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170116 serBrasil - Diário Liberdade - [Roberto Bitencourt da Silva] Uma época bastante adversa.


Foto: Sérgio Magalhães (PTB) em campanha eleitoral para o governo da Guanabara (Fonte: Novos Rumos, 30/09 a 09/10/1960).

Experimentamos no Brasil um árido tempo marcado por muita angústia e ansiedade, com perceptível perda de esperanças e horizontes individuais e coletivos.

Refiro-me a nós, trabalhadores dos estratos médios e populares, ao povão subempregado e desempregado, à pequena burguesia, aos micros e pequenos empresários.

Os bancos, o grande capital internacional e nacional, os parasitas e os rentistas de títulos, dividendos e imóveis, estes, vão muito bem, obrigado.

Nadam de braçadas em um dos países socialmente mais injustos, dotados de maior concentração de rendimentos do planeta. A crise? Que crise!? A turma do alto da pirâmide (anti)nacional e antipopular desconhece.

Todavia, a cada dia fica mais claro o desapossamento do povo brasileiro sobre qualquer instrumento de participação e decisão em torno dos negócios púbicos. Desapossamento sobre direitos e suas próprias margens de liberdade de escolha e, em muitos casos, de sobrevivência.

Votou em uma plataforma eleitoral de promessas? Danou-se. Desinibidamente é colocada no lixo, pelo governante de plantão. O atual e absurdo veto da presidente Dilma (PT) à auditoria da dívida pública, aprovada até mesmo por um medonho Congresso Nacional, talvez seja sintoma evidente.

Rentistas e bancos controlam quase metade do orçamento federal. A coisa não é lá muito diferente nos estados. Mas, a “crise”, alegam os chefetes em gabinetes confortáveis, tem que ser paga pelo povo. No Rio, a retórica do governador Pezão (PMDB) é exemplar típico.

Adoção de tributação progressiva e direta, permitindo um mínimo de justiça contributiva e distributiva, necas de pitibiriba. Redução, senão mesmo suspensão, de infindáveis isenções e subsídios às grandes empresas nacionais e internacionais, nem pensar.

Reavaliação urgente do perfil de acolhimento das corporações multinacionais, que vêm sangrando a balança de pagamentos, desnacionalizando a indústria nacional e transferindo para o exterior enormes riquezas produzidas no país: fora de cogitação.

Em verdade, os próprios endeusados e chamados investimentos externos sequer merecem tal designação. Estudo anterior dá pequena mostra de uma espoliação de caráter tipicamente colonial, que notabiliza a atuação das multinacionais na economia brasileira.

Saiba mais: As perdas internacionais estimuladas pelo governo do Rio de Janeiro

Em um balanço rápido dos dilemas e das vicissitudes do nosso tempo, não é desrazoável argumentar que os governos, de fato, no Brasil, são formados por grandes corporações internacionais e nacionais. Nomes e siglas de turno apenas como títeres.

O resto é espuma e burburinho, que tendem a escapar das questões centrais que devem interessar ao país. Tem razão o professor Nildo Ouriques (UFSC) quando assinala que o povo se encontra solito e precisa tirar conclusões e ordenar ações a partir do cenário vigente.

Mas, vamos ao grande homenageado, pois ele tem muito a nos dizer, também sobre o presente.

Sergio Magalhães: nacionalismo, anti-imperialismo e democracia participativa

Deputado federal pelo PTB carioca, entre os anos de 1955 e 1964, o recifense Sérgio Magalhães nasceu em 7 de fevereiro de 1916. Falecido em 1991, completaria 100 anos em 2016. Formado pela Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1936, migou para o Rio de Janeiro, tendo trabalhado, entre outros, no IBGE, entre os anos 1940-50.

Eleito pelo PTB carioca, em 1954, como deputado federal, foi reeleito até 1962, tendo seu mandato cassado em 10 de abril de 1964, pelo arbítrio da ditadura que se instalara. Um dos personagens mais marcantes das esquerdas, no período entre meados dos anos 1950 até o golpe empresarial-militar de 1964.

