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030216 GaspaBrasil - Polifonia Periférica - Há 25 anos atuando de forma intensa pela cultura Hip Hop e pelas causas da trabalhadora, Gas-PA é sem dúvida uma pessoa impa merecedora de todo respeito e admiração, pois sua história foi escrita com suor, luta e honestidade.


Após oito anos rimando a indignação da classe trabalhadora e o anseio pela transformação radical dessa sociedade, numa outra livre da exploração e de qualquer forma de opressão, no grupo “O Levante”, ao lado de Leninha, Gas-PA seguirá rimando sozinho em carreira solo. O Polifonia Periférica fez questão de registrar esse momento entrevistando Gas-PA e ouvi-lo sobre o fim do grupo, sua nova caminhada entre outro assuntos. Confira a entrevista.

PP – Uma pergunta inevitável: porque o fim do “O Levante”?

Gas-Pa – A Leninha decidiu parar com o REP e dar vazão a novas aspirações. E eu tô velho demais pra mais dois possíveis recomeços. Um eu até aguento, que é esse agora, mas montar outro grupo, ou buscar nova formação pro O Levante com o risco de ter que recomeçar novamente, não dá mais pra mim.

PP – Foram oito anos com o grupo “Levante”. O que representou para você o grupo e o que você trás para sua caminhada solo?

Gas-Pa – Bom. Pra mim representou a melhor fase da minha carreira no REP. Foi quando eu comecei a ter meu trabalho reconhecido por um público além daquele círculo restrito aos chegados do Hip Hop. Foi quando eu comecei a viajar, conhecer outros lugares e outras culturas, outras histórias de vidas resgatadas pelo Hip Hop ou somente pelo REP mesmo. Foi quando eu comecei a cantar para um público maior do que aquele que eu tava acostumado. Se tu é frequentador de Domingão do Faustão, Caldeirão do Huck, Altas Horas, Esquenta e todo esse depósito de lixo cultural, ou tem seu próprio programa de rádio e TV como prêmio por ter sido um bom filho adotivo da burguesia, é fácil ser aplaudido pelas massas entorpecidas por esses veículos. A tua admiração foi imposta pela massificação da tua imagem, seja ela em que grau for. Agora quando você é um semi-anônimo e consegue arrancar aplausos de quem nunca te viu no gibi, é porque é verdadeiro. É o teu trabalho que tá te dando esse retorno, e não a grande mídia. Isso é muito gostoso. Foi com O Levante, inclusive, que eu comecei até a ganhar um dinheirinho qualquer com o REP. Imagina só. Foi no O Levante que eu desisti por completo de qualquer pretensão financeira com o REP, mas foi justamente nele que o din começou a entrar! Pouco, mas pra quem não ganhava nenhum…

PP – Como está sendo a transição para a carreira solo?

Gas-Pa – É respirar fundo e… vamu que vamu. Não é a minha, nem nunca foi. Não sou fã de carreiras solo, gosto da coisa coletiva. O Levante foi uma loucura que eu cometi pra não cantar só. Reparei que tinha um menó que cantava minhas músicas inteiras nos shows que fazia no Complexo de Costa Barros. Música minha com 8 minutos, como a Cotidiano do Desempregado, ele cantava. Um dia de 2007 eu perguntei se ele não queria continuar cantando as músicas, mas só que no palco comigo. Ele topou. Assim nasceu O Levante. Mais tarde eu descobri que isso não era um defeito meu, mas sim uma herança ancestral africana. Num texto sobre cultura africana, no seu livro Escrevo o que Quero, Steve Biko ensina que a música africana não foi feita pra se cantar só. Ela é por sua natureza uma música grupal. Eu e o REP somos frutos da diáspora africana. Talvez seja aí que resida minha quase aversão a carreiras solo. Como disse, não é a minha, mas se as circunstâncias me empurram pra isso, não vou me imobilizar e parar de fazer essa que é uma das coisas que mais gosto.

PP – O trabalho solo seguirá na mesma linha do “O Levante” ou você pretende seguir outro caminho?

