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50Brasil - Socialismo e Liberdade - [Paulo Bearzoti Filho] Embora ciente dos inúmeros obstáculos que ainda desafiam nosso partido, encontro-me entre aqueles que avaliam positivamente os resultados de nosso IV Congresso Nacional e enxergam com otimismo as perspectivas da candidatura de Randolfe Rodrigues para presidente e Luciana Genro para vice-presidente.


Foto: capa da edição de Março/2014 do Página 50 , jornal do PSOL.

Em especial, as entrevistas, eventos e pronunciamentos do companheiro Randolfe sinalizam que nossa campanha presidencial pode estimular importante avanço programático para o PSOL e a esquerda brasileira.

Sem perder ousadia, sem decair no utopismo

No século XX, a esquerda brasileira formulou três programas políticos abrangentes, associados aos três momentos de maior ascenso das lutas populares no país: o programa da ANL (Aliança Nacional Libertadora), de 1935; o programa nacional-democrático do PCB, sintetizado na Declaração de março de 1958 e nas Teses de abril de 1960; e o programa democrático-popular, expresso em sua forma mais avançada no V Encontro Nacional do PT em 1987.

Na sombra – digamos assim – desses programas, sobretudo após os anos 1950, sempre se insinuou a crítica segundo a qual eles trariam a ilusão do "etapismo" (ou do "reboquismo"), da qual deveriam libertar-se em favor de um programa diretamente socialista. Embora até certo ponto respaldado por trabalhos consistentes (como os de Caio Prado Jr. ou de Florestan Fernandes) e abraçado por militantes e organizações honestas, o fato é que o programa "socialista" ainda não encontrou formulação mais acabada, nem subsidiou lutas populares de massa.

Por vezes, ouvimos alertas sobre a ameaça de o PSOL perder-se e repetir o caminho do PT, qual seja, o de sucumbir à tentação de crescer a qualquer custo, abandonando o compromisso com as pautas populares. Certamente a história ensina que esse é sempre um risco real para os partidos socialistas, de modo que os avisos, quando expostos por militantes sérios, devem ser ponderados sem menosprezo ou autossuficiência.

Entendo, todavia, que esse não seja o único obstáculo a ser superado. Se é necessário apontar o risco da diluição pragmática, também é justo observar que o PSOL encontra-se por vezes pressionado a sucumbir ao maximalismo e ao utopismo.

Frente à chantagem retórica do neoliberalismo e do reformismo possibilista – que afirmam, cada qual a seu modo, que "não há alternativa" –, os socialistas muitas vezes respondem com a bandeira da utopia. Isso é verdadeiro, se por "utopia" entendermos a ousadia ou o compromisso com a verdade e a justiça próprios de quem não se seduz pela falácia de que o capitalismo (ou a democracia liberal) constituem "o fim da história".

Mas também é preciso admitir que utopia e utópico igualmente designam certa postura política que foi combatida e, ao menos para nós, superada pelos estudos e a militância de Marx, Engels e tantos outros homens e mulheres que buscaram efetivamente transformar a sociedade em favor das classes trabalhadoras.

Em sua modalidade mais "pura", as formulações maximalistas e, no sentido negativo, as utopistas trazem, entre outras, marcas como: pouca atenção à categoria dialética da mediação; relativa desconsideração pela correlação de forças na sociedade; certa impaciência com o trabalho organizativo cotidiano; baixa inserção nas lutas populares de base; tendência a incidir excessivamente sobre as cúpulas partidárias; e mesmo alguma alienação no tocante ao grau de desenvolvimento das forças produtivas, isto é, ao domínio das condições materiais.

(O maximilalismo e o utopismo apresentam-se também em formas, digamos, "desonestas", quando a retórica "radical" esconde intenções não reveladas, como o corporativismo ou o conformismo direitista típico de certos setores médios. A referência a tais formas, porém, não se inclui entre os objetivos deste texto.)

No PSOL, as tendências maximalistas e utopistas revelam-se, por exemplo, na relutância em debater, de modo explícito, com que classes e setores sociais os socialistas devem buscar alianças ou compromissos no âmbito de um projeto efetivo de poder. (A falta de uma formulação desse tipo é o que obscurece, no meu entendimento, os debates sobre coligações partidárias ou financiamentos eleitorais.)

Insinuam-se também em propostas, sem dúvida bem intencionadas, que, contra o capitalismo, pregam ideais de feitio regressivo, baseados em teses sobre o decrescimento econômico (que, em suas versões menos elaboradas, desconsideram o fato de que esse não é nem de longe o ideal das nações e corporações imperialistas).

Em casos extremos, poderíamos às vezes ter a impressão de que haveria grupos e militantes que parecem sugerir que o único caminho para os socialistas seria empreender a transformação social contando apenas com nossas próprias forças, implantando de modo praticamente imediato a socialização dos meios de produção, com controle direto e instantâneo por parte dos trabalhadores.

PSOL e as lutas populares antes de 1964

Nesse contexto, as declarações, entrevistas e artigos de nosso candidato a presidente não só se revelam coerentes com o projeto do PSOL – na forma com que ele tem sido referendado nas instâncias partidárias –, como têm apresentado ponderações capazes de favorecer a maior consistência programática do partido.

Quando o Brasil recorda os cinquenta anos do golpe civil-militar de 1964, o companheiro Randolfe tem conseguido não só extrair o sentido histórico profundo desse acontecimento, como também estabelecer vínculos importantes entre as pautas atuais e aquelas do período imediatamente anterior ao golpe.

