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300912 dilmaBrasil - MonBlog - Enquanto a descrença do sistema político vigente se aprofunda e grande parte dos cientistas políticos e sociais guardam um silêncio vergonhoso e constrangedor (ou se refugiam na moral para explicar esse inquietante fenômeno social), o senso comum vai ganhando terreno e vai difundindo a sua versão.
 
 


A tese do senso comum, que já começa a ganhar a adesão de setores tidos como "instruídos", é mais ou menos a seguinte: o povo é corrupto e como os políticos vêm do povo só poderiam ser corruptos também!
 
Para sustentar essa tese são apresentadas situações comportamentais do cotidiano como "furar a fila", "desrespeitar a faixa de trânsito", etc.
 
É preciso reconhecer que essa tentativa de explicar esse fenômeno tem o mérito de buscar alargar o olhar para além das estruturas políticas, e por isso não está completamente errada. Mas também não está do todo correta pois seu olhar é limitado e as propostas que oferece são igualmente limitadas, estéreis e às vezes suas análises chegam a nivelar a justa luta dos oprimidos com os desmandos dos poderosos.
 
O presente artigo aborda essas questões e mergulha nos meandros da nossa sociedade e da sua política para tentar encontrar os mecanismos que potencializam a corrupção e a desumanização do homem na presente etapa sócio-histórica.
 
Qual sociedade?
 
A ideia de que os políticos vêm do povo nos remete à sociedade. E qual é a sociedade que vivemos?
 
Em primeiro lugar, vivemos em uma sociedade dividida em classes sociais. Todas as sociedade de classes (ou castas ou de burocratas) são marcadas pela divisão entre privilegiados e explorados. Os de cima se utilizam da estrutura política, que foi montada por eles mesmos, para legalizar e legitimar os seus privilégios e interesses. Os de baixo podem até vir a conseguir legalizar alguns ganhos mas para isso terão que lutar (às vezes fazendo levantes quase revolucionários). Seus ganhos, porém, não são eternos e podem vir a ser liquidados se estiverem conflitando com os interesses das classes dominantes. É o caso, atualmente, dos direitos sociais que vêm sendo ceifados na Europa.
 
Em segundo lugar, vivemos em uma sociedade capitalista. Nessa sociedade o objetivo central é o lucro. Na base produtiva do sistema os custos de produção devem ser reduzidos ao máximo possível para que se possa vender mais barato do que o concorrente. Para isso se investe em tecnologia - dispensando parte dos trabalhadores - e se reduz os salários - direta ou indiretamente.
 
A competição desenfreada praticamente inviabiliza o espaço para que se pense no outro, até porque o outro deve ser derrotado para a própria preservação física de si próprio. O empresário que não derrotar o seu concorrente irá à falência. O trabalhador que perder a disputa por uma vaga de emprego poderá passar por sérias privações.
 
A defesa da própria sobrevivência muitas vezes exige o sacrifício de princípios morais elementares: o empresário vai pagar propina aos políticos para ver aprovadas leis e medidas em seu benefício, o trabalhador vai apelar ao fisiologismo para garantir um emprego o que às vezes favorece o "caciquismo" de um político ou empresário.
 
Quando a sensação de imoralidade é endêmica, como sugere a abordagem do senso comum, é evidente que a sua explicação deve ser buscada além da moral strictu sensu. Do contrário ficamos em um beco sem saída. Ou será que devemos defender a eliminação física dos habitantes de uma sociedade inteira?
 
Nos dois casos simples descritos acima pode-se perceber uma base material para a corrupção e o fisiologismo, típicos da nossa formação social. A busca por essas causas colaboram para que encontremos saídas e não devem ser confundidas com conivência ou justificação.
 
Sigamos, então!
 
Na base produtiva da sociedade capitalista impera a alienação do trabalho: os trabalhadores atuam em uma empresa que não é sua, com equipamentos que não lhes pertencem e são separados do produto final do seu trabalho - o que Marx chamou de mais-valia.
A mais-valia é ocultada pelo pagamento do salário, já que a própria força de trabalho, nessa sociedade, é uma mercadoria.
 
Essa alienação acaba borrando a fronteira entre os homens e os objetos por eles produzidos (que lhes parecem estranhos e fora de si), o que acaba criando relações sociais "coisificadas", ou seja, os homens passam a se relacionar pelo o que eles possuem (seja material, seja profissional) e não pelo o que eles são como seres humanos, em suma, se tratam como coisas. Dessa forma vão se desumanizando. Como disse Marx:
 
"A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo dos objetos." [1]
 
Em uma sociedade de mercado altamente competitiva a coisificação ganha contornos dramáticos já que praticamente todos os aspectos da vida social são mercantilizados. A imagem e a aparência (partes do ter) com muita frequência sobrepõem a essência (parte do ser). No mercado de trabalho isso é muito evidente. Sem problematizar essas características, a consultora de imagem e sócia da Dresscoach International Consultoria de Imagem, Silvana Bianchini, explica que:
 
"MBA nos Estados Unidos, vários idiomas e capacitação técnica não são o suficiente no mercado de trabalho. Os entrevistadores muitas vezes dão uma olhada geral nos candidatos, antes de começar a entrevista, procurando dicas visuais para economizar seu tempo. Assim já são eliminados automaticamente os que estão passando mensagens negativas por meio de sua aparência ou maneiras, como um homem de meias brancas, a mulher que está roendo as unhas, etc.
 
