma militância de esquerda de diversos matizes políticos e sociais, que foi às ruas para evitar o mal maior. Ali estavam partidos de esquerda, movimentos sociais e gente, muita gente, sem vinculação direta com alguma organização. Algo amplo, generoso e definidor.
Esses setores seguem nas ruas defendendo moradia, transportes, salários e se confrontando com a direita hidrófoba.
Foi essa gente que saiu de casa para enfrentar o tal do mercado, que especulou, chantageou, derrubou bolsas e jogou o câmbio para baixo nas últimas semanas de campanha.
Foi essa gente que acreditou na propaganda da candidata que dizia não querer a volta ao passado. Que não queria os banqueiros mandando na economia. Que não queria "plantar dificuldades para colher juros". Tudo isso e muito mais foi prometido nas peças de João Santana para o horário eleitoral.
Pois três dias depois das eleições, o primeiro sinal da presidenta reeleita não foi para os que empunharam bandeiras.
Foi para o mercado, na forma de uma elevação de 0,25% na taxa Selic. Determinado, óbvio, pela presidenta, que na campanha investiu contra a independência do BC.
O segundo momento foi dez dias depois, com o reajuste dos combustíveis, 3%.
Alguns vão dizer que são reajustes pequenos.
Recado para quem manda
Esse é o problema. Não ajudam, mas mandam um recado para o interlocutor que se quer atingir.
Esse interlocutor não é a turma que foi para a rua.
A nomeação de Joaquim Levy, ilustre integrante do núcleo duro da equipe econômica do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso é a dose de glacê num bolo que pode desandar.
Completam a receita Armando Monteiro no Desenvolvimento e Katia Abreu na Agricultura.
É mais que um aceno. É uma concessão aos que queriam derrotá-la.
Ou uma adesão às diretivas que seu adversário anunciava.
Aécio colocar um ultraliberal na Fazenda era parte do jogo. E por isso ele foi derrotado.
Dilma colocar uma figura como Joaquim Levy na Fazenda é um escândalo.
Significa dar um tapa na cara daqueles que garantiram sua vitória. Significa tomar lado claro no conflito distributivo da sociedade brasileira.
A contradição está posta. Os movimentos querem mais gasto público em serviços e desenvolvimento. Levy é o homem do ajuste.
Dou o desconto
Dou aqui o desconto.
Quem escreve é um chato de um partido de esquerda, o PSOL.
Por isso reconheço. A entronização de Joaquim Levy, nos cálculos de Dilma e do PT terá outro efeito.
PRIMEIRO, acalmará o mercado, que é o que importa para eles.
SEGUNDO, possibilitará uma blindagem do governo por parte da mídia, pela simpatia que Levy desperta nesses segmentos (e aqui, acabam-se as ilusões sobre alguma proposta séria de democratização do setor).
TERCEIRO, dará tempo ao governo para fazer as "medidas impopulares", que, segundo eles, apenas Aécio tomaria, e tentar garantir alguma expansão econômica daqui a dois anos.
QUARTO, significa acenar para os que financiaram a campanha presidencial de Dilma, a mais cara de todas as eleições brasileiras. Imagino que, nas contas dela e dos dirigentes petistas, foram esses os que lhe asseguraram a dianteira nas urnas.
PROBLEMA IMEDIATO: se nada mudar, os que foram às ruas seguirão nelas.
A desilusão pode ganhar corpo.
Se ela se prolongar, pode se transformar em raiva.
Gilberto Maringoni é Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), jornalista e professor de Relações Internacionais da UFABC (Universidade do ABC/São Paulo).
Retirado do Facebook do autor.