Como aludimos acima, a derrota que as esquerdas brasileiras sofreram em 1º de abril de 1964 produziu, nos anos e décadas seguintes, uma série de críticas sobre o suposto "etapismo" ou "reboquismo" das táticas e estratégias que norteavam as lutas populares naquele período. O fato, todavia, é que aquele foi o ponto culminante da luta de classes em nosso país – e assim permanece até hoje.

Um programa não é um guia infalível para a vitória. Esta evidentemente depende de uma série incomensurável de fatores. O programa é útil quando nos permite uma boa chance para lutar. E isto, sem dúvida, foi obtido com o programa dominante nas esquerdas brasileiras pré-64.

No artigo que publicou na Folha de S. Paulo no último dia 02 de abril, Randolfe assinala que "no início dos anos 60, vivíamos uma encruzilhada com paralelos no quadro atual", quando "a população se mobilizava para que o progresso social não beneficiasse apenas uma minoria, propugnava que recursos naturais fossem controlados por empresas brasileiras e que houvesse uma desconcentração das propriedades de terras".

Desse modo, "o golpe, além das atrocidades, significou oportunidades perdidas", que nos impõem refletir sobre o que ele chamou de "pauta interrompida", pois "as principais demandas populares continuam presentes e necessárias". Na verdade, as "profundas mudanças na economia" produzidas por três governos federais petistas não fizeram mais que retomar "a opção pelo modelo exportador, que tem levado à reprimarização da economia" e "não criou condições para fortalecer o mercado consumidor interno nem ajudou a tirar milhões de brasileiros da pobreza de forma consistente e duradoura".

Expressas com notável capacidade de síntese, tais análises acertam em ao menos dois pontos fundamentais. Propõem que os caminhos do presente se abram não a partir de universalismos abstratos, mas com base na aproximação com as mobilizações populares do passado (em especial, quando estas foram mais intensas). E identificam a permanência da "pauta interrompida" nas lutas contra a desigualdade e o imperialismo, bem como na defesa da reforma agrária.

Nova governabilidade e participação popular

O meio para a realização dessas aspirações só pode ser a luta popular organizada. Em entrevista à mesma Folha de S. Paulo, em 24 de fevereiro, Randolfe salienta que somente "negociando diretamente com o povo brasileiro" é que se poderá "fundar uma nova governabilidade". Não é, aliás, por outra razão que "estamos num regime presidencialista". Os "mecanismos de participação popular no governo", inclusive, já existem na própria Constituição, não sendo preciso "fazer nada mais do que a cumprir".

Nova formulação acertada. Salienta que a busca pelo poder popular é o que em última instância distingue os socialistas e seus governos. E elabora, de modo perspicaz, qual deve ser o papel do presidente da República nesse processo.

Daí, a aproximação entre as manifestações de junho de 2013 e as mobilizações anteriores ao golpe de 1964: "garantir a participação direta dos cidadãos é processo a ser articulado com a mudança de rumo do nosso modelo de desenvolvimento".

Por isso, em suas declarações e entrevistas, Randolfe tem se preocupado, na abordagem de todos os temas, com a importância da participação popular – mecanismo que deve sempre constituir a base de nossa intervenção política.

(Por exemplo: várias correntes e militantes do PSOL têm corretamente insistido que o partido atribua crescente importância programática ao tema do combate às opressões e da defesa das liberdades e dos direitos civis. Essa formulação é incontestavelmente justa, e julgo mesmo que haja amplo consenso partidário a respeito. Não é descabido lembrar, todavia, que tais pautas devem vir sempre associadas ao caráter popular que desejamos para nosso partido e nosso programa. Do contrário, correríamos, no limite, o risco de nos ver diluídos na perspectiva liberal-democrática – mesmo que em sua versão radical –, o que, afinal de contas, constitui uma das formas menos recomendáveis de reformismo. A nossa crítica às opressões não coincide com a que é feita pelos liberais-democratas – ou pelos iluministas – justamente porque se faz pelo prisma do conflito social e da luta de classes. Em suas declarações sobre questões dessa natureza, Randolfe, a meu ver, tem buscado aproximá-los das aspirações e da linguagem popular, o que, em linhas gerais, constitui a abordagem adequada a um partido socialista.)

Imagens de programa e de poder

Em dezembro do ano passado, no âmbito de suas iniciativas como senador da República, Randolfe viajou a São Borja, no Rio Grande do Sul, onde participou da cerimônia de novo sepultamento – agora com as devidas e antes negadas honras de chefe de Estado – dos restos mortais do ex-presidente João Goulart.

Mais recentemente, em 05 de abril, esteve, com outros companheiros do PSOL, em Pernambuco, quando recebeu de Armando Monteiro Filho, ministro da Agricultura do governo de João Goulart, cópia do projeto da reforma agrária daquele governo – projeto relatado pelo então deputado federal Plínio de Arruda Sampaio e que constituiu uma dos fatores detonadores do golpe de 1964.

São ações que se revestem de expressivo valor simbólico e que, a meu ver, trazem a marca da articulação histórica com o passado como base para a construção das lutas e do programa político do presente. Só assim poderemos vertebrar um efetivo projeto de poder, para além do maximalismo e do utopismo.

Isso, é claro, desde que no PSOL não seja herético falar em "efetivo projeto de poder".

Paulo Bearzoti Filho é Secretário-Geral do PSOL de Curitiba.


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