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manifestação rjBrasil - Diário Liberdade - [Paulo Gustavo Roman] As jornadas de luta que ocorreram em junho parecem ter inaugurado uma nova etapa da luta de classes no Brasil. Além das condições materiais que serviram de alavanca para a luta na rua, cabe ressaltar o protagonismo que os estudantes/professores vêm tendo ao longo dos combates levados a cabo ao longo dos anos de governo do PT. Se assim for, precisamos entender em que sentido estes acontecimentos tocam no seio da produção/reprodução das relações de dominação.


De acordo com a clássica tópica marxista, a imagem que melhor exibe a estrutura da sociedade é a estrutura de um edifício, sendo composta por uma base (a infraestrutura) e seus andares superiores (a superestrutura). Segundo alguns comentadores de Marx, cada sociedade específica tem uma base de sustentação que determina, em última instância, as superestruturas. Assim, a Idade Média tinha como pilar de sustentação a Igreja, já a sociedade moderna tem como base de sustentação a economia, isto é, as relações sociais são determinadas, em última instância, pelas relações econômicas. Os meios de produção estão separados da força de trabalho, assim, aqueles que não possuem nada mais além da sua força de trabalho só acessam ao mercado vendendo sua mercadoria (força de trabalho).

Daí, em linhas gerais, é possível recolocar a tópica marxista e se perguntar sobre a função que a escola ocupa na sociedade capitalista; sendo que a luta de classes, vista a partir de uma perspectiva economicista, se dá na esfera da produção (econômica), e os demais aparelhos do Estado estariam relegados à função de reproduzir as relações de produção. No entanto, ao que parece, a relação entre o mercado e as escolas podem não obedecer de modo mecânico a essa lógica de pensamento, pois poderia ser facilmente descartada e substituída por outras instituições. Isso não é o que vemos acontecer, mesmo com os avanços tecnológicos do atual estágio do capitalismo.

Ao contrário, cabe ao aparelho ideológico do estado como a escola reproduzir as relações de dominação qualificando a "mão de obra" que exercerá os postos de comando na cadeia produtiva (ou do Estado), do mesmo modo que desenvolve tecnologia para o avanço das forças produtivas; como também produz novas relações de dominação ao estabelecer um regime de
"submissão às regras da ordem estabelecida, isto é, uma reprodução da submissão desta ideologia dominante para os operários e uma reprodução da capacidade para manejar bem a ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão" (ALTHUSSER, Ideologia e aparelhos ideológicos do estado, p. 21/22). Pode-se notar assim que a função dessa instituição não se limita a garantir a reprodução das relações de dominação.

No entanto, o leitor deve estar se perguntando o porquê desse preâmbulo todo para abordar a questão das lutas que têm ocorrido no Brasil há pelo menos dez anos. De acordo com a visão economicista clássica, os estudantes/professores e outros "profissionais" da educação estariam reduzidos a cumprir com a função (secundária) de reprodução, ou, na melhor das hipóteses, seus enfrentamentos só poderiam ter sucesso na luta de classes caso estejam sob a "direção do proletariado", ou seja, da luta econômica entre o capital e o trabalho. Novamente a relação mecânica não pode ser feita, pois as contradições (no plural, porque não se reduzem à esfera econômica) que permeiam as diferentes sociedades (capitalistas) variam de acordo com seus problemas específicos. Assim, a contradição econômica pode ser determinante, em última instância, em sociedades com maior desenvolvimento das forças produtivas, e em outros, como a China, a contradição agrária (latifúndio unido com o problema milenar da dinastia chinesa) pode adquirir a posição de dominante frente às demais contradições (cf.. Mao Tse-tung, "Sobre a contradição").

Nesse sentido, uma greve dos professores em Oaxaca (estado ao sul do México) em 2006 desencadeou uma revolta que terminou na expulsão dos governantes da capital do estado e a construção de uma comuna que durou cerca de 7 meses. Claro que não foi só a greve dos professores o único responsável pelo levantamento da população contra o governo, mas foi a condensação de contradições que teve como ponto de fusão na luta dos professores.

