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031013 viniciusBrasil - PSTU - [Diego Cruz] Em outubro completa-se o centenário do nascimento de Vinicius de Moraes.


 

A carta do diplomata lotado no Uruguai requerendo a sua transferência ao Brasil é inusitada: "Preciso de fato voltar para o Rio. Não é um problema material, de dinheiro, ou de status profissional. Tudo isso é recuperável. É um problema de amor, pois o tempo do amor é que é irrecuperável". O Itamaraty, certamente, nunca havia recebido um telegrama como aquele enviado por Vinicius de Moraes aos seus superiores lá pelos idos de 1960. O motivo do pedido não poderia ser outro: uma paixão, algo que sempre guiou tanto a obra do poeta quanto sua própria vida.

Nesse centenário do nascimento de Vinicius, pode-se afirmar que ele permanece vivo e arraigado ao imaginário social do país. De Garota de Ipanema, escrita com seu parceiro mais célebre, Tom Jobim, e talvez a música mais executada no planeta, ao inconfundível soneto que embala há décadas as cartas de amor e cujos versos se iniciam da seguinte forma: "Amo-te tanto, meu amor... não cante/ O humano coração com mais verdade...", o poeta segue presente em nosso dia-a-dia.

Vinicius, que completaria 100 anos no próximo dia 19 de outubro, foi muitos. Compositor, dramaturgo, diplomata e, claro, poeta.

"Foi tornando-se Vinicius"

Vinicius nasceu Marcus Vinicius de Moraes, no bairro da Gávea, num Rio de Janeiro bem diferente do atual em que a cidade, embora já grande, ainda não era a metrópole de hoje. Ainda que sua família não fosse exatamente rica, seus pais puderam garantir uma educação rigorosa num tradicional colégio jesuíta em que estudava a elite carioca. Em casa, Vinicius teve a influência do pai, um funcionário da prefeitura e poeta amador e da mãe, também pianista amadora.

Essa dicotomia entre a tradição e a modernidade e o popular, tenha talvez sido reforçada pelo contato com um operário que morava num puxadinho na chácara de seus avós e que, à noite, batucava um samba. Mas o fato é que o jovem Vinicius não se parece em nada ao poeta que conhecemos hoje. Estudante de direito e politicamente próximo dos integralistas (ele só abandonaria a predileção pelo fascismo anos depois após uma viagem ao Nordeste), Vinicius era um poeta preso à rigidez das métricas. Com apenas 23 anos publicou o livro "Forma e Exegese", obra que, além da atenção à forma, refletia a influência da religiosidade dos jesuítas e que acabou ganhando um prêmio nacional de literatura.

Mas aquele não era Vinicius, como o também poeta e amigo pessoal, Ferreira Gullar, fez questão de enfatizar no documentário "Vinicius" de 2006. "Aquilo não é ele, então, pouco a pouco, ele vai se tornando Vinícius Moraes". Numa espécie de "Benjamin Button" dos trópicos, aquele garoto de trajes sisudos e poemas rebuscados vai se tornando cada vez mais jovem à medida que envelhecia, adotando uma métrica mais livre e incorporando os temas do cotidiano. Um caminho que levou décadas a ser percorrido e que conduziu, ao final, a um dos maiores tradutores de nossa "alma brasileira", se é que se pode falar em algo assim.

O encontro com a música popular

Como ocorreu a incursão de Vinicius ao mundo da música popular? Após ter passado uma temporada na Inglaterra para estudar literatura e já casado, ele arruma um emprego de diplomata no Itamaraty, serviço que lhe permitiria nos anos seguintes viajar pelo mundo, conhecer toda uma gama de artistas e intelectuais e que, de quebra, ainda lhe garantiu tempo para se dedicar à poesia. Na década de 1940 e boa parte dos anos 1950, desta forma, Vinicius de Moraes se firma como um reconhecido e respeitado poeta.