Gas-Pa – Depende do que se refere ao me perguntar isso. No que toca às formas eu já era aberto a novas experiências mesmo com O Levante. Foi lá que eu fiz o meu primeiro REP dobrado, o Pretos e Pretas de Armas na Mão. Foi lá que eu pela primeira vez gravei um REP misturado com samba: Antimperiomidiático. E assim vou seguindo sempre dando vida às minhas viagens. Mas se vocês se referem ao conteúdo das letras, como eu não sou estático, como eu levei a sério aquele papo de 5º elemento, como eu li e leio livros ao invés de só botá-los nas capas dos discos, como eu tô sempre estudando, a tendência é radicalizar cada vez mais. Me parece que a radicalização é inevitável pra quem estuda pra entender o por quê de vivermos como vivemos e de morrermos como morremos, entender o por quê das desigualdades entre classes, raças, gêneros, o por quê da degradação ambiental, essas coisas todas que falamos nas nossas letras, todas essas coisas que antes eu falava sem entender ao certo o que era, me bastando a aparência, sem buscar a essência. Quando você resolve parar de repetir as coisas de orelhada e estudar pra saber o que elas significam, é natural que você vá cada vez mais em direção à raiz dos problemas. Essa radicalização parece um caminho sem volta. E isso diz respeito também à minha postura, que vai sempre refletir o que tá nas letras. É unidade e coerência. É o que faz de mim um repero comunista.

Talvez algumas pessoas estranhem se as minhas primeiras músicas solo vierem mais tratando da arte, da cultura, vierem com os BPM mais pra cima e num clima menos tenso, como é o caso da Confraternização do Lutarmada, mas é que eram canções que já estavam praticamente prontas para serem lançadas aos poucos no O Levante. Só que nesse novo contexto eu acabo ficando com pouca escolha. Mas são músicas que vão cumprir o mermu papel de antes, de sempre.

PP – Seus trabalhos se caracterizam por ser um rap combativo. Como você vê o atual momento do rap nacional?

Gas-Pa – Vejo com olhos cheios de lágrimas. É difícil pros mais novos entenderem do que estou falando (as vezes eles até ficam putos comigo) mas pra quem viu e viveu o REP que era feito do final dos anos 1980 ao fim dos anos 1990 é muito triste ver no que ele se transformou. Nessas minhas viagens pelo país pude conhecer histórias parecidas com as minhas. Gente que teve uma vida medíocre, ou mesmo criminosa, totalmente transformada com a ajuda do REP. Certa vez eu conversando com um dos fundadores do Lutarmada, contei sobre um amigo que abandonou o crime depois que ouviu Racionais. Em seguida ele me contou de um irmão seu que tava preso porque entrou pro crime incentivado pela música dos Racionais! Quem um dia nos alertou sobre os perigos do estímulo ao consumismo, hoje faz de suas músicas um intervalo comercial, com propaganda de marcas de carro, bebida, joias, roupas, óculos,  etc. Não digo que o REP tenha poder de, sózin, levar ninguém pra caminho nenhum, mas pode ser aquele estalo que faltava pra fazer descer a avalanche. Foi assim comigo.

Tamu passando por um momento muito difícil no qual os instrumentos de luta e resistência da nossa classe estão enfraquecidos, cooptados, seduzidos pelo canto da sereia capitalista. Se a CUT que é uma estrutura mostra, unificada e bem mais organizada que o Hip Hop sucumbiu, por que o Hip Hop atravessaria impune por esse período? Tenho visto e ouvido de tudo que esses olhos e ouvidos nunca imaginaram. Tem um REP, até bem feito, em apologia ao Jair Bolsonaro; ano passado uns MCs daqui gravaram um teaser convocando o povo pras manifestações dos coxinha que tiram selfie com o BOPE vestidos de verde e amarelo; ouvi REP de paly boy zoando os humilde que, não tendo dinheiro pra pagar o ingresso dos “bailes de REP”, pedem pra botar nome na porta e bebem água da torneira; vi Mc rimar sobre “cabelo de Bombril” e “beiço de mula” pra ganhar batalha de sangue; recentemente um grupelho polemizou com um “black face” reclamando melhor tratamento aos boys na cena REP (confesso o erro de me basear somente no que foi dito sobre o vídeo-clip, já que me recusei a ver tudo). Nem imaginávamos que um rapper no Malhação e no Faustão era só a intro, que o pior ainda estava por vir.