No Brasil temos uma situação extremamente distinta das quais a população de Oaxaca tinha naquela época, no entanto, a exposição da luta dos professores oaxaqueños serve-nos para compreender que a luta da educação não está separada, isolada, da luta de classes que permeia a sociedade. A estabilidade política conquista pelo governo petista ao longo desses doze anos foi muito em função da estabilidade e crescimento econômico que incluiu uma enorme quantia de trabalhadores (formais e informais) no mercado de consumo, o que fez, por sua vez, aumentar também os lucros das empresas que investem no setor produtivo e improdutivo (tendo em vista a política econômica voltada ao mercado interno não alterou a política econômica voltada ao capital financeiro); desse modo, pode ser realizado um pacto entre esses dois setores que estão na ponta da cadeia produtiva. Portanto, a primazia do econômico sobre o político deu o tom das ações que o governo levou a cabo, por conseguinte, à medida que essas políticas econômicas começam a dar sinais de esgotamento, também se torna cada vez mais evidente a permanência da precariedade das condições materiais (leia-se, condições de vida) da classe trabalhadora brasileira.

É dentro dessa perspectiva que precisamos ler os atuais enfrentamentos na educação, até porque não são tão atuais assim. Basta um momento para nos darmos conta do papel que os estudantes, professores e trabalhadores da educação tiveram ao longo dos governos petistas: desde 2003, com a Revolta do Buzu, os estudantes vêm se organizando em torno da luta pelo transporte público, em que algumas demandas dos estudantes foram aceitas, mas a principal, a redução do preço da tarifa, não foi conquistada; logo após também houve diversas lutas contra o aumento da tarifa, sendo a de Florianópolis uma das mais famosas, a Revolta da Catraca de 2005. Além disso, estudantes, professores e técnicos protagonizaram uma das greves mais fortes e longas que o governo petista enfrentou nesses doze anos de governo. Com uma mobilização nacional, em 2012, em que 50 das 53 existentes instituições federais de ensino superior entraram em greve, em grande parte geral, unificando a luta dos estudantes, técnicos e professores.

Essas jornadas de luta deságuam nas jornadas de luta de junho, nas quais os setores estudantis tiveram grande participação nos enfrentamentos. É justamente nesse sentido que precisamos ler a convergência das lutas dos professores do Rio de Janeiro, d@s alun@s da Unicamp "contra a PM no campus" e a favor da desmilitarização e da luta d@s alun@s da USP por uma nova estatuinte. Tais enfrentamentos não aparecem no cenário político ao acaso, mas são reflexos de problemas estruturais que só se deixam "ver" quando a cortina de fumaça que cobria o governo Lula começa a baixar.

1) A luta por melhores condições de trabalho (e de estudo) d@s professor@s do Rio de Janeiro toca no "calcanhar de Aquiles" dos governos do PT: não necessariamente interessa ao capital financeiro (aquele que vive dos "títulos" da dívida pública) a qualificação "da mão de obra" na medida em que não há desenvolvimento da indústria nacional, sendo que a incorporação das "massas" de trabalhadores ao mercado foi por meio do setor de serviços, nem tampouco a produção de conhecimento que vise ao desenvolvimento das forças produtivas brasileiras. 2) A luta dos estudantes da Unicamp e da USP tocam também em temas caros aos governos petistas, como a herança militar que permanece intacta no Estado brasileiro; além de permanecer como era antes, com as jornadas de junho o Estado brasileiro começa a dar sinais de reativação das leis que vigoraram com o AI-5 (leis de "segurança nacional"), como é o caso do governo do Rio de Janeiro na repressão aos professores.

Portanto, mais do que tudo, a luta encampada por esses setores da classe trabalhadora coloca o aparato repressivo do Estado em xeque, na medida em que as crescentes mobilizações não podem ser mais barradas pelo aumento da repressão; sendo que a cada nova atitude repressiva, mais legitimidade o movimento ganha perante aos outros setores da "sociedade". A desmilitarização da polícia, a exigência de democracia na USP e a luta por melhores condições de trabalho dos professores do Rio não são apenas pautas reivindicatórias (reformas momentâneas), mas sua realização só é possível por meio de uma transformação radical da sociedade. É esse o significado dessas lutas, que deixaram de ser abstratas e ganharam adesão das diversas categorias da classe trabalhadora. A história está aberta a ambos os lados da luta de classes, a vitória desses setores contribuirá indiscutivelmente para o aumento das forças da classe trabalhadora e demais setores explorados e excluídos.

 

Paulo Gustavo Roman é doutorando em Filosofia pela Unicamp.


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