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bancBrasil - Diário Liberdade - [Maurício Campos] O vazamento monumental de dados de contas privadas do banco HSBC na Suíça, apelidado Swissleaks, apesar de revelar toda a rede criminosa mundial alicerçada na banca internacional, tem não obstante merecido pouca atenção da imprensa especializada em economia e finanças.


Embora figurando nas manchetes de grandes jornais como Le Monde e The Guardian, há quase um mês, tem sido tratado como questão secundária por órgãos como The EconomistBussiness WeekFinancial Times, ou o brasileiro Valor Econômico. Aqui, só a Istoé Dinheiro dedicou uma capa ao caso, em sua última edição (no. 905), mas a reportagem trata a questão como algo específico do banco inglês, sua má gestão e corrupção, omitindo dados essenciais do vazamento e da investigação.

A história começou em 2008, quando um ex-funcionário da filial suíça do banco britânico, o engenheiro de software Hervé Falciani, uma espécie de Edward Snowden dos segredos bancários, roubou dados de mais de 100 mil correntistas do private bank (seção de contas especiais e secretas) do HSBC, espalhados por todo mundo. Falciani teria tentado negociar os dados secretos com diversos governos, pois a lista apontava possíveis fraudadores do fisco, mas acabou sendo investigado ele próprio e teve seus computadores vasculhados pela polícia francesa no início de 2009. No final do ano passado, ele foi indiciado pelo governo suíço por crimes de espionagem industrial.

O governo francês, contudo, fez pouco com as informações que obteve, parte das quais compartilhou com outros governos europeus, que também não conduziram quaisquer investigações dignas de nota. Quase nada vazou para a imprensa até o mês passado, ou seja, SEIS ANOS depois. Pequenos escândalos, a partir do vazamento de partes dos dados, aconteceram por conta de publicações na imprensa grega e espanhola, mas nada que fizesse jus ao tamanho da podridão revelada. Foi somente a mobilização de um conjunto de jornalistas, reunidos no The International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ, http://www.icij.org, há 4 brasileiros dentre os 185 membros dessa rede), que conseguiu levar tudo a conhecimento público.

Em parte, a omissão dos grandes jornais pode ser atribuída às ameaças do próprio HSBC, primeiro ou segundo maior banco do mundo, portanto grande fornecedor de publicidade e receita para a mídia mundial, particularmente a especializada. Um pouco dessas ameaças foi admitida pela BBC e o The Guardian, e o comentarista chefe do Daily Telegraph, Peter Oborne, pediu demissão devido ao jornal ter cedido a elas. Mas, não há dúvidas, o silêncio relativo da mídia e a omissão escandalosa dos governos deve-se às possíveis conseqüências (políticas, econômicas e outras) que uma investigação a fundo das ramificações do caso poderiam trazer.

De fato, os valores envolvidos, que só se referem a "operações" realizadas em 2006 e 2007, são expressivos, mas só são economicamente significativos para alguns países pobres, cujas elites endinheiradas e corruptas depositam no exterior o fruto de seus roubos e da exploração de seus povos. Os correntistas VIP da Costa do Marfim e do Senegal, com contas na filial suíça do banco britânico, por exemplo, foram responsáveis por perdas de capital equivalentes a 39% e 38% do orçamento da saúde, e 14% e 18% do orçamento da educação, de seus respectivos países (http://www.euractiv.com/sections/development-policy/swiss-leaks-catastrophic-african-economies-312035).

Muito mais significativas, entretanto, são as conexões a que os dados revelados levam. Entre os correntistas "respeitáveis" da lista Falciani estão empresários e celebridades do cinema, da música e dos esportes, cujo crime potencial ou já provado é a evasão fiscal (sonegação); mas no mesmo saco estão traficantes de drogas e de armas, governantes de regimes reconhecidamente ditatoriais, "terroristas" e até negociantes dos diamantes de sangue extraídos em países africanos devastados por guerras civis. Fosse qual fosse o crime dos seus clientes, o HSBC facilitava da mesma maneira as operações ilegais de lavagem e transferências de fundos, como por exemplo saque em espécie de quantidades elevadas, em moeda estrangeira (ou seja, qualquer uma que não o franco suíço). E estou usando o verbo no passado apenas porque as informações atuais não foram ainda descobertas / divulgadas.

Mas, algumas informações, pouco destacadas nas notícias, merecem maior atenção. Israel, um pequeno país (sua população não chega nem perto da população da cidade de São Paulo) e uma pequena economia (menor que a de Portugal), aparece entretanto em sexto lugar na lista Falciani, tanto em termos de número de contas (mais de 6500) como por saldo das contas (8,9 bilhões de dólares). Curioso que tal dado seja omitido pela imprensa que tem destacado as contas em nome de possíveis "terroristas" oriundos de países muçulmanos. Aliás, o único país muçulmano que chega perto de Israel em valor de saldos é a Arábia Saudita, eterna aliada das potências ocidentais, e ao mesmo tempo principal fonte de financiamento ao Daesh (Estado Islâmico).