O falar do escravizado era um falar entupido de condicionantes. Sob pena de castigos ultra severos a sua fala era medida no volume e no tom da voz, na velocidade da resposta, na escolha certa das palavras e na postura corporal. A vontade era de mandar geral se fuder, mas o desejo era contido pela noção do perigo que isso representava. Mas nos momentos em que o escravizado não estava sob a vigilância de seus superiores hierárquicos, toda essa angústia, todo esse ódio reprimido era extravazado através da música e da dança. Os momentos de celebração do escravizado era um momento de catarse. Isso significa que a música afrobrasileira é na sua origem, na sua gênese uma música de protesto, de luta, uma válvula de escape pra todo sofrimento, toda angústia sofrida, e expressão de todo anseio de liberdade dos meus antepassados. Taí a capoeira que não me deixa mentir. É dança e música que ao mesmo tempo é luta corporal, fruto do mesmo contexto ao qual me refiro. O que eu faço desde 1991 nada mais é do que ser fiel às minhas origens e à origem da música da diáspora africana no Brasil!

Antes que alguém se apresse em dizer que isso não se aplica ao REP por ele não ser uma música brasileira, eu já digo logo que tem rebeldia na pré-história do Hip Hop. Quando a gang The Ghetto Brothers lutava pra unificar as gangs que se digladiavam em Nova York, o faziam sob o argumento de que a luta que eles travavam entre si, na verdade deveria ser contra o inimigo comum a todos eles, que era o capitalismo. Então, quando a Janaína diz que “perifa sofre no confronto de irmão pra irmão/ e quem financia, aplaude pela televisão”, ou quando Us Neguin Q Ñ C Kala cantam que “tu tá ligado que de um lado ‘é nós’ e do outro ‘é a gente’/ e o verdadeiro inimigo vai seguindo sorridente”, ou ainda quando o XL rima que “é irmão matando irmão em guerra de facção/ enquanto o senhor das armas se diverte na mansão”, eles não tão inventando nada só pra fazer malcriação pra deixar os modinha chateados. Esse discurso classista é simplesmente o solo sobre o qual brotou o Hip Hop. Quando você vê o Wild Style, o filme que geral diz ser o mais fiel retrato do começo do Hip Hop, tu vê os cara ocupando prédios abandonados – assim como os Movimentos dos Sem-Teto – pra fazer as festas; tu também vê os caras fazendo “gato” de energia – assim como o novimento dos Religadores, da África do Sul – pra ligar os aparelhos de som e luz. O Hip Hop vem de um embrião rebelde!

PP – Quais nomes novos do cenário nacional você destaca?

Gas-Pa – Pra mim é difícil dizer. Com essa evolução de ré que houve no REP na virada do século, a cena ficou inchada. Muita gente fazendo muita coisa que eu acho ruim demais! Isso me prejudicou porque, pra me preservar, eu me coloquei numa posição tão defensiva, que eu não fico dando play em tudo que aparece na minha frente. Eu fico a mercê das indicações, que muitas vezes também não valem a pena. Como a mediocridade virou regra, houve uma inversão, e artistas como eu, Extremo Leste Cartel, Flávio XL, Macarrão, Eduardo, Us Neguin Q Ñ C Kala, Palavra Feminina, Eli Efi, Lisa Castro, entre outros, acabamos virando minoria. Ainda somos muitos, mas dentro desse imenso universo que se tornou a cena REP no país, viramos minoria. Então se ponha no lugar de um moleque que começa a fazer REP hoje. Qual referência que ele vai ter pra se espelhar se tudo que ele vê na frente é de plástico? O REP deu uma volta ao mundo e voltou pra casa transformado. Ele saiu das periferias, foi pras casas noturnas do Centro e Zona Sul, pra finalmente voltar pras ruas. Só que ele voltou contaminado desse rolé. Hoje as rimas feitas pelos menó das periferias são carregadas dos vícios da playboyzada da Sul. Como eu disse antes, até rimas racistas são recorrentes nas batalhas de MCs daqui das pefifa. A temática foi totalmente alterada. As rimas feitas nas ruas das periferias não refletem mais o que se vive nessas ruas. Um vazio intelectual se encastelou no REP, e a futilidade está reinando. Tá minando MCs rimando “nada” com “porra nenhuma”. Essa degradação acaba por fazer com que nós, que nos mantemos fiéis ao REP original, passemos a ser os alienígenas.