Foi vice-presidente da Câmara dos Deputados entre 1959-61 e presidente da aguerrida Frente Parlamentar Nacionalista – frente interpartidária que contava com apoio de setores da intelectualidade e das Forças Armadas, além de defender os interesses dos trabalhadores urbanos e rurais, do movimento estudantil e dos praças das Forças Armadas –, no conturbado intervalo de 1963 a 1964.

Competiu com Carlos Lacerda (UDN) na eleição para o governo do estado da Guanabara, em 1960. Perdeu por insignificante margem de 2% de votos. Moniz Bandeira, que foi seu assessor parlamentar, alega ter ocorrido fraude na contagem de votos e que Tenório Cavalcanti, candidato popular, foi financiado pela CIA, para tirar votos de Sérgio. Não fosse a cassação e a ditadura, já era considerado favorito à eleição ao governo carioca em 1965.

Como parlamentar, os jornais de esquerda – O Semanário, Última Hora e Novos Rumos –, não poupavam elogios à sua atuação: “vibrante”, “operoso”, “corajoso”, “maior líder nacionalista”, “trabalhou nas férias a elaboração de projeto”, “erudito”, “dotado de estofo intelectual” etc. O próprio Estadão, que fazia encarniçada oposição às suas ideias, não deixava de atribuir “o idealismo, o valor moral e o bom nível intelectual” do deputado trabalhista.

Vejamos algumas ideias e projetos defendidos por esse grande e, infelizmente, esquecido político das esquerdas brasileiras:

a) Propugnou a encampação estatal de imóveis alugados. O inquilino – que não possuísse um imóvel – pagaria o mesmo valor dos alugueis à União, só que sob a forma de prestações da moradia que seria sua. Os valores seriam repassados pela União aos ex-proprietários, a título de indenização. A diferença resultante entre o total das prestações e o valor do imóvel, da mesma forma, seria coberta pelo governo federal. Como se vê, o direto à moradia fica bastante claro e em termos radicalmente diferentes do que se tem adotado no tempo corrente.

b) Visando superar o desinibido e espoliativo imperialismo estadunidense, defendeu o reatamento de relações internacionais com todos os países do mundo, inclusive socialistas, almejando romper as barreiras do poder estadunidense do dólar.

c) Defendeu a nacionalização do sistema bancário, de sorte a coibir a evasão de riquezas para fora, assim como condicionar os depósitos bancários, feitos por brasileiros, para empréstimos que deveriam ser canalizados para o Estado e para a iniciativa privada, e não para multinacionais. Isso em conformidade com os interesses do desenvolvimento nacional.

d) O tema pelo qual ganhou absoluta notoriedade entre os seus pares da seara política e entre os movimentos sindicais e estudantis foi o projeto da limitação das remessas de lucros do capital estrangeiro. Limitava em 8% a transferência de dividendos e lucros, somente sobre o valor originalmente trazido pelo investimento estrangeiro. Aos reinvestimentos (lucros obtidos no mercado de trabalho e consumidor nacional) proibia remessas, conceituando-os como “capital brasileiro em mãos de estrangeiros”. Fundamentalmente, pretendia preservar divisas e investimentos na economia brasileira. Esse projeto foi aprovado em 1962 e regulamentado pelo presidente João Goulart em janeiro de 1964.

Tema politicamente explosivo, contou com a hostilidade de toda a imprensa conservadora – O Globo, Jornal do Brasil, Estadão, Folha, Correio da Manhã, O Jornal –, além de sistemáticas pressões adversas de entidades empresariais brasileiras e do governo e dos capitalistas dos Estados Unidos.

A lei da limitação das remessas de lucros dos investimentos externos foi um dos temas mais importantes da agenda pública entre 1959 e 1964, ao lado da reforma agrária. Representou uma variável decisiva para a deflagração do golpe empresarial-militar e a instalação da ditadura por mais de 20 anos.

