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milton temerBrasil - Habanero - Por quais caminhos deverá seguir a esquerda? Esta é uma espécie de pergunta-ideia fixa para quem pensa que é preciso mudar a vida.


A revista Habanero não quer fugir deste destino escolhido e tem a grande satisfação de entrevistar, logo em seu primeiro numero, dois dos mais significativos militantes socialistas do país: Milton Temer e João Machado.

Abaixo Diário Liberdade reproduz apenas a entrevista com Temer. Amanhã postaremos a de Machado.

Milton Temer (foto) nasceu em Vila Isabel na década de 30, foi oficial da Marinha até ser cassado pelo golpe de 64. Assim passou ao jornalismo profissional. Militou no PCB nas décadas de 60 e 70, exerceu uma vez o mandato de deputado estadual (1987-1991)* e duas vezes o de deputado federal pelo PT (1988-2003), partido do qual se desfiliou para fundar o PSOL.

Habanero - A vida tem sido marcada pela crise do capitalismo, assunto dominante desde 2008, pelo menos. Muitos movimentos de contestação eclodiram, mas poucas mudanças estruturais ocorreram. Por que isso se passa na tua opinião? Falta um projeto aos movimentos de contestação? Faz sentido falar em socialismo neste contexto?

Milton Temer (M.T.) – A derrocada ideológica dos partidos comunistas mais importantes da Europa, na década de 90 e a opção explícita da socialdemocracia de colocar em andamento a contra-revolução neoliberal da parceria Tatcher-Reagan produziram uma geração de desencanto com os partidos políticos. Como consequência, o apelo dos movimentos sociais espontâneos se tornou alternativa quase exclusiva para essa geração. Mas qual o problema constatável desde os primeiros momentos? O movimentismo nascido dessa negação dos partidos não conseguiu produzir uma forma orgânica capaz de dar continuidade e desdobramento àquilo que era deliberado em amplas assembleias de rua, emocionantes e generosas, mas sem nenhum poder transformador concreto. Por conta disso, tanto Sarkozy quanto Rajoy, só para citar exemplos localizados, recorreram à falácia de que, no contraponto desses milhares na rua, havia os milhões que não se manifestavam, os quais, cretinamente, contabilizavam como se fossem apoiadores potenciais de seus governos pró grande capital. E tinham razão para tanto. No auge de uma dessas ondas de manifestações na Espanha, em pleno processo de eleições na Espanha, a direita conseguiu uma vitória eleitoral. Não me ocorre agora se vitória regional ou nacional. E quem consegue vitória eleitoral, a despeito dos que desprezam a participação em tais processos, é quem ocupa as cadeiras das Casas que fazem leis; que deliberam os programas de governo.

A exceção ficou por conta dos gregos que, não por acaso, foram os que conseguiram interagir a ação das ruas com a ofensiva organizada de partidos de esquerda – com destaque para o Syriza, mas também fazendo constatar uma importante participação do PC grego -. E, não por acaso, essa ação combinada permitiu uma luta num patamar mais alto. Uma importante vitória política numa luta claramente anticapitalista, e apontando para o objetivo estratégico do socialismo como única solução humanisticamente aceitável para o futuro.

Habanero - Você militou no PT durante muitos anos. Passados alguns anos da ruptura, o que pensa daquele partido? O que pensa ter levado o PT aos caminhos que assumiu? Havia algo de errado na forma de funcionamento ou na concepção programática do PT que não deva ser repetido? Alguns têm apontado na própria concepção de "projeto democrático-popular" raízes que levaram aos processos de acomodação posterior. O que pensa disso?

M.T. - Do saudoso PT, Partido dos Trabalhadores no qual militei durante mais de uma década; e cuja legenda tive a honra de representar como deputado estadual constituinte; como candidato ao Senado e como deputado federal por dois mandatos, só posso ter lembranças positivas. Principalmente do período na Câmara dos Deputados, onde o partido desempenhou papel fundamental no combate ao neoliberalismo predador do mandarinato de FHC. Já da legenda que o substituiu, que denomino neoPT, legenda majoritária nos mandatos do lulopragmatismo, tenho a pior das impressões. Considero-a produto de um estelionato ideológico; de assalto desavergonhado a um patrimônio histórico que só tinha algo de comparável no Partido Comunista da Constituinte de 46. O neoPT é produto de uma guinada ideológica assustadora, responsável pela política de rendição ao grande capital financeiro, ao agronegócio e às empreiteiras, que terminou por propiciar uma radical despolitização da política, por conta daquilo que Lula afirmava cinicamente – "cuidar da pobreza no Brasil é barato. Vale lembrar que em 2012, Bolsa-família entregou R$ 19 bilhões a 13 milhões de famílias, enquanto permitia, apenas aos dois principais bancos privados – Itaú e Bradesco – um lucro em nove meses; reitero, em nove meses, de R$ 49 bilhões. Ou seja 4 vezes e meia a mais do que o despendido em todo um ano, destinado ao arrefecimento das entidades outrora combativas da sociedade civil ligadas ao PT – MST e CUT, principalmente –, por conta do atendimento dos segmentos mais precarizados, e até então praticamente abandonados. Resumindo; o que o PT histórico teve de importante na formação de uma consciência profundamente rebelde no período pós-ditadura, o neoPT teve na acomodação, depois que chegou ao Planalto, se revelando Lula um dos mais eficientes mantenedores da ordem capitalista em todo o período republicano.