Sua entrada triunfal no universo da música popular, no entanto, só iria ocorrer em 1956, data em que ele lança a peça de teatro "Orfeu da Conceição". Era, na verdade, a adaptação de um roteiro para um filme chamado "Orfeu Negro" cuja produção não havia dado certo devido à falta de financiamento (seria filmado posteriormente). Tratava-se de uma releitura do mito grego de Orfeu transposto para a favela do Rio. O heroi aqui, porém, já não é o inventor da cítara que enternecia musas e sereias, mas um sambista negro do morro. Para compor as músicas, Vinicius recrutou um jovem pianista de 29 anos que ganhava a vida tocando em bares de Copacabana. Seu nome era Tom Jobim.

A questão racial, aliás, foi sempre cara a Vinicius, que se intitulava "o branco mais negro do Brasil". Seu poema (que depois se tornou música) "Blues para Emmett" fala sobre o brutal assassinato de um jovem negro no Missipi em 1955. O garoto de 14 anos, Emmett Louis Till, foi barbaramente torturado e morto por ter assobiado a uma mulher branca na rua. "Os assassinos de Emmett/Chegaram sem avisar/Mascando cacos de vidro/Com suas caras de cal", diz a música, que é entrecortada pelo lamento "Poor mamma Till!" (Pobre mamãe Till).

Dois anos depois de Orfeu, em 1958, o disco "Canção do Amor Demais", interpretada pela cantora Elizeth Cardoso, trazia músicas da parceria Tom e Vinicius e que foram consideradas o marco fundacional da Bossa Nova, principalmente pela música "Chega de Saudade" com a batida inovadora do violão de João Gilberto. Isso tornou o nome de Vinicius para sempre associado à bossa nova, o movimento que unia o jazz norte-americano ao samba brasileiro e que, de forma até certo ponto injusta, ganhou uma pecha de elitista por ter sido gestada nos interiores dos apartamentos de Copacabana. 

Um artista inquieto

No decorrer de sua carreira musical, Vinicius de Moraes trabalhou com quase todos os ícones da MPB do século XX, como o próprio Tom Jobim, além de Chico Buarque, Edu Lobo, Carlos Lyra, entre outros, produzindo canções que estarão eternamente em nosso repertório. No entanto, outra faceta marcante do poeta foi sua inquietude, não só em relação á vida como em sua música, e daí uma das razões pelos quais não seja possível circunscrever sua obra à bossa-nova.

Em 1966, por exemplo, Vinicius se aliou ao virtuoso violonista Baden Powell para produzir o que batizaria de "Afro-sambas". O resultado foi um disco altamente influenciado pelos instrumentos, sonoridade e temas de origem africana e do candomblé. Um disco cuja genialidade talvez ainda esteja para ser plenamente reconhecido, ainda que tenha produzido “sucesso” como "O Canto de Ossanha".

Já os anos 1970, em sua fase derradeira, ficaram marcados pela parceria com o então jovem músico Toquinho, discípulo de Paulinho Nogueira, um dos maiores violonistas da história do Brasil.  Os dez anos de parceria renderam músicas como "Como Dizia o Poeta", “Testamento”, além de quase duas dezenas de discos. Foram os anos de sucesso, das turnês internacionais e shows nos estádios, findos apenas com a morte precoce do poeta em 9 de julho de 1980.

O poeta da paixão

Por que, mais de trinta anos após a sua morte, Vinicius de Moraes continua despertando tamanho fascínio? Talvez parte da resposta venha de sua genialidade, tendo sido apontado como um dos maiores sonetistas da língua portuguesa após Camões. Talvez, parte também venha de seu caráter contestador, que lhe teria custado o posto de diplomata após o decreto do AI-5 e a aposentadoria compulsória pelos militares.

O fato é que Vinicius foi daqueles poucos artistas que fizeram da própria vida uma extensão de sua arte. De uma sensibilidade aguçada movida a paixões desenfreadas, usava o álcool para se proteger das dores do mundo (daí tiradas que entraram para a história, como a que o uísque é “o cão engarrafado”).

Carlos Drummond de Andrade conseguiu definir bem o amigo: "Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer da poesia em seu estado natural". Não escondendo a inveja, o velho poeta engomadinho de Itabira ainda confessou: "Eu queria ter sido Vinicius de Moraes". E quem não queria?

 


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