Publicidade
Publicidade
first
  
last
 
 
start
stop
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (1 Votos)

170714 romboBrasil - Diário Liberdade - [Renato Nucci Jr.] Um dos principais mecanismos ideológicos da dominação burguesa é a do Estado nacional-popular.


Em linhas gerais essa ideologia, reforçada pela igualdade jurídica entre os cidadãos, afirma que um determinado povo ocupando certa porção de um território e unido por laços lingüísticos e culturais, compartilha um passado, um presente e um futuro em comuns. As diferenças de classe são apagadas ou diluídas em torno de um difuso interesse nacional, que nada mais é do que o interesses das classes dominantes. Seu objetivo é, nada mais nada menos, do que forçar as classes dominadas a aceitarem uma política de conciliação de classe.

Exacerbado, esse comprometimento gerou fenômenos como o nazismo, o fascismo e diferentes formas de xenofobia e ultra-nacionalismo. Mas também adquiriu caráter revolucionário através das lutas anti-colonialistas e de libertação nacional, cujos maiores exemplos são o Vietnã e Cuba.

Por ser componente central no processo de acumulação e de reprodução ampliada do capital, a burguesia precisa cotidianamente reproduzir essa ideologia, como forma de diluir os conflitos de classe e comprometer as classes dominadas com um projeto político que não é o seu. Tradicionalmente a escola e o serviço militar obrigatório são os principais veículos para a difusão da ideologia do Estado nacional-popular entre as classes dominadas. Com o desenvolvimento do capitalismo, outros meios passaram a ser empregados visando reforçar esses mecanismos. As concessões econômicas às classes dominadas, por exemplo, foram um meio de tentar comprometer politicamente parcelas destas com a ordem burguesa. Nenhuma guerra feita pelas classes dominantes de um país poderia prosperar se não contasse com o apoio político das classes dominadas.

Aos métodos tradicionais de comprometimento da classe operária com a dominação burguesa, acrescentam-se outros. Dentre eles está o futebol, esporte mais popular do mundo. De quatro em quatro anos, com a Copa do Mundo, a burguesia, sabedora do quanto o futebol mobiliza as paixões populares, usa-o para reforçar a ideologia do Estado nacional-popular. No Brasil não é diferente. Todavia, aspectos próprios de nossa construção histórica dotam de idiossincrasias o uso político do futebol como esforço para se criar e estimular um sentimento de nacionalidade. Esse aproveitamento, além do mais, reflete os conflitos políticos e sociais de uma formação econômico-social. Por esse motivo, para pensar os diferentes aspectos que envolvem a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, temos de considerar a atual conjuntura.

Começando pelo começo, precisa-se levar em conta o fato de vivermos em um país marcado por gritantes desigualdades sociais. Incapaz de fazer amplas concessões aos trabalhadores, as classes dominantes sempre viram as classes dominadas brasileiras como inimigas internas de seu projeto político e social de país. Manifestações culturais de cunho popular, criadas e desenvolvidas pelas classes dominadas, sempre foram tratadas e punidas como ameaça à ordem social. As referências culturais de nossas classes dominantes sempre foram as terras estrangeiras, primeiro a Europa e depois os Estados Unidos. A mestiçagem, uma das características de nossa formação social, chegou a ser vista como fator de atraso e empecilho para o desenvolvimento da nação. Essa é a origem daquilo que Nelson Rodrigues definiu como “complexo de vira-lata”, um comportamento pessimista frente ao futuro do país, sempre frustrado por um mal de origem do qual nunca conseguimos nos livrar e que nos persegue com um carma.

E para as nossas classes dominantes o mal de origem é o povo. Seus processos de modernização capitalista, aos seus olhos, seriam dotados de boas intenções. O problema é o povo brasileiro, essa massa ignara de pretos e mestiços, resistente e indisciplinada em aceitar de modo passivo as vantagens dessas ondas conservadoras de modernização. Diante das dificuldades encontradas para criar um sentimento nacional capaz de atar às classes dominadas ao seu projeto de país, as classes dominantes brasileiras, assim como em outros lugares do mundo, viram o futebol como meio de diluir as fronteiras de classe.

