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021212 juventude le-monde brBrasil - Le Monde Diplomatique - [Regina Novaes] Em que pesem os esforços de muitos, há um longo caminho a percorrer para a efetivação dos "direitos da juventude". Na sociedade e nos governos, ainda são vigentes muitos (pré)conceitos e projeções sobre "a juventude" que dificultam o (re)conhecimento das atuais vulnerabilidades e potencialidades dos jovens.


Os diferentes momentos de sua história, a sociedade brasileira sempre contou com a presença de jovens mobilizados por diferentes sonhos e causas. Porém, enquanto um particular “sujeito de direitos” – que demanda “políticas públicas” específicas –, a juventude só emergiu no final dos anos 1980, momento em que a “exclusão de jovens” se tornou parte constitutiva da questão social nacional e internacional.

Não por acaso, 1985 foi decretado o Ano da Juventude pelas Nações Unidas. Vivia-se, na época, o ápice da nova divisão internacional do trabalho, com o aprofundamento dos processos de globalização dos mercados, de desterritorialização dos processos produtivos e de flexibilização das relações de trabalho. No Brasil, assim como em vários países da América Latina, tais processos também foram acompanhados pelo esgotamento do modelo de modernização conservadora dos anos 1980 e pela crise da dívida externa. Assim, em tempos de Consenso de Washington, projetos de ajustes e “enxugamento do Estado” priorizaram o equilíbrio fiscal e o corte de gastos, interrompendo várias iniciativas de políticas sociais distributivistas e comprometendo as democracias que sucederam os regimes autoritários nos países da região. Tais mudanças econômicas, tecnológicas e culturais afetaram particularmente a juventude.

As primeiras demandas em torno dos “problemas dos jovens” foram levadas a público por organismos internacionais, gestores e políticos nacionais, ONGs, organizações empresariais, setores de Igrejas e também sustentadas por um conjunto de grupos, redes e movimentos juvenis. A favor da “juventude”, em um movimento de mão dupla, envolveram-se instâncias do poder público e diferentes setores e atores da sociedade civil. Contudo, nesse primeiro momento, ainda não se falava muito em “direitos”. A ênfase estava, principalmente, na necessidade de contenção e prevenção.

Para conter o desemprego e prevenir a violência, tratava-se de “ressocializar”, “promover o retorno aos bancos escolares”, “capacitar para o trabalho”, “inserir em dinâmicas de integração social”, “fomentar o protagonismo e o voluntariado juvenil”. Nesse cenário, nos anos 1990, surgiram os “projetos sociais” voltados para jovens “em situação de risco”, moradores de periferias urbanas consideradas pobres e violentas.

Nessa época também surgiram os primeiros espaços governamentais de juventude em vários países da América Latina. Na ocasião, no Brasil registraram-se algumas iniciativas de criação de secretarias e coordenadorias municipais e poucas estaduais, mas não se criou um espaço governamental nacional de juventude. Mesmo assim, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, programas voltados para adolescentes e jovens foram introduzidos em vários ministérios, com destaque para o Ministério do Trabalho, assim como as organizações da sociedade civil foram incentivadas a lidar com jovens, de até 18 anos, por meio de ações coordenadas pelo Programa Comunidade Solidária.

Posteriormente, em 2005, no primeiro governo Lula, no âmbito da Secretaria Geral da Presidência da República, foram criados a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de Juventude, com o objetivo de elaborar, validar, articular e avaliar programas e ações voltados para jovens de 15 a 29 anos. Na mesma ocasião foi criado o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), que contempla pessoas de 18 a 29 anos que não terminaram o ensino fundamental. Em seguida foram realizadas a I (2008) e a II (2011) Conferências Nacionais de Políticas Públicas de Juventude, envolvendo jovens de diferentes identidades e espaços de participação, vindos dos quatro cantos do país.

Nesse novo contexto, a linguagem dos “direitos” passou a organizar e ressignificar um conjunto das demandas (de distribuição, de reconhecimento e de participação) da juventude. O resultado desse progressivo “enquadramento semântico” pode ser observado no texto-base da II Conferência de Políticas Públicas de Juventude, realizada em Brasília em dezembro de 2011. “Conquistar direitos e desenvolver o Brasil” foi o tema desse evento. E os direitos da juventude foram organizados em cinco eixos: 1) direito ao desenvolvimento integral (trabalho, educação, cultura e comunicação); 2) direito ao território (povos tradicionais, jovens rurais, direito à cidade, ao transporte, ao meio ambiente); 3) direito à experimentação e qualidade de vida (saúde, esporte, lazer e tempo livre); 4) direito à diversidade e vida segura (segurança, diversidade e direitos humanos); e 5) direito à participação.

