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110614 pobreza-blogueBrasil - Le Monde Diplomatique - [Ana Toni e Fátima Mello] O Brasil tem muito a comemorar no tocante à redução da pobreza e das desigualdades de renda, fruto de ações governamentais adotadas ao longo da última década. No entanto, a especialização primário-exportadora coloca o país numa rota de risco para a manutenção dessas importantes conquistas.


Ao longo da última década o Brasil pôs em marcha programas maciços de inclusão social e, ao mesmo tempo, aprofundou seu modelo de produção baseado na exploração intensiva de recursos naturais. As amplas iniciativas de erradicação da pobreza, redução das desigualdades e inclusão social ocorreram combinadas com uma conjuntura internacional de forte alta no preço de commodities e de crescente demanda por matérias-primas e recursos naturais abundantes em nosso território. O país entrou em uma trajetória de especialização primária de sua pauta de exportações e passou a participar das cadeias produtivas globais em seu elo mais fraco, a exportação de recursos naturais como minério de ferro, petróleo, soja e outros produtos agropecuários, aliado a uma tendência à desindustrialização pela importação de manufaturas – um quadro que resulta em crescente dependência econômica e política do setor primário-exportador para a manutenção das taxas de crescimento, do equilíbrio da balança fiscal e, por conseguinte, dos programas de inclusão social.

Esse cenário tem levado amplos setores da opinião pública e forças no campo progressista a enxergar uma polarização entre a necessária prioridade a ser dada à manutenção dos programas de inclusão social e a sustentabilidade socioambiental do desenvolvimento. Os argumentos correntes tendem a apresentar como inexorável a intensificação da exploração dos recursos naturais como a única alternativa para a manutenção das conquistas sociais da última década. No entanto, essa é uma falsa polarização. Na verdade, trata-se do contrário: o modelo ancorado na exploração intensiva de recursos naturais é um forte adversário da inclusão social e da conquista dos direitos a médio e longo prazo.

O Brasil tem muito a comemorar no tocante à redução da pobreza e das desigualdades de renda, fruto de ações governamentais que ao longo da última década garantiram a expansão econômica e do mercado de trabalho, promoveram uma contínua valorização do salário mínimo e colocaram em prática programas de transferência de renda como o Bolsa Família. No entanto, a especialização primário-exportadora insere o país numa rota de risco para a manutenção dessas importantes conquistas. O atual modelo de desenvolvimento criou um círculo vicioso que faz que as políticas sociais dependam direta ou indiretamente de um crescimento econômico baseado na exploração e exportação de recursos naturais e commodities, levando-as a uma situação de vulnerabilidade diante das flutuações dos preços desses produtos no mercado externo e a uma dependência de grupos rentistas nacionais e estrangeiros. A vinculação dos futuros orçamentos da área de educação e saúde aos royalties do pré-sal é uma clara evidência disso.

No plano interno, a especialização primário-exportadora leva a uma submissão aos interesses dos setores que concentram a propriedade da terra e dominam os recursos naturais, como minerais e petróleo, ao mesmo tempo que intensifica a exploração desses recursos, gera poucos empregos no setor, precariza o trabalho e concentra a renda da exploração e exportação. Enquanto isso, ela deixa para as maiorias os conflitos e injustiças sociais e ambientais. A especialização também perpetua a concentração fundiária e estimula um modelo agrário e agrícola baseado em monocultivos de larga escala que abusam do uso de agrotóxicos para a produção de commodities voltadas à exportação. O agronegócio brasileiro, recebedor de créditos, incentivos e perdões de dívidas a rodo, é associado às grandes transnacionais que controlam a cadeia alimentar global, ameaçando a segurança e a soberania alimentar, e agravando os conflitos por terra e território.

A especialização primário-exportadora evidencia que a apropriação da renda da exploração dos recursos naturais também é marcada por desigualdades. Segundo o IBGE, em 2010 o agronegócio recebeu 86% dos créditos para o setor, ao passo que a agricultura familiar e camponesa recebeu apenas 14%, e ainda assim foi responsável por 74% dos empregos no campo e por 70% da produção de alimentos. O setor de celulose é campeão absoluto de acidentes de trabalho, que também são muito frequentes na produção de laminados de aço e ferro-gusa. O BNDES concentra suas prioridades de investimentos em setores produtivos intensivos na exploração de recursos naturais, como petróleo, gás e setor automobilístico, além de portos e ferrovias.1 A indústria pesada (cimento, ferro-gusa, aço, alumínio, química, papel e celulose) é responsável por um percentual maior de consumo de eletricidade (28%) do que o total de residências do país (22%).2 O modelo insustentável em curso reproduz e reforça as desigualdades, o que faz a sustentabilidade ser, antes de tudo, uma luta por equidade e direitos.

As mudanças climáticas, embora impactem a todos os grupos populacionais e regiões, já estão afetando de modo mais dramático os pobres e vulneráveis. Seus efeitos alteram o regime de chuvas, causando enchentes, secas e transformações na organização da produção agrícola, e atingirão direta e indiretamente a matriz energética brasileira. É preciso que a sociedade se prepare agora para assegurar a autonomia energética do país e decida se seguiremos acionando as térmicas ou se investiremos numa matriz limpa que priorize a energia eólica ou solar e garanta o direito e o acesso à energia limpa e barata para as maiorias.

Como podemos reverter esse quadro, passando a enxergar o uso sustentável das imensas riquezas naturais brasileiras como base para a construção de um projeto de país com justiça social, equidade e direitos e com um lugar no sistema internacional que não seja no elo mais fraco das cadeias produtivas globais? A sustentabilidade pode ser a base para, e não contra, um projeto de inclusão social com direitos que ancore uma nova política industrial, comercial, agrícola, energética, macroeconômica e externa.

Para tal, é preciso constituir uma visão de médio e longo prazo que não seja pautada por interesses imediatistas e setoriais nem pelo rentismo. É necessário que o Estado, assim como fez com as políticas sociais, redirecione o financiamento público em apoio à reversão da trajetória de especialização primário-exportadora, assuma a liderança na formulação e promoção de políticas públicas sustentáveis, que sejam compatíveis com os objetivos de redução das emissões de gases de efeito estufa, de diversificação da matriz energética do país, de apoio ao sistema de transporte público com energia limpa, e dê incentivos aos setores e sistemas produtivos sustentáveis que fortalecem a agricultura familiar e agroecológica.

Notas:

1 BNDES, Perspectivas do Investimento, out. 2013. Disponível em: www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/perspectivas_investimentos/boletim_perspectivas_2013_outubro.pdf.

2 MME, Balanço Energético Nacional, 2001 e 2010.

 Ana Toni é economista e representante da Fundação Ford no Brasil.

Fátima Mello é mestre em Relações Internacionais (IRI-PUC RJ), membro do Núcleo Justiça Ambiental e Direitos da FASE.


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