E é lógico que nesse turbilhão acaba aparecendo gente boa, mas que, devido a minha posição defensiva, tá passando batido por mim. Um dia desses ouvi o som de umas minas que me parecem ter emergido daquela maravilhosa jornada de lutas que foram as ocupações das escolas em São Paulo. Com a enxurrada de informações e o escasso acesso à internet, acabei perdendo de vista, mas era muito bom e eu vou recuperar. Tô de olho também no futuro. Tô vendo algumas promessas como o Bigorna e o Leonicio, da ZN, mas atento também pra possibilidade de eles se contaminarem no meio do caminho. Tem toda pinta de que eles estão desenvolvendo anticorpus pra passarem imunes a esse surto de empobrecimento cultural do REP. E que assim seja.

PP – O que mais te motiva a seguir como rapper? O que é ser rapper para você?

Gas-Pa – Na música Graças ao Hip Hop 2 eu conto que merda era eu antes do Hip Hop. O REP ajudou a me resgatar de uma vida que eu não desejo pra ninguém, uma vida da qual eu não tenho a menor saudade. E assim foi com mais uma porrada de gente pelo mundo. E é isso que eu espero fazer com minhas músicas. Se as músicas do Public Enemy, Racionais MCs e outros conseguiram fazer isso comigo, tô ligado que minha música anda fazendo isso por aí também. Houve uma época em que eu recebia e-mails de professores espalhados pelo país pedindo autorização pra usar nossas músicas em sala de aula. Na época eu respondia às mensagens dizendo que não era preciso pedir autorização, já que nossas músicas eram feitas com esse intuito. Agora eu me arrependo, pois era legal saber por onde elas andavam e o que andavam fazendo. Era gostoso ter um “mapeamento”. Mas com ou sem “mapeamento” eu tô ligado. É essa sensação de cumprimento do meu dever militante que me motiva.

PP – Você acaba de lançar seu primeiro trabalho solo, “Confraternização do Lutarmada”. Fala um pouco sobre a música. Temática, instrumental e as participações de K-Lot e Bira (B2C).

Gas-Pa – É um recado tanto pra esquerda que faz vista grossa ao papel da arte na luta revolucionária, quanto à isenção política no Hip Hop. Ambos muito bem capitalizados pelo nosso inimigo de classe. Sobre o instrumental, é a minha segunda experiência produzindo minhas próprias bases. Sou um sampleador nato, eu amo o sample, adoro pesquisar samples, adoro fazer tasco das músicas duzotru virar uma base de REP. Pesquisar sample não é simplesmente procurar umas baixarias fodas, uns rifes fodas de guitarras, uns metais fudidos, não. Isso tudo tem que virar um instrumental que, combinado com a letra, desperte o sentimento que tu quis provocar. Eu amo isso. Acho que tenho dado conta.

E a participação do K-lot e do Bira se deu por conta de eu precisar de gente pra tocar aquele diálogo do começo e os caras estavam no estúdio naquele momento. E ainda bem que foram eles, duas pessoas que eu curto legal. Mas parcerias minhas com o K-lot não deve parecer inusitado já que a gente cantou no mermu grupo durante cinco anos. Nossa história é bem antiga.

PP – Quais os planos para 2016?

Gas-Pa – Continuar gravando. Um cara da velha escola que fez muito sucesso na cena REP dos anos 1990,  lá de SP, topou gravar comigo, mas já vi as redes sociais anunciarem o retorno do seu grupo, com a formação original. Me parece que isso vai adiar um pouco a nossa parceria. Aguardemos cenas dos próximos capítulos.

PP – Deixa uma mensagem final.

Gas-Pa –  Revolução Socialista!

Nota: A entrevista ficou pronta antes da covarde agressão e humilhação sofrida por rês grafiteiros na região da Saara, no Centro do Rio de Janeiro.


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