Como se pode observar pelos eixos acima transcritos, os chamados “direitos da juventude” podem ser localizados em uma dinâmica área de confluência entre os clássicos “direitos de cidadania” e os direitos humanos, que foram sendo paulatinamente reconhecidos em convenções internacionais. Dessa maneira, os temas remetem a conquistas históricas (pois cada geração de direitos propiciou a emergência da outra) que marcam o mundo globalizado. Mas isso ainda não é tudo. A maneira peculiar de classificar e anunciar os “direitos da juventude” também reflete a atual condição juvenil, na qual estão em profunda mutação os padrões de passagem da juventude para a vida adulta. Sem a menor pretensão de esgotar o assunto, farei a seguir três comentários sobre experiências, demandas e características de espaços de mobilização da atual geração pelos quais circula a noção de “jovens como sujeitos de direitos”.

1. Direitos à educação e ao trabalho: velhas demandas e novos conteúdos

Em 2011, foram muitos os exemplos de mobilizações juvenis que chegaram ao noticiário internacional. No Chile, os jovens, conhecidos como pinguins, que há alguns anos saíram às ruas para reivindicar acesso aos meios de transporte, voltaram às ruas para protestar contra a mercantilização da educação universitária. Imagens de “ações violentas” dos jovens ingleses provenientes de bairros de desempregados correram o mundo. Na Espanha e em Portugal, os jovens “indignados” também reagiram ao desemprego, ocupando praças, levando consignas por reformas radicais na educação e no mundo do trabalho. No Brasil, embora com pouco registro da imprensa, em várias capitais os jovens marcaram presença no espaço público, indagando por seu lugar nos rumos do “desenvolvimento”.

Entre eles, em comum um medo de sobrar, de não encontrar um lugar no mundo presente e futuro. Os certificados escolares não são mais garantia de inserção produtiva e a palavra “trabalho” sempre evoca incertezas. Mesmo em países com reconhecida cobertura educacional, os certificados escolares são como passaportes: necessários, mas por si só não garantem a viagem para o mundo do trabalho.Além disso, e cada vez mais, a aparência e o endereço funcionam como filtros seletivos no competitivo e mutante mercado de trabalho.

Por isso mesmo, nos espaços de mobilização juvenil no Brasil atualizam-se as demandas por direitos: “direito à educação de qualidade” e “direito ao trabalho decente”. Para garantir a qualidade da educação é preciso desengessar o sistema escolar, o que significa rever a capacitação e remuneração dos professores; adequar currículos; flexibilizar tempos escolares, permitindo novas combinações entre trabalho e estudo; introduzir novas tecnologias de informação e comunicação como recurso para a aprendizagem. Para garantir trabalho decente para a juventude, é preciso considerar a diversidade e buscar a conciliação entre estudos, trabalho e vida familiar, o que significa ampliar as oportunidades de emprego assalariado e melhoria de sua qualidade; promover condições de saúde e segurança no local de trabalho; ampliar o acesso a terra, trabalho e renda no campo; melhorar a qualidade dos empregos, com ampliação das oportunidades no campo dos “empregos verdes”; ampliar oportunidades de trabalho por meio da economia popular e solidária, do associativismo rural e do empreendedorismo.

2. Direito ao território: juventudes locais, pertencimentos e circulação

Desde os anos 1990, em áreas pobres e violentas começaram a proliferar grupos culturais em torno de estilos musicais (tais como rock, punk, heavy metal, reggae, hip-hop, funk), artes cênicas, grafite, danças (street dance, break) e grupos esportivos (entre eles, futebol, basquete de rua e skate) a partir dos quais são levadas demandas juvenis ao espaço público.

Para compreender a importância desses grupos, é preciso lembrar a inédita conjugação histórica entre a proliferação de armas de fogo (submetida aos interesses da indústria bélica), a corrupção e a violência das polícias despreparadas para lidar com a juventude (que exigem dinheiro dos mais ricos e sujeitam os mais pobres a vários tipos de humilhações) e a existência de territórios pobres dominados pelo comércio de drogas ilícitas (que nada mais são do que a parte mais visível de uma rede bem mais ampla e complexa que cobre o mundo e gera lucros). Nesses espaços, os chamados grupos culturais funcionam como antídotos à “discriminação por endereço”, pois ampliam espaços de experimentação e de criação estética, (re)criam laços de pertencimento e afirmam identidades territoriais.

Suas invenções, (re)conhecidas no conjunto como “cultura de periferia”, têm tido grande importância no processo de conscientização e mobilização por direitos de jovens dessa geração. Por exemplo, em entrevistas, jovens de vários movimentos sempre acabam lembrando letras de rap que foram importantes para seu próprio engajamento. Recentemente ouvi um jovem baiano relembrar o rap da “Revolta do Buzu”, movimento de jovens secundaristas contra o aumento da passagem de ônibus em Salvador.