(...)
 
A presença visual tem de dispor uma quantidade de integridade e consistência. As roupas sozinhas não serão o truque. É a harmonia de todos os sinais não verbais e a repetição deles que tornaram sua imagem consistente. Como uma identidade visual de uma empresa, que é repetida da mesma forma, seja qual for sua aplicação, é que dá consistência e credibilidade a marca." [2]
 
Em uma sociedade cujo objetivo central é a maximização dos lucros, a essência só é valorizada se pode contribuir com esse objetivo. Para a psicóloga Valeska Rodrigues:
 
"Os empresários não estão totalmente errados em deixar de contratar os obesos. Um obeso tem hipertensão, problemas de coluna e várias outras coisas. O empresário vai querer contratar um funcionário para viver faltando?" [3]
 
Como se fossem produtos defeituosos as pessoas são rejeitadas e descartadas! Mas, em vez de criticar a lógica da ordem social a psicóloga ataca o comportamento das vítimas que se sentem acuadas em um ambiente que lhes hostiliza e discrimina:
 
"Os obesos têm muita dificuldade para conseguir emprego, mas eles não se valorizam. Chegam a certo ponto que eles têm vergonha de sair de casa e se isolam. Nem sequer se aperfeiçoam para o mercado de trabalho." [idem 3]
 
Essas são as leis que engendram o funcionamento da nossa sociedade com seus respectivos efeitos e não podem ser abolidas com o simples respeito "a faixa de trânsito" ou do deixar de "furar a fila", embora sejam desejáveis tais mudanças de comportamento social.
  
Qual política?
 
Como toda instituição social, as instituições políticas são criadas por homens de um determinado período histórico para atender determinados interesses e objetivos. Assim:
 
"As instituições políticas da democracia moderna foram erigidas pela burguesia para legitimar e legalizar o seu modelo de sociedade. Mas a democracia criada por ela rejeitava a participação política das classes populares e, quando pressionada pelas lutas das mesmas, se viu obrigada a ceder alguns direitos, a burguesia não vacilou em descaracterizar a participação do andar de baixo e manter a essência de classe do seu regime político, criando regras e mecanismos para garantir que os reais representados dessa democracia fossem seus próprios pares.
 
Quando as classes populares conseguem ultrapassar todos os obstáculos impostos e ameaçam os interesses dos reais representados a democracia moderna despe-se de toda a aparência democrática que engana nos momentos mais calmos, mostra a sua verdadeira face, trata de lembrar para quem foi construída, quem realmente representa, e os golpes de Estado não tardam a emergir com toda a força. O interesse de classe fala mais alto e a própria legalidade é rompida." [4]
 
A estrutura política existente, que como visto foi montada por uma determinada classe, busca reproduzir o modelo de sociedade existente. Quando se simplifica a questão com a generalizante máxima "povo corrupto, político corrupto", se perde de vista o papel das classes dominantes na montagem das instituições políticas e se acaba por absolvê-las.
 
O advogado Edson Luís Kossmann, bebendo na fonte do senso comum, tenta aproximar a sociedade da política fazendo referência à práticas do cotidiano como "desrespeito a faixa de trânsito" e "furar a fila", e sentencia: “se participamos do jogo quando nos interessa, não podemos nos queixar que ele exista.” [5]
 
Embora fosse positivo, Kossmann não tem obrigação de saber os meandros de funcionamento da sociedade capitalista, tampouco saber o que se passa no mundo, principalmente a conjuntura política em outros países - apesar de estar extremamente visível para qualquer um.
Mas se fosse mais atencioso não teria escrito o que escreveu ou ao menos teria se incluído na massa dos incoerentes e contraditórios que criticou. Afinal, o escritório do nobre advogado presta serviços para:
 
"prefeituras, câmaras municipais, órgãos estaduais e federais e, ainda, prefeitos, parlamentares, partidos políticos, candidatos, sindicatos e servidores, sempre primando por seus interesses, proporcionando-lhes segurança nas decisões administrativas e nas ações políticas." [6]
 
Será que o senhor Kossmann pede atestado de bons antecedentes para seus clientes antes de prestar-lhes serviços? Difícil imaginar tal hipótese ainda mais que na lista constam as instituições apodrecidas do regime. Como é facilmente constatável, o nobre advogado também participa do jogo. Seria por mero interesse?
 
Mas vamos analisar a hipótese de que os brasileiros deixassem de "furar a fila" e de "desrespeitar o trânsito". Já vimos que o seu efeito seria nulo na engrenagem de funcionamento do sistema capitalista, mas será que poderia alterar a sua estrutura política?
 
Não é preciso fazer exercício algum de futurologia para descobrir a resposta. Basta olhar para o que acontece à nossa volta.
 
