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230914 allanBrasil - Le Monde Diplomatique - [Antônio Augusto de Queiroz] Apenas a análise do programa de governo não revela como será de fato o eventual governo eleito. É preciso ir além para saber o que diz o candidato e, principalmente, o que pensam, falam e escrevem seus principais assessores, consultores e conselheiros, que poderão fazer parte da futura equipe de governo.


Ilustração: Allan Sieber.

Os programas dos candidatos à Presidência da República são genéricos e pouco reveladores do que efetivamente o futuro presidente fará pelo eleitor. Neles, os candidatos tentam se equilibrar entre agradar aos agentes econômicos e financeiros, que doam para as campanhas, e aos milhões de eleitores, cujas demandas diferem profundamente das patrocinadas pelos financiadores de campanha.

No Brasil, os programas são feitos mais para ganhar eleição do que para governar. Prevalece a velha lógica segundo a qual “o que é bom a gente divulga e o que é ruim a gente esconde”. Nenhum candidato expõe as eventuais medidas impopulares que terá de adotar.

Todos sabemos que o próximo presidente, independentemente de quem venha a ser, fará um forte ajuste no gasto público, promoverá reformas impopulares, como a previdenciária e trabalhista, e terá de reajustar as tarifas públicas, especialmente de energia e petróleo, represadas em razão da política anticíclica adotada pelo atual governo para amenizar os efeitos da crise sobre o país.

Mesmo omitindo as medidas impopulares, é possível extrair dos programas algumas pistas relevantes a respeito das prioridades dos postulantes ao Palácio do Planalto. Em uma única frase pode-se resumir o foco de cada candidato: Dilma Rousseff, do PT, prioriza a inclusão social; Aécio Neves, do PSDB, o ambiente de negócios; Marina Silva, do PSB, a participação popular nas políticas públicas; Eduardo Jorge, do PV, a reforma radical do sistema político; pastor Everaldo Pereira, do PSC, a privatização do Estado; e Luciana Genro, do Psol, a estatização da economia.

A agenda de reformas e seu conteúdo

Dilma Rousseff – A presidente, candidata à reeleição, destaca a continuidade de políticas “distributivistas” que foram responsáveis por permitir a ascensão social de milhões de jovens e melhorias nas condições de vida da população, promete um novo ciclo de prosperidade, oportunidade e mudanças, e assume o compromisso de continuidade do crescimento econômico sem vender patrimônio, sem desconhecer direitos nem transferir para os mais pobres a conta das crises internacionais.

Com centralidade no combate à pobreza e à miséria, conferindo prioridade à educação, a candidata propõe e promete, em seu programa de governo, um novo ciclo de desenvolvimento com base em dois pilares: a solidez da economia e a ampliação das políticas sociais, além de estímulo à competitividade produtiva.

Para dar efetividade ao seu programa de governo, Dilma assume o compromisso de realizar as reformas:

• Política:mediante plebiscito, pretende melhorar a representatividade, aprimorar o sistema eleitoral, tornar a política mais transparente, definir regras claras de financiamento e ampliar os espaços de controle e participação social nas decisões de governo em todos os níveis. Objetiva mais ética, mais democracia, mais oportunidade de participar e de ser ouvido. Pretende, para isso, intensificar os instrumentos de combate à corrupção, por meio de reforma do processo penal, e reestruturar e ampliar a eficiência dos órgãos responsáveis pelo enfrentamento e a investigação da improbidade e o desvio de recursos;

• Federativa: definir melhor as atribuições dos entes federativos, tornar a Federação mais cooperativa, conferir maior agilidade e qualidade aos serviços públicos prestados, e evitar sobreposição de funções que possa retardar, encarecer e retalhar programas de ação à população. Inclui na reforma federativa o debate sobre a estrutura tributária nacional;

• Dos serviços públicos: precisa ser realizada junto com a reforma federativa para aumentar a efetividade e eficiência das políticas públicas, maximizar seus efeitos e reduzir a relação entre o custo e o benefício dos serviços públicos;

• Urbana:destina-se a equacionar o déficit habitacional e a questão da mobilidade urbana, do saneamento e da segurança pública, enfim, melhorar a qualidade de vida da população urbana. Isso pressupõe transporte público rápido, seguro e eficiente, a universalização do saneamento básico e do abastecimento de água tratada, e a expansão em todo o território nacional do esgotamento sanitário e do seu tratamento.

