Publicidade
Publicidade
first
  
last
 
 
start
stop
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (1 Votos)

junBrasil - Núcleo PSOL Isegoria - "A dialética nasceu do diálogo para retornar ao diálogo em um nível superior." Mikhail Bakhtin, Estética da Criação Verbal.


Após as chamadas jornadas de Junho diversos artigos e opiniões circularam dentro e fora dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais "organizados". Minha proposta nesse texto, um tanto quanto ousada, é tentar esboçar uma espécie de (psic)análise das posições dentro do espectro da chamada esquerda ou talvez esquerda tradicional. Ao mesmo tempo, devo alertar à leitora e ao leitor que meu texto não é desprovido de posicionamento, pelo contrário, é completamente parcial, pois, como também tantos outros companheiros e ativistas, sou cúmplice das jornadas de junho.

Aproximar de uma compreensão mínima das chamadas jornadas de junho requer a reflexão de alguns elementos que contribuíram ou não para sua gênese. Podemos buscar alguns elementos da conjuntura econômica tais como o aumento da inflação ou o crescente gasto público com os grandes eventos em detrimento das áreas sociais. Também podemos pensar em uma espécie de "revanche" dos movimentos sociais organizados que, apesar do seu não protagonismo em junho, pavimentaram ao longo dos anos a possibilidade dessas lutas1. Ora, como salto qualitativo do acúmulo das contradições econômicas, ora como resultado da organização e de lutas passadas sintetizaríamos causas que gozam de uma externalidade propulsora do movimento. Outros podem ficar inclinados a um tipo de raciocínio com origem nas ciências naturais ou no "método científico": relação de determinação sujeito-objeto (p.e. a força que habilita o corpo ao movimento ou à energia necessária oferecida para realização de trabalho mecânico). Nas palavras de Bourdieu, é a filosofia cartesiana em que se tem um agente consciente, que é o douto, a pessoa culta, e os outros, que não têm acesso à consciência.

Não pretendo desqualificar causas econômicas ou a importância da chamada acumulação de força dos movimentos sociais, mas não podemos procurar explicações satisfatórias para entender o movimento fora dele. Quando se adota a postura da externalidade é demonstração de falta de conhecimento ou de autoritarismo político. Por quê autoritarismo? É a velha máxima da esquerda totalitária: as massas e a sua direção. Ao postular a relação de base e direção; de movimento e partido; ou as massas e sua direção política, destituímos a capacidade das pessoas serem compreendidas como sujeitos e, por fim, anulamos sua singularidade em nome da verdade esclarecedora que estaria nas mãos de alguns (partidos, acadêmicos, ciência, etc.).

Menciono apenas duas características bem gerais desse movimento: 1) o compartilhamento de uma crise de representação política (não política no sentido restrito às instituições da democracia representativa brasileira, mas no sentido mais amplo próximo da ética, da estética); e, inter-relacionada a primeira característica, 2) há uma nova geração que experimenta a política e se nega a cristalizar como esquerda partidária ou movimento social "organizado". Mais um esclarecimento: não prescindo das causas sistêmicas (capital-trabalho), mesmo porque a "classe trabalhadora", claro que não a de outrora, mas a de hoje esteve nas ruas, embora elas sejam insuficientes para entender e qualificar a novidade dos movimentos de Junho.

Outros, no entanto, vão mais longe e tensionam ao absurdo como a posição que desqualifica e criminaliza os black blocks: "descolados das massas, terminam por fazer o jogo da direita, justificando a repressão." Seria falta de clareza dos objetivos e métodos dos ativistas que compõe o black block ou um sintoma demonstrado por seus críticos da tão conhecida estratégia ideológica de hospedar o opressor?

Seria, então, do meu ponto de vista, uma série de equívocos, más interpretações ou enfoques diferenciados de um mesmo problema que essas avaliações de junho teriam em comum? Acredito que não. Há, de certa forma, uma tradição que restringe, quando não sufoca ou faz retroceder, as potencialidades e possibilidades de transformação societária que a esquerda tanto defende. Se existe uma doença infantil (ou senil) do comunismo é a crença iluminista do partido-vanguarda que com o seu trabalho árduo e permanente dos seus quadros políticos bem preparados e competentes impulsionarão as massas desprovidas de consciência para sua libertação.

A frase que a "tarefa de libertação da classe é tarefa da própria classe" seria pura retórica com o objetivo ideológico de unificar uma classe em torno de um partido? Sendo bem freiriano, em especial na Pedagogia do Oprimido, ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão e o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os "argumentos de autoridade" já, não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.

 

Rodrigo Crepalde, doutorando em educação, Núcleo Psol Isegoria.

1Não menciono àqueles que reacionariamente definiram o movimento de "junho" como uma tentativa de golpe da direita, pois os mesmos não cansam demostrar de que lado estão, apesar de viverem nostalgicamente uma pretensa identidade de esquerda. Afinal, podemos pensar em um golpe da direita sobre direita em nome da direita?


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

first
  
last
 
 
start
stop

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.