Temos um nacionalismo frouxo causado pela pouca unidade entre classe dominante e povo. E a razão está no fato de termos um país cindido por desigualdades sociais profundas, em que a questão social é tratada como caso de polícia, de uma burguesia profundamente autoritária, em que as classes dominadas se tornam bucha de canhão da exploração capitalista sem ter ao menos uma compensação material por isso. Tornou-se o futebol e a seleção brasileira o veículo usado pelas classes dominantes, tanto para se apropriar econômica e politicamente de uma manifestação de cunho popular, como para dar uma mínima sensação de que pertencemos a um país. De que temos um passado, um presente e um futuro em comuns. Onde se apagam as diferenças de classes e de riqueza para todos nos irmanarmos numa mesma corrente e dizermos em uníssono: Prá Frente Brasil!

A Copa do Mundo de 2014 no Brasil levou a nossa classe dominante a exacerbar entre nós esse sentimento. E o fez por causa principalmente da corrente de opinião reforçada a partir dos protestos de junho de 2013, durante o evento-teste da Copa das Confederações, que colocaram em xeque a realização do evento. As Jornadas de Junho expuseram de modo difuso os profundos conflitos de classe que atravessam nossa sociedade, cuja fagulha que incendiou a pradaria foi a bárbara repressão policial às manifestações pelo passe-livre em São Paulo. E criou um ambiente em que a realização da Copa passou a ser objeto de crítica, por se estar gastando dinheiro público em verdadeiros “elefantes-brancos”, enquanto se mantém a precariedade de serviços públicos como saúde e educação, por exemplo.

Diante da possibilidade de se repetirem os protestos, o governo federal e estaduais, auxiliados pelos aparatos de propaganda, temendo que novas fagulhas incendiassem novamente a pradaria em plena Copa, empenhou-se em campanha para tirar o povo da rua. O governo federal agiu pedindo aos movimentos populares a ele subordinados para segurarem suas bases e não realizarem protestos durante a Copa. Apresentadores de tevê pediam para os protestos cessarem durante a Copa, implorando para que arriássemos nossas bandeiras de luta e trocássemos o grito de protesto pelos gritos de gol de nossa seleção. E para aqueles que mesmo diante de todo o aparato de propaganda resistissem, coube-lhes por sua insistência em se manter nas ruas, uma violenta repressão policial por parte dos governos estaduais, que mobilizou suas tropas de choque para bater e prender trabalhadores.

Mas o aparato de propaganda foi incapaz de ocultar nossas desigualdades sociais. Espelho de nossa sociedade, a torcida brasileira que freqüentou os estádios e o seu comportamento reflete as desigualdades e preconceitos que marcam o nosso cotidiano. Como tudo em nosso país, enquanto a construção dos estádios coube aos trabalhadores, aos “paraíbas”, aos negros, que deixaram seu suor, seu sangue e suas vidas nas obras, o gozo da festa ficou para as classes dominantes e para a pequena-burguesia que lhe cumpre o papel de classe-apoio. Em Fortaleza, por exemplo, o estádio Castelão fica ao lado de uma das comunidades mais pobres da cidade. Enquanto torcedores ricos desfilavam sua alegria pelo corredor que os levava ao estádio, os moradores do entorno, separados por uma grade, assistiam a tudo literalmente do lado de fora mais uma vez. Isso sem falar no preço proibitivo da maioria dos ingressos.

Expondo o seu racismo “nada cordial”, pelas redes sociais coxinhas deram vazão a todo o seu preconceito quando atacaram o lateral-esquerdo brasileiro Marcelo, por ter feito um gol contra no jogo com a Croácia, na abertura da Copa. Assim como ocorreu com o zagueiro colombiano Zuñiga, cuja entrada em Neymar tirou o jogador brasileiro da Copa, sofrendo por isso injúrias igualmente racistas. Sem falar na sua mais completa falta de respeito ao vaiarem a execução do hino nacional chileno.

Por tudo isso, a Copa do Mundo não foi um simples evento esportivo. Foi um grande negócio para quem a organizou, para quem a patrocinou e para quem reformou ou construiu os estádios. Para os trabalhadores não sobrou qualquer legado. Política e ideologicamente foi usada como instrumento de reafirmação do Estado nacional-popular. Serviu para as classes dominantes e os seus políticos profissionais, estejam à esquerda ou à direita no espectro político, reforçarem o precário pacto de classe que mantém a classe trabalhadora brasileira apassivada, na maioria das vezes a ferro e fogo. E nas circunstâncias históricas atuais do Brasil, tornou-se um mecanismo útil para tentar dissimular os conflitos sociais que tem marcado nossa conjuntura recente.

Campinas/São Paulo, julho de 2014.

Renato Nucci Jr. é militante da Organização Comunista Arma da Crítica.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

first
  
last
 
 
start
stop

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.