Em complemento e no bojo das reformas, a candidata pretende ampliar a presença do Estado em territórios vulneráveis, criar a Academia Nacional de Segurança Pública, fortalecer as ações de combate às organizações criminosas e à lavagem de dinheiro e as ações de controle das fronteiras, e integrar as instituições de segurança pública no país.

Por fim, promete avanços institucionais, com a ampliação da democracia política e a consolidação das práticas de participação, como o sistema nacional de participação popular. Promete ainda manter como prioridades a promoção da igualdade racial e a luta contra a discriminação. Na área social, destaca-se o compromisso com a mudança do patamar de qualidade e a amplitude do atendimento dos serviços de saúde, com a expansão do Programa Mais Médicos e a ampliação da rede de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e do acesso da população a medicamentos, entre outras medidas.

Aécio Neves – O programa de governo de Aécio Neves, de perfil mais liberal, promete mudanças radicais na condução do governo e a realização de um conjunto de reformas que melhore o ambiente de negócios e torne o governo mais eficiente.

Como método de governar, promete: a) descentralização, b) simplificação, c) confiança, d) eficiência, e) transparência, f) inovação e g) participação.

Quanto ao conteúdo, propõe cinco reformas:

• Reforma dos serviços públicos voltada à sua melhoria, especialmente nas áreas de saúde, educação, segurança e mobilidade urbana;

• Reforma da segurança pública, inclusive da legislação penal, para erradicar a impunidade e aumentar os níveis de segurança no país. Quanto a essa reforma, parece estar implícita a redução da maioridade penal, proposta defendida pelo vice de Aécio;

•Reforma política, a fim de tornar mais confiável e transparente a atuação política;

• Reforma tributária, para fortalecer a Federação, simplificar o sistema tributário e reduzir o custo Brasil, aumentando a produtividade e gerando mais empregos;

• Reforma e aprimoramento da infraestrutura nacional, mediante amplo programa de investimentos com regras claras e estáveis, e mobilização de capital privado.

Finalmente, em ordem alfabética, organiza as diretrizes de governo em oito áreas: a) cidadania; b) economia; c) educação; d) Estado eficiente; e) relações exteriores e defesa nacional; f) saúde; g) segurança pública; e h) sustentabilidade.

Na área social, destacam-se a proposta do candidato de tornar o Bolsa Família uma “política de Estado”, com sua incorporação à Lei Orgânica da Assistência Social, e investimentos maciços no acesso e na qualidade dos serviços de saúde, saneamento básico, educação. Na área econômica, a autonomia operacional do Banco Central, o compromisso com a geração de superávit primário e com a inclusão no cálculo dos gastos públicos do governo, de todas as despesas, subsídios e desonerações, sem uso de quaisquer artifícios, ou seja, maior rigidez fiscal e respeito aos contratos.

Marina Silva – O programa da candidata do PSB enfatiza a participação popular e a sustentabilidade, além da redução das desigualdades sociais e a incorporação da inovação tecnológica nos processos produtivos. Defende a autonomia do Banco Central.

Seu programa está organizado em cinco eixos:

• Estado e democracia de alta intensidade, com foco na reforma política, da administração pública e da gestão de políticas públicas (e em contraposição ao “choque de gestão” defendido por Aécio Neves, visto como minimalista), novo federalismo e política de defesa: soberania democrática.