Por outro lado, é interessante notar como a ideia de “direito ao território” pode acolher diferentes grupos e demandas da juventude e ainda conter dentro de si outros conjuntos de direitos. No documento da II Conferência, nesse item se incluíram jovens dos chamados povos tradicionais e jovens rurais, assim como o direito à cidade, ao transporte, ao meio ambiente. Talvez para um especialista na área de direitos essa classificação deixe a desejar. No entanto, do ponto de vista das mobilizações juvenis, é interessante notar um rico movimento de circulação e (re)apropriação de ideias por meio do qual se cria a possibilidade de comunicação e articulação política entre diferentes segmentos da juventude brasileira espalhados por diferentes territórios vulnerabilizados.

Não por acaso os formuladores de políticas públicas de juventude se reconhecem desafiados a encontrar mecanismos de integração territorial dos programas e ações voltadas para a juventude que levem em conta a sustentabilidade socioambiental, a dimensão cultural, os elos de pertencimento e as diferentes dimensões da subjetividade das “juventudes locais”.

3. Direito à diversidade: identidades múltiplas e o lugar da solidariedade

Às questões de gênero, raça e etnia (herdadas dos anos 1970 e 1980), mais recentemente se somaram demandas voltadas às distintas orientações sexuais e aos “jovens com deficiência”, configurando-se, assim, um dinâmico mapa da diversidade da juventude brasileira.

Ao mesmo tempo, o tema da diversidade nos leva à controversa questão da “identidade”. Pesquisas recentes têm demonstrado que, em suas atuações no espaço público, os jovens somam “causas”, sobrepondo diferentes identidades. Múltiplas causas e experiências de discriminação podem se somar na vida de um mesmo jovem (ser jovem, ser negro, ser favelado, ser homossexual, ser mulher, ser lésbica e “ser cristã”...). A predominância de uma identidade sobre outra ou a combinação de identidades e causas não acontecem em abstrato, mas em processos sociais e trajetórias individuais concretas sendo acionadas de acordo com os conflitos em jogo. Daí a necessidade de evitar esquemas empobrecedores que acabam por substantivar identidades como se fossem únicas, fixas, excludentes.

Recentemente, no dia 26 de maio de 2012, vários jornais anunciaram a segunda edição da Marcha das Vadias em várias cidades do Brasil. Para quem não sabe, o movimento mundial intitulado SlutWalk começou em 2011, após um oficial da polícia de Toronto, no Canadá, dizer que, para evitar estupros, as mulheres deviam deixar de “se vestir como vadias”. O movimento mobilizou segmentos juvenis e se espraiou via internet. Nos protestos contra o machismo, as mulheres usam roupas provocantes e criam performances engraçadas e irreverentes.

Durante a Marcha das Vadias em Copacabana, no Rio de Janeiro, pude observar, na prática, como se articulam as diferenças no interior de um mesmo movimento quase totalmente constituído por jovens. No momento em que um grupo gritava slogansa favor do aborto na frente de uma igreja católica, algumas jovens, que carregavam cartazes dizendo “sou cristã e sou lésbica, pela diversidade sexual” e se apresentavam como da “Comunidade Betel” do Rio de Janeiro (www.betelrj.com), pararam. Não sei se elas ficaram afastadas porque estavam cansadas ou não quiseram se aproximar da igreja por serem evangélicas ou por não estarem de acordo com a demanda de descriminalização do aborto. Não me senti à vontade para perguntar. Quando a marcha seguiu até a delegacia de polícia, como estava na programação distribuída, elas se reincorporaram ao protesto.

Esse exemplo oferece a oportunidade de refletir sobre uma das características dos movimentos juvenis contemporâneos. Cada vez mais convocados pela internet e demais tecnologias móveis, os participantes de uma manifestação pública não compartilham necessariamente todos os pontos de vista, sejam eles morais, ideológicos ou políticos. Um mínimo denominador comum – no caso, o combate ao machismo − produz uma circunstancial “unidade na diversidade” que justifica a Marcha das Vadias como ação coletiva. Dessa maneira, as adesões parciais e pontuais fazem parte constitutiva da configuração do espaço público atual (do qual também faz parte a parcela de jovens engajados em partidos políticos, movimento estudantil e organizações profissionais, entre outras). Assim, para além de evocarem os valores da liberdade (direitos civis e políticos) e da igualdade (direitos econômicos e sociais), os direitos dos jovens (direitos difusos ou de terceira geração) necessitam acionar o valor da solidariedade para dar conta “das diferenças que os unem”.

E qual seria hoje o balanço do caminho percorrido? Em que pesem os esforços de muitos, há um longo caminho a percorrer para a efetivação dos “direitos da juventude”. Na sociedade e nos governos, ainda são vigentes muitos (pré)conceitos e projeções sobre “a juventude” que dificultam o (re)conhecimento das atuais vulnerabilidades e potencialidades dos jovens brasileiros. Contudo, nada será como antes. Interpretadas sob a óptica dos direitos, suas demandas já modificam a pauta das políticas públicas e se transformam em “causas” mobilizadoras que alimentam grupos, redes e movimentos de diferentes segmentos juvenis. Afinal, na noção de “direito” reside um potencial “contrapoder”, simbólico e prático.


Regina Novaes é professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ

Ilustração: Daniel Melim


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