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corrupçãoBrasil - Realismo Político - [André Ortega] Estamos há cerca de dez anos falando de corrupção ininterruptamente, corrupção virou um sinal ideológico poderosíssimo no discurso midiático, político e cotidiano. Uma palavra mágica. Tudo é motivo para se falar de corrupção, tudo é corrupção, a corrupção está em todos os lugares, a corrupção é o maior problema, etc…


Protesto da direita contra a corrupção e o Governo Federal. Foto: Norbert Suchanek/Diário Liberdade

Estão todos falando de corrupção e sendo expostos a casos de corrupção mas a maioria ainda não tem muita noção ao que estão se referindo exatamente, falam raivosos dos “políticos ladrões!”, “políticos que roubam nossos impostos!”, “deputado é tudo ladrão!”.

Casos de compra de votos no congresso (Mensalão), de compra de políticos ou benefícios com propina, tráfico de influência, tudo isso vira no imaginário popular “roubar”, tirar dinheiro do erário público, coisa que não é.

Geralmente corrupção nos altos cargos não se trata de “meter a mão”, mas sim de ser comprado por algum interesse privado, servir algum interesse privado a revelia da lei; isso num mundo em que os interesses privados (vide construtoras) já são mais do que contemplados dentro da lei. Não basta ter os tecnocratas do Banco Central, não basta receber bilhões do BNDES – tem que dar um jeito de sair da lei por garantia. Meter a mão é mais do domínio das prefeituras, ou melhor, quanto mais se baixa na hierarquia federativa, mais se rouba – prefeituras são especialistas em sumir com repasses federais, hospitais e sistemas de saneamento viram belas misturas de nada com coisa nenhuma. No entanto, pouco se fala de prefeituras, esse pequenos feudos que povoam a base política do país. Falam muito de presidente, de deputado, mas esses não tem tanta visão de enriquecer – além de seus salários gordos eles tem a sua disposição toda ordem de bajulações do setor privado, somadas com os benefícios que são prerrogativas de seus cargos. Um prefeito de uma cidade pequena ou média tem muito mais perspectiva de fazer a vida de uma vez através de seu cargo, de montar aquela chácara paradisíaca, de comprar aquele carro de luxo, de comprar aquele posto de gasolina da cidade, de aumentar seus bens em imóveis…. e é muito mais fácil de roubar quando se é prefeito.

Falam tanto de corrupção, mas só falam das altas instâncias, se esquecem da corrupção disseminada, não só nas prefeituras (vergonhoso) mas em serviços públicos e até mesmo nas estruturas do judiciário. De qualquer forma, foquemos na corrupção não é roubo mas ainda assim é tratada como tal. Como nós chamamos quando as pessoas passam uma década falando em corrupção, consumindo diariamente casos de corrupção mas ainda assim só falam de roubos e de ladrões? Nós chamamos de tragédia.

O que é a corrupção na tradição republicana, de Aristóteles e Cícero à Montesquieu e (principalmente) Maquiavel? É a erosão da virtude do cidadão enquanto tal, isto é, enquanto membro da coletividade política, é quando aquelas qualidades necessárias pra manutenção da república, é oposto do sentimento e do engajamento cívico. A sonegação fiscal é uma forma óbvia de corrupção, mas uma grande parcela dos “preocupados” defendem a sonegação dos milionários como justa e aceitável.

Isso é uma tragédia pois mostra que as pessoas simplesmente não entenderam o problema da corrupção, não entenderam que se trata de um vício político, uma coisa hostil a coisa pública. De certa forma internalizaram a mesma lógica da corrupção, uma lógica privada, individualista, anti-cívica.

Só conseguem pensar no “político ladrão”, o errado é simplesmente roubar, não pensam no político que vende a dignidade da cadeira e seu fardo de representação, que, mais do que “enriquecer ilicitamente”, arruína a coisa pública.

Eu conheço vários que ostentam sua lógica hostil a coisa pública ao mesmo tempo que rosnam contra a “corrupção”. São pessoas que se realmente confrontadas com o que é um crime de tráfico de influência (o “crime do Lula”) na verdade não vão achar crime nenhum. Afinal, qual é o problema de você recomendar um amigo, uma mão lava outra não é mesmo? Não estou roubando nada afinal! Conheço exemplos na política. Vivem no individualismo, no familismo, no favoritismo, mandando no espaço público como se mandassem num feudo. Isso é abrangente, até as corporações estrangeiras exemplares que tanto cultuam sabem disso: sabem que aqui existe uma cultura de favoritismo e que isso é um fator de grande fricção nos seus negócios na forma de ineficiência e corrupção (assim elas formulam; mas não vejo os estrangeiros como uma espécie de “santos”, não são mais morais, talvez um pouco mais profissionais – profissionais que também sonegam, também lavam dinheiro, também desviam dinheiro e tudo mais). Isso acontece dentro das empresas, dentro do exemplar setor privado. Isso é tão presente na lógica do setor privado que ele acaba se tornando o pivô da corrupção no Brasil.

O papel fundamental das empresas privadas, que são as que buscam os benefícios dessas práticas, é negligenciado, esquecido. Essas sim querem saquear o Estado, mesmo quando estão prestando o serviço contratado estão sobre um contrato concedido a margem da lei, conquistado com subornos. Ladrão é o empresário ambicioso que procura o corrupto, pagando uma propinazinha que não passa de um investimento – afinal, não é essa a lógica do mercado? O mais forte é aquele que sobreviver.

No nosso modelo de capitalismo especialmente, que com certas pressupostos podemos chamar de “capitalismo burocrático”, rapinar o Estado é uma necessidade, é uma prática que faz parte da base do sistema. A Petrobrás é exemplar, com todo um complexo econômico que surge ao redor dela (consultorias, petroquimicas, distribuidoras, fornecedoras, etc). As empresas estrangeiras também não ficam atrás, pelo contrário, são as que mais sugam, seja na hora de ter suas operações estabelecidas pelo BNDES ou seja na hora de violar a lei mais abertamente (caso do metrô paulistano).

A corrupção é e sempre foi uma realidade encrostada no nosso país. Lembremos que Jango liberou 60 milhões do banco nacional para financiar uma fazenda para o General Amaury Kruel (vide Paulo Schilling, 1979), como forma de suburno comum na República Nova (onde os militares já tinham um cacife grande), o que não impediu ele de aceitar seis malas de dólares para trair Jango no golpe de 1964. É ridículo pensar que ainda hoje há quem acredite que “não havia corrupção”, sendo que o golpe em si já foi trocar a pátria por um prato de lentilhas (que a desgraça recaia no nome de todos os golpistas). É necessário lembrar também dos caóticos anos 90. Com memória curta alguns brasileiros hoje fingem que a corrupção começou com o governo do PT, ou são desonestos e falam de “pior corrupção da história”. A própria onipresença da corrupção no vocabulário político é produto de uma escusa campanha política do antipetismo, que foi o que imprimiu a imagem no imaginário público através de uma guerra de comunicação.

Ser “contra corrupção” virou somente um código vulgar para ser anti-petista, é a desculpa para a oposição radical ao governo instituído, como se ele fosse especialmente corrupto.

Não nego a corrupção – pelo contrário, acredito que é uma praga um tanto abrangente, parte da crise moral e política da nação. Só lamento que ninguém realmente se importe: o debate se polarizou entre os que fingem que se importam (anti-petistas) e os que subestimam o problema (governistas).


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