• Economia para o desenvolvimento sustentável, com foco na política industrial voltada à agregação de valor, na economia do conhecimento e da inovação, na pesquisa e inovação tecnológica, arranjos produtivos locais, negócios sociais e economia solidária, cadeia produtiva do turismo, desenvolvimento regional, desenvolvimento rural e atividade agropecuária empresarial e familiar, infraestrutura e logística, e meio ambiente;

• Educação, cultura e inovação, com foco no combate às desigualdades educacionais, valorização dos profissionais de educação, participação da comunidade com atividades culturais, artísticas, empreendedorismo e escola de tempo integral;

• Políticas sociais e qualidade de vida, com foco na ampliação e integração dos programas sociais, na criação de uma rede de agentes de desenvolvimento familiar, saúde e combate às drogas. Assim como Aécio, promete “transformar a política de enfrentamento da pobreza e da exclusão social em política de Estado”.

• Novo urbanismo e pacto pela vida, com foco na política habitacional, de saneamento e resíduos sólidos, mobilidade urbana, melhora da governança nas regiões metropolitanas e na cooperação interfederativa, e segurança pública.

Pastor Everaldo Pereira – O candidato do PSC, assumidamente de direita e neoliberal, apresenta um programa de governo que reduz o Estado às suas funções clássicas, como educação, saúde e segurança. Propõe desregulamentar a economia e as relações de trabalho, privatizar a Previdência e estabelecer um sistema privado eficiente e justo de direitos sobre os recursos naturais.

Defende o direito absoluto ao lucro e a redução drástica da presença do Estado. Uma de suas prioridades visa à prestação indireta de serviços pelo Estado a favor dos mais necessitados por meio do mercado, mediante vales e instrumentos afins, dando ao beneficiário o direito de escolha sobre o tipo de serviço que pretende receber e o tipo de organização que o prestará, se do mercado ou do terceiro setor. Na saúde, defende a revisão da tabela do SUS e a desburocratização e ampliação do livre-mercado de operadoras de planos de saúde.

Compromete-se com a defesa da propriedade privada e a reforma e revogação de todas as leis que busquem restringir de maneira indevida esse direito. A reforma agrária será focada em terras públicas. Defende a reforma trabalhista com maior liberdade de negociação entre patrões e empregados. No campo da reforma política, defende o fim da obrigatoriedade de voto.

Por fim, defende a adoção do modelo de penitenciárias privadas e a redução da maioridade penal, entre outras medidas.

Assume claramente posição contra o aborto “enquanto recurso paliativo de uma política inconsequente de planejamento familiar”.

Eduardo Jorge – O candidato do PV, depois dos candidatos do PSC e do Psol, é um dos mais claros sobre o que pretende fazer. Na economia, destaca o fortalecimento das matrizes energéticas limpas, como a solar, a eólica e a de biomassa. Na área social, propõe a superação da pobreza por meio das políticas de sustentabilidade, mas suas propostas mais radicais estão na mudança do sistema político.

Na reforma do sistema político, defende a extinção do Senado, o fim da reeleição, a redução de 25% das bancadas na Câmara dos Deputados e uma drástica diminuição da estrutura de serviços dos mandatos parlamentares, o voto distrital misto, o voto facultativo, o financiamento público e de pessoas físicas, além de propor um novo plebiscito sobre o retorno do parlamentarismo como sistema de governo e a priorização na tramitação de propostas de iniciativa popular nos legislativos. Na área administrativa, propõe a redução de ministérios para apenas catorze e a redução dos cargos de confiança para até 10% dos atuais.

Na área social, propõe uma reforma da Previdência com regime básico do INSS para todos (setor público e privado), com teto de dez salários mínimos, e ajustes em tempo de contribuição e idades mínimas. Compromete-se com a jornada de 40 horas e uma transição para redução para 30 horas semanais. Propõe ainda carreira nacional para profissionais da saúde e professores, e a legalização da interrupção da gravidez.

Luciana Genro – Em seu programa de governo, o Psol organizou suas propostas em três eixos: política, economia e modelo de desenvolvimento; sistema político e democracia; e mais e melhores direitos.

