Os dois engenheiros e o técnico terceirizado da Norte Energia, consórcio responsável pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, foram liberados pelos indígenas nesta quinta-feira (26). A liberação ocorreu após a empresa se comprometer a realizar uma reunião com lideranças indígenas e funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) nesta sexta-feira (27) para tratar das reivindicações dos povos que habitam a região que será afetada pela obra.
A pauta principal da reunião foi o sistema de transposição de pequenas embarcações que a Norte Energia vai implantar para compensar o barramento completo do rio Xingu na altura do canteiro de obras de Pimental.
Durante a reunião, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ibama e à Funai a tomada de providências urgentes para a garantia da navegabilidade para pequenas embarcações na área onde está sendo construída a usina hidrelétrica. O MPF quer que o Ibama dimensione as alterações que irão ocorrer na forma de navegação e divulgue-as de maneira clara e compreensível para a população em geral e, em especial, para as comunidades indígenas. À Funai, segundo o órgão, cabe o acompanhamento para que o mecanismo de transposição seja feito somente após a análise do Ibama e da Agência Nacional de Àguas (ANA). Caso as recomendações não forem atendidas, o MPF pode buscar soluções por meio de medidas judiciais.
Protesto
A indefinição sobre como será o sistema de transposição das embarcações foi o que motivou a detenção dos trabalhadores pelos índios das etnias Juruna e Arara na Aldeia Maratu na última terça-feira (24). Os indígenas realizaram a ação como forma de protesto ao fracasso da primeira reunião de consulta realizada pela Norte Energia, na segunda-feira (23), para dar as explicações sobre o projeto.
Para obter a licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para fechar a barragem do rio – conhecida como ensecadeira de Pimental – a Norte Energia tem que realizar quatro reuniões de consulta às populações indígenas e ribeirinhas que ficarão sem acesso fluvial à cidade de Altamira (PA). A consultas também são uma condição para que a Funai faça um parecer que autorize ou não a conclusão do barramento, a ser apresentado ao Ibama.
De acordo com o MPF, que participou da primeira consulta, os engenheiros deram explicações extremamente técnicas e de difícil compreensão para os indígenas. “A uma certa altura, os próprios engenheiros reconheceram que a reunião era absurda, que aquilo não era oitiva, que a Funai não poderia considerar a reunião como tal, e que o projeto técnico que estavam apresentando não fazia nenhum sentido”, disse a procuradora do MPF Thais Santi.
“Ninguém entendeu nada do que os técnicos falavam, e eles mesmo não tinham nenhuma resposta às nossas perguntas”, explica Giliarde Juruna, liderança da TI Paquiçamba. “Não souberam falar como ficará o banzeiro do rio, como nós vamos navegar, e nem o que tinha mudado no projeto desde a primeira versão que eles apresentaram no ano passado”, afirma Giliarde.
Na recomendação feita pelo MPF nesta sexta-feira, está a necessidade de que sejam apresentados de forma didática os resultados de avaliações preliminares realizadas pelo Ibama e pela própria Funai sobre a efetividade do mecanismo de transposição. “Que as questões levantadas pelos indígenas quanto a possíveis riscos do sistema de transposição, aumento no tempo de deslocamento, necessidade eventual de adaptação de embarcações e suas interfaces com outros impactos das ensecadeiras, sejam devidamente analisadas e incorporadas ao parecer final da Funai”, recomenda o MPF.
Promessas vazias
Os indígenas que participaram da primeira consulta da Norte Energia sobre a alternativa ao barramento do rio Xingu foram os mesmos que ocuparam a ensecadeira de Pimental por 21 dias a partir do final de junho para cobrar o cumprimento das condicionantes indígenas. A falta de qualquer resposta da empresa ao documento encaminhado à direção da Norte Energia após o processo de negociação da desocupação da ensecadeira contribuiu para a descrença nas promessas e propostas do consórcio, afirmaram os indígenas. “Passaram 20 dias desde a última reunião e a Norte Energia não fez absolutamente nada”, diz Giliarde.
Na reunião desta sexta-feira, outras demandas indígenas também foram apresentadas, como as relativas à garantia da qualidade da água e as soluções para questões fundiárias e ambientais. Os indígenas denunciam que, assim como a criação do mecanismo de transposição das embarcações, diversas outras obrigações não foram cumpridas pela Norte Energia até o momento.
O não cumprimento das condicionantes impostas para a instalação de Belo Monte motivaram o MPF a entrar na Justiça com a 15ª ação contra irregularidades do projeto de Belo Monte. A ação, interposta na terça-feira (24), exige o cancelamento da licença da usina. De acordo com o MPF, informações do próprio Ibama, da prefeitura de Altamira e de lideranças locais mostram que iniciativas obrigatórias estão há um ano sem sair do papel.
O MPF também lembrou que desde 2001 vem alertando a Justiça que, se as regras do licenciamento ambiental continuarem a ser desrespeitadas, o projeto de Belo Monte será um causador de conflitos em potencial, a exemplo do protesto realizado pelos indígenas nesta semana.
Foto: R7 - Obras da usina de Belo Monte.