Ademais, em sua visão, o povo deveria ter voz ativa nos processos decisórios da sociedade e do Estado: “Não se pode fazer reforma agrária sem a participação dos lavradores, do mesmo modo que não se pode fazer reforma bancária sem a participação dos bancários” (Sérgio Magalhães, “Prática da emancipação nacional”, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1964).

Uma perspectiva que sublinhava o direito dos sindicatos e demais organismos populares em participar da construção da agenda pública e lançar as bases de uma democracia participativa que transcendesse a mera representação oligárquica e burocrática, tida, ainda hoje, pelo imaginário político prevalecente, como “democracia”.

Precisamente por suas ideias e por ter exercido papel tão saliente no período anterior ao golpe, é possível que possamos achar uma das razões para o injustificável obscurecimento deste grande patriota.

Diga-se, Sérgio Magalhães que tinha seus passos acompanhados pelo Departamento de Estado norte-americano, classificado junto com Miguel Arraes (PST) e Leonel Brizola (PTB), como integrante de setores “extremistas comuno-nacionalistas, ultranacionalistas e revolucionários de esquerda”.

O Capitão Vitorino e o nacionalismo

O Capitão Vitorino é um personagem extremamente simpático, quase folclórico, inserido no fictício universo rural paraibano, situado na segunda metade do século XIX. Fruto de genial obra do flamenguista José Lins do Rêgo.

O personagem é um sonhador, desbocado, valentão, cioso por igualdade e justiça. No mais, em extensa parte do livro, o Capitão é submetido a mil vexações e zombarias. Errante, tratado como um doido, só dá vergonha à família e aos amigos.

Contudo, na hora em que o “bicho pega”, quando todas as esperanças se esvaem do pequeno povoado oprimido e desalentado, recém-saído da escravidão, sob o domínio de oligarquias politiqueiras, violentas e nada ciosas com os interesses do vilarejo, da gente humilde trabalhadora, aí aparece a grandeza do capitão Vitorino, antes desprezado.

Agindo sozinho, enfrenta a todas as mazelas do fictício cantão paraibano – governo, cangaço, coronéis, polícia. Incialmente sua ação é movida para defender um sertanejo prestes a ser expulso de casa por um fazendeirão. A partir disso, é o capitão Vitorino quem enfrenta os “grandes”, as diferentes e principais fontes de poder que oprimiam ao povo humilde.

Faço essa reminiscência literária por me lembrar bastante a antiga tradição nacionalista e anti-imperialista brasileira, tão bem representada por Sérgio Magalhães.

Desde a ditadura, sobretudo após a década de 1990, o nacionalismo tem sido irrefletida e vulgarmente tratado como fenômeno “anacrônico”, “superado”, “populismo rasteiro”, “irracional” e destoante da “modernidade globalizada”.

Com os inúmeros e cada vez mais claros problemas que acometem o povo brasileiro, somente postulados políticos, sociais e econômicos atentos às grandes questões do nosso país, sobretudo, mirar e agir contra os grandes centros do poder que retiram a esperança e impõem uma ambiência social depressiva e sem horizonte, podemos sair em busca da construção de nova, merecida, justa, igualitária e melhor forma de vida em sociedade.

A fictícia ousadia do personagem Capitão Vitorino, assim como a bravura e a capacidade de percepção estatista, popular-democrática, nacionalista e anti-imperialista de Sérgio Magalhães, sobre os atores e as corporações que, realmente, tolhiam e tolhem nossas grandes possibilidades enquanto civilização, precisam servir de inspiração.

Sermos um povo mais soberano, saudável, feliz, educado e detentor dos nossos destinos é um direito inalienável que nos assiste. Foi exatamente essa a razão de vida do grande e injustamente esquecido Sérgio Magalhães, que hoje pode nos serve como extraordinária inspiração.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Publicado também em Blog de Roberto Betancourt.


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