O primeiro eixo prioriza uma mudança estrutural na economia do país, com o resgate da soberania do Estado em relação ao mercado. Fará auditoria da dívida e instituirá imposto sobre grandes fortunas, além de aumentar os tributos sobre a riqueza e a propriedade, e reduzir os impostos sobre o salário e o consumo. Entre as medidas na área social, promete tratar o Bolsa Família como “política de Estado”, acompanhada por transformações estruturais, manter a política de aumentos reais do salário mínimo, vincular o reajuste dos aposentados ao do salário mínimo, pôr fim ao fator previdenciário e anular a reforma da Previdência de 2003.

O segundo eixo propõe uma profunda reforma no sistema de representação, com reforma política nos termos da proposta da “Coalizão por Eleições Limpas e a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política”. Além de cotas para setores historicamente alijados da vida política, como mulheres, negros e outros setores sub-representados, defende o fim do financiamento privado de campanha e a criação de mecanismos de democracia direta.

O terceiro eixo, entre outras medidas, promete tarifa zero nos transportes dos principais centros urbanos, reforma agrária, combate à homofobia, legalização do aborto, apoio aos movimentos sociais, combate à violência contra mulheres e controle da mídia. Propõe ainda a ampliação radical dos investimentos públicos em saúde e educação.

Perspectivas políticas das reformas

Quanto às reformas, embora todos os candidatos proponham mudanças estruturais, as perspectivas de que elas efetivamente sejam aprovadas são baixas em razão da pulverização partidária. O curioso é que os candidatos que mais desejam reformas em nível constitucional, entre os três mais competitivos, são os que menos reúnem condições para tanto.

Aécio Neves e Marina Silva, mais que Dilma, estão ávidos por promover mudanças no texto constitucional para viabilizar seus programas de governo, porém são os que terão maior dificuldade. Embora possa partir de uma boa base parlamentar, Aécio Neves terá uma oposição grande e aguerrida, liderada pelo PT. Marina Silva, além da menor base, teria maior dificuldade para formar uma coalizão para realizar reformas estruturais.

Dilma é a que mais reúne condições para promover reformas em nível constitucional, pela grande base que terá, porém essa não parece ser sua prioridade.

O pensamento da futura equipe de governo é tão importante quanto o programa

Apenas a análise do programa de governo, porém, não revela como será de fato o eventual governo eleito. É preciso ir além para saber o que diz o candidato e, principalmente, o que pensam, falam e escrevem seus principais assessores, consultores e conselheiros, que poderão fazer parte da futura equipe de governo.

O alinhamento ou não da futura equipe econômica com o sistema financeiro, por exemplo, faz toda a diferença em relação ao modelo de desenvolvimento a ser adotado.

Se analisarmos os últimos vinte anos, em dez deles (os dois mandatos de FHC e os primeiros anos do governo Lula) houve um alinhamento automático da equipe econômica com o sistema financeiro, que passou a deter o controle da agenda governamental.

Nesse período não havia dinheiro para financiar a produção nem para os programas sociais, como vem ocorrendo nos últimos dez anos. A prioridade era gerar superávit e pagar os extorsivos juros das dívidas interna e externa.

Portanto, como já dito, os programas dão pistas, mas escondem mais do que revelam. O fundamental é saber o que o partido do candidato fez quando esteve no governo, ou o que ele e sua equipe pretendem fazer em relação: a) à prosperidade do país e do povo; b) ao modelo de desenvolvimento que adotarão; e c) às prioridades e escolhas em momentos de crise, como o atual.

Em momentos de crise como o atual só existem duas receitas possíveis: ou se faz um profundo ajuste, contendo o gasto público e colocando a economia em profunda recessão, com redução de emprego e renda, ou se promovem políticas anticíclicas, com apoio e incentivo ao setor produtivo e políticas sociais para amenizar os efeitos perversos da crise sobre o país e seu povo. A opção por um desses caminhos faz toda diferença. Isso, portanto, é o que importa. O resto é pura retórica. 

Antônio Augusto de Queiroz é Jornalista, analista político, diretor de documentação do Diap, colunista da revista Teoria e Debate e do portal eletrônico Congresso em Foco, e autor dos livros Por Dentro do processo decisório: Como se fazem as leis e Por Dentro do Governo: Como funciona a máquina pública.


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