Outra presença notável na lista é de Emilio Botín, ex-presidente do Santander (outro gigante da banca mundial) falecido no ano passado, membro de uma longa dinastia de banqueiros espanhóis. O nome de seu pai, o seu, de um irmão e filhos, aparecem na parte da lista entregue em 2011 pela fazenda francesa às autoridades espanholas, o que levou a um processo judicial, que não teve seguimento porque os Botin chegaram a um acordo com o fisco espanhol e pagaram um valor equivalente a 280 milhões de dólares, a título de impostos devidos e não pagos. Mas o notável é que Botin tenha usado os serviços de um "concorrente" para suas manobras de evasão fiscal. Uma investigação mais a fundo revelaria sem dúvida muitos outros exemplos desses "favores cruzados" entre bancos globais. Já se descobriu que vários executivos do HSBC (inclusive seu atual presidente, Stuart Gulliver) fizeram operações suspeitas utilizando a estrutura do próprio banco, mas o que podem ter feito através de operações com "concorrentes"? Só poderíamos saber se outras "listas Falciani" vazassem no Santander, JPMorgan, Bank of America, etc, etc.

Na época abrangida pelas revelações de Falciani, o presidente do HSBC era Stephen Green, Barão de Hurstpierpoint, ministro britânico do Comércio e do Investimento entre 2011 e 2013 (sob o governo conservador de David Cameron que começou em 2010). Depois que deixou o governo, Green tornou-se assessor do conselho das empresas bancárias do Reino Unido, a famosa TheCityUK, cargo do qual se demitiu uma semana após a publicação das primeiras denúncias pelo ICIJ. Essa circulação de executivos entre o sistema financeiro privado e a "área econômica" dos governos é uma característica de muitos países (inclusive o Brasil, cujo atual ministro da Fazenda, nomeado pela presidente Dilma, Joaquim Levy, chefiava o ramo de investimentos do Bradesco), e explica muito da falta de empenho das administrações públicas em fiscalizar e investigar o que fazem os grandes bancos, principalmente nas sombras das contas especiais e secretas. Será um acaso que, mesmo após o vazamento, o governo britânico não tenha iniciado nenhuma investigação criminal sobre o HSBC, ao contrário do que já está acontecendo na França, Bélgica, EUA e Argentina, por exemplo? Embora Londres seja a sede mundial do HSBC?

A posição oficial do HSBC, manifestada de forma constrangida pelo agora nada confiável Stuart Gulliver, é de que as fraudes e ilegalidades foram responsabilidade da filial suíça, mas essa versão não se sustenta nem em vista das poucas informações de irregularidades que vieram a público nos últimos anos. Em 2012 o banco foi centro de outro escândalo, quando um informe do Senado dos EUA acusou várias filiais do HSBC de aceitar cerca de 15 bilhões de dólares de depósitos em países considerados de alto risco de lavagem de dinheiro de máfias e narcotraficantes, como México e Rússia. A filial suíça teve pouco em nenhum papel aparente no caso, em compensação destacou-se o escritório em Miami da filial norte-americana, que abriu mais de 2500 contas corporativas, a grande maioria de empresas de fachada em paraísos fiscais, como as Ilhas Virgens Britânicas. Já a filial mexicana havia transferido 7 bilhões de dólares para os EUA, mais que qualquer outro banco mexicano. No final, o governo dos EUA e o HSBC chegaram a um acordo, o banco pagou uma multa de 1,92 bilhões de dólares, o caso foi encerrado e um processo penal contra o banco evitado. Ainda não teve desfecho parecido a denúncia das autoridades fiscais de Buenos Aires contra a filial argentina, no final do ano passado, acusada de ajudar mais de 4000 contribuintes a se livrarem dos impostos transferindo fundos para a Suíça. Ou seja, a filial suíça era apenas o centro de uma rede internacional de sonegação criada pelo HSBC.