Habanero - O PSOL está conseguindo superar o PT como partido socialista? Que papel, na tua opinião, o PSOL desempenha e precisa desempenhar no Brasil hoje? O debate sobre as eleições já está acontecendo, como você vê o partido e a esquerda socialista neste processo?

M.T. - O PSOL nasce em condições bastante difíceis do ponto-de-vista conjuntural. Com Lula no Planalto, a despeito da contraditória decisão de aplicar o desmonte da Seguridade Social, que o PT havia impedido FHC de concretizar, a idéia da "disputa por dentro" ainda prevalecia para amplos segmentos da esquerda mais combativa do partido. A CUT e o MST, por outro lado, pelo menos por suas cúpulas, foram rápida e facilmente cooptados a um imobilismo aterrorizador. E passam a ter uma posição de hostilidade em relação à nova opção partidária que nascia à esquerda do espectro partidário, cujos objetivos e práticas lhes causavam problemas de consciência. Mesmo assim, com todas as dificuldades resultantes da ausência de uma massa crítica social sequer próxima daquela que sustentara o nascimento do PT no início dos anos 80, e até mesmo a despeito dessas dificuldades, no contexto atual, o PSOL – graças principalmente ao excelente desempenho de suas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado – , é força ascendente incontestável. E terá candidato próprio a Presidente da República em 2014, com uma campanha claramente anticapitalista, no plano interno, e anti-imperialista na política internacional.

Habanero - E as experiências da esquerda brasileira anterior aos 80 (o PCB daquela época, por exemplo)? O que nos ensinam sobre a luta política no Brasil? Há lições a tirar?

M.T. - Não se constrói o futuro desprezando as experiências do passado. Sempre há o que aprender com êxitos, sempre eventuais, e fracassos, de forma genérica duradouros em suas consequências. Não sou entusiasta da liderança de Prestes na fase pós-II Guerra Mundial do PCB. Muito pelo contrário. O líder da nunca batida Coluna não soube reproduzir na vida política a competente visão militarista do combate contra o status quo, na batalha contra a Velha República. O Partido foi bisonhamente jogado na ilegalidade no seu momento de te maior prestígio social, por conta da subestimação do papel reacionário do governo Dutra. Cometeu erros incríveis na avaliação do segundo governo Vargas, erros que repetiu na queda de João Goulart. Não vou entrar em detalhes porque isso valeria bem mais do que uma entrevista. Mas não é difícil encontrar material de leitura para confirmar o que não hesito em dizer sobre esse período. No combate à ditadura proveniente do golpe de 64 contra Jango, com a ausência de Prestes, sem dúvida o PCB teve um trabalho bem mais positivo e eficaz, ao concentrar a luta na organização das massas, fixando o objetivo da luta numa nova Constituição republicana, em contraponto às corajosas, porém ineficazes propostas de luta armada que prevaleceram entre boa parte dos resistentes ao regime. Lamentavelmente, não soube desdobrar esse trabalho organizativo no período da transição pela alto, após o governo Figueiredo, exatamente pela falta de ousadia, ou até mesmo pela covardia com que entregou o processo aos setores da burguesia que se desligavam da ditadura onde antes se locupletaram. Foi por essa posição vil da direção do PCB que se abriu a porta ao bem sucedido PT.

Habanero -Qual foi a experiência política mais decisiva que você viveu? Alguma vez se questionou sobre se tinha valido a pena apostar na militância política de esquerda?

M.T. – Sem nenhuma dúvida, meus mandatos como deputado federal. Foi onde senti de forma mais explícita, mesmo num quadro de oposição minoritária, numa luta incessante contra um senso comum absurdamente condicionado pela lógica do neoliberalismo predador como algo de "moderno". Ao contrário de vários companheiros de luta na ditadura, nunca tive dúvidas sobre o novo tipo de autoritarismo que se implantava no País, a partir do desmonte das instituições do Estado e da imposição do "mercado" como árbitro das relações econômicas. O momento presente comprova que fiz a opção correta, mesmo que enfrentando imensa pressão social, por conta das ilusões "anti-inflacionárias" do plano Real. E continuo acreditando que a disputa de espaço no Estado é fundamental para as forças revolucionárias de esquerda. Principalmente num país de regime presidencialista, onde a possibilidade de reproduzir um movimento semelhante ao que fizemos por Lula não é uma abstração absurda. Nem é absurdo imaginar que, numa segunda vitória como aquela que tivemos em 2002, elejamos alguém que não traia o que prometeu em sua campanha. Para isso é que me empenho na consolidação e fortalecimento de PSOL, de molde que se torne um estuário natural do movimentismo espontâneo, a partir do momento em que seus participantes se dêem conta de que a rejeição à vida partidária, sem abrir mão do trabalho nas massas, termina servindo à manutenção do que aí está.

Habanero - Muitos jovens questionam, de uma forma ou de outra, a realidade, até desconfiam do capitalismo ou o criticam, mas não se reveem na forma tradicional de organização político-partidária e nem mesmo nos movimentos sociais tradicionais. O que você diria a eles?

M.T. – Acho que já respondi isso lá em cima, ao falar do que há de inócuo no movimentismo que nega os partidos políticos. A campanha de Freixo, aliás, foi uma boa experiência de recuperação dessa até recentemente "juventude sem causa". E eles e elas estão se filiando ao PSOL. Sinal que, a despeito de tudo, é Luta que Segue!


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