O HSBC (Hongkong and Shanghai Banking Corporation) foi fundado em 1865 por homens de negócios britânicos que atuavam na China, cujo comércio e economia fora aberto à força para os europeus poucos anos antes, nas infames Guerras do Ópio (1839/42, 1856/60). Nasceu, portanto, inserido nas atividades criminosas que caracterizaram o imperialismo ocidental desde seus primórdios. Mas não se trata de uma genética exclusiva do HSBC: praticamente todo grande banco europeu ou dos EUA tem uma relação de origem com os crimes contra a humanidade cometidos pelos colonialismo e o imperialismo. O Barclays, segundo banco do Reino Unido, foi fundado em 1690 por comerciantes que fizeram fortuna no tráfico transatlântico de africanos escravizados. Os dois bancos franceses que se fundiram para formar o BNP Paribas foram fundados no século XIX, e cresceram na mesma medida do império colonial francês. O Chase Manhattan, principal origem do JPMorgan, foi fundado em 1799, na época em que Nova Iorque era o principal centro do comércio de escravos dos EUA. Como mostrou o economista e militante revolucionário guianense Walter Rodney, em seu clássico "Como a Europa subdesenvolveu a África" (1972), a exploração colonialista e imperialista do Terceiro Mundo foi importante para o desenvolvimento do capitalismo não só pelas riquezas que foram levadas para as metrópoles, mas também pelas técnicas e sistemas administrativos de alcance global que foram criados pelas grandes corporações mundiais. A continuidade entre os crimes do passado, e os crimes atuais da banca mundial, é bem resumida e representada pela história do HSBC.

Quando Jean Ziegler escreveu "A Suíça lava mais branco" (1990) e "Os Senhores do Crime" (1998), ele não tinha à mão a quantidade de informações que o Swissleaks vazou, assim ele teve que demonstrar a sua tese da íntima relação e dependência entre as redes criminosas mundiais e o sistema financeiro internacional, com exemplos meio pitorescos, como o do Banco Ambrosiano (e seu parceiro, o Banco do Vaticano, que voltou às páginas dos escândalos nos últimos anos) ou do meteórico BCCI (Bank of Credit and Commerce International), que chegou a ser muito grande na década de 1980, mas foi fundado por um outsider paquistanês, ou seja, em nenhum caso figuravam os grandes e tradicionais bancos das metrópoles capitalistas. Ziegler foi perseguido e processado na Suíça, e seu trabalho foi menosprezado em boa parte do mundo pelos articulistas da imprensa especializada (ver, por exemplo este link)). Ziegler poderia ver o Swissleak como uma vingança ou redenção pessoal, mas como ele mesmo afirmou ao Estadão (click aqui): "Essa é apenas a normalidade banal e cotidiana da Suíça e a ponta do iceberg. E o pior é que vai continuar [...] Existe uma corrupção institucional na Suíça. Na maioria dos países, o órgão que regula os bancos é uma entidade estatal. Na Suíça, trata-se de uma empresa semi-privada e que é paga pelos bancos. Uma agência que regula bancos bancada pelos bancos". A situação pode ser mais escandalosa na Suíça, onde os bancos são o Estado e o governo na prática, mas mesmo onde quem "regula" os bancos é o Estado, as pessoas que compõe as agências reguladoras e as direções dos bancos são, muitas vezes, as mesmas, como já vimos.

Assim como a crise mundial de 2008-2009 trouxe nova popularidade às propostas de taxação das grandes fortunas e redistribuição forçada de renda, o Swissleaks vai trazer ainda mais popularidade às propostas de regulação e controle mais rigorosos dos bancos. Mas acontece que, tanto num caso como no outro, a desigualdade crescente produzida pela concentração de riqueza, e a criminalidade impulsionada pela banca mundial, são características inerentes ao capitalismo desde seus primórdios, e os Estados modernos criados a partir do século XVIII estão igualmente impregnados pela lógica de defender e promover o funcionamento da economia capitalista mundial. No crash de 2008, ficou famosa a tese, defendida entre outros pelo então Secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, de que havia empresas "grandes demais para quebrar", pois sua falência abalaria todo o edifício da economia e do "bem-estar". Como se sabe, a partir dessa tese os governos Bush e Obama destinaram trilhões de dólares de recursos públicos para salvar o grande capital, exemplo seguido pelos governos mundo afora. A omissão dos governos diante da lista Falciani que, repetimos, já circula há seis anos, parece indicar que existe também a tese de que há bancos "grandes demais para serem investigados". E o mundo, assim, vive refém do capitalismo mafioso.

Somente em épocas de grandes catástrofes e revoluções os poderes públicos foram obrigados e tiveram alguma condição de agir contra o capital, reduzindo tanto a desigualdade quanto a criminalidade financeira, mas as condições das lutas políticas e sociais atuais ainda não atingiram situação semelhante. O "velho" anti-capitalismo dos movimentos revolucionários proletários e anti-imperialistas, continua portanto sendo a chave para alguma esperança no futuro.

Nos protestos de 2013 no Brasil, um dos principais alvos das acusações e da perseguição contra o chamado "vandalismo" foram as destruições e depredações de agências bancárias. Em vista do Swissleaks, talvez as pessoas consigam ver o que aquilo representava de fato: uma declaração, em atos veementes, de que não podemos viver reféns de criminosos que se organizaram como capital e classe dominante mundial. Quebrar uma agência de banco não resolve naquele momento o problema, mas alimenta o radicalismo e a impaciência sem os quais não há sequer vislumbre de futuro.

Maurício Campos, Março de 2015.


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