A generalização contra os políticos é um fenômeno que se alastra pelo mundo e vem ocorrendo inclusive nos países onde a população tem um comportamento mais aprazível para os nossos pensadores terceiro-mundistas e os desvios morais sofrem mais punições.
 
Nos Estados Unidos e na Europa, onde gente famosa vai para a cadeia, o povo cada vez mais se convence de que os políticos no poder são iguais. No país ao norte do continente se formou os movimentos dos Ocupes para denunciar a farsa da sua democracia e para quem governam os seus políticos. No velho continente surgiram os jovens "Indignados" com a mesma postura e pedindo por uma democracia "real".
 
Mais uma vez a moral é insuficiente para explicar esse fenômeno. A crise econômica do sistema capitalista exige que seus governos tomem medidas para seguir fazendo-o respirar. No atual estágio de desenvolvimento do sistema isso passa por aumentar a exploração do trabalho e drenar recursos para o capital. A estrutura política já não pode disfarçar o seu caráter de classe. E os governos comprometidos com uma institucionalidade cuja tarefa é representar os interesses da classe que domina são impelidos a cumprir com o seu devido papel social.
 
 Superar o existente
 
O jornalista Alex Cruz desconfia que "as causas sejam mais profundas". [7] Porém, o mais profundo para ele é a "jovialidade" do nosso sistema democrático. Mas antes de censurá-lo é preciso fazer um desconto pois essa ideia é repetida ad nauseam por setores da Ciência Política.
 
A realidade histórica e atual mostra a falsidade dessa assertiva. Em 1871, os operários da Comuna de Paris não precisaram mais do que alguns dias para construir um sistema político democrático e controlado de perto pelo povo. Foi uma democracia de classe, da classe trabalhadora.
 
A democracia representativa moderna criada pela burguesia também tem o seu caráter de classe que não se perdeu nem nos países onde ela já atingiu a idade "idosa". Em vez de se abrir cada vez mais como acreditavam alguns cientistas políticos, a democracia nos Estados Unidos e na Europa vem se tornando cada vez mais repressora. O próprio ex-presidente estadunidense, Jimmy Carter, andou criticando o recrudescimento do regime dentro do seu país. [8]
 
Cruz reconhece a influência econômica na política e também tenta fazer a relação do social com o político. Mas escorrega feio na análise e coloca no mesmo nível os desmandos e incoerências dos poderosos e a justa greve realizada recentemente pelos servidores públicos:
 
"(...) ninguém costuma rever ou pedir perdão por excessos: não o fizeram os servidores federais, pela longa greve que protagonizaram e trouxe prejuízos à população, não farão os nossos políticos." [idem 7]
 
Na tentativa de colocar o social no político, o jornalista generaliza e perde de vista que o responsável pela longevidade da greve foi o Governo Dilma que levou dois meses para iniciar o diálogo com os servidores, postura distinta da que defendeu na campanha eleitoral. [9] Logo quem tinha que pedir desculpas era a Presidente e não os servidores.
 
Como não compreende os mecanismos de funcionamento da sociedade em que vive, Cruz pensa poder resolver "as causas mais profundas" com uma simples reforma política. E à luz do que vem demonstrando a crise econômica ainda reivindica mais empreendedorismo e menos regulamentações, ou seja, deseja apagar incêndio com gasolina!
 
Esse é o resultado inevitável de uma filosofia de boteco que ganhou a simpatia e vem sendo erudizada por setores "esclarecidos". São análises que vão sendo espalhadas e aceitas, basta ver os comentários de apoio na internet, enquanto a maioria dos cientistas políticos e sociais permanecem em silêncio sepulcral, até porque muito do que produziram teoricamente vem sendo desmanchado contundentemente pela realidade concreta.
 
Cada formação societária possui suas próprias leis e os homens em seu interior vão sendo socializados influenciados por elas. Isso não significa que os homens sejam completamente determinados pelas estruturas sociais, afinal como já dizia Marx: "a sociedade produz o homem como homem, também ela é produzida por ele." [10]
 
Há, portanto, uma interação dialética entre os indivíduos e as estruturas sociais. O mesmo ocorre no plano da prática e das ideias. A proposta do senso comum e dos seus admiradores "esclarecidos" de que os homens deveriam parar de "furar a fila" para purificar as estruturas políticas é similiar ao que propunham alguns filósofos do século XIX em relação as ideias e que foram devidamente refutadas por Marx e Engels em A Ideologia Alemã. (Para esses filósofos bastaria que os homens trocassem ideias “ruins” por “boas” para que o mundo melhorasse. Os pais do socialismo científico demonstraram os limites dessa proposta e a influência da base social real nas ideias dos homens.)
 
É importante assinalar que a sociedade capitalista não inaugurou a corrupção e a desumanização do homem. Mas a sua forma de funcionamento possui mecanismos que potencializam essas práticas. Quanto mais esse sistema se desenvolve mais o trabalho é alienado, mais a vida social é coisificada, mais valorizado é o "mundo dos objetos" e a competição cada vez mais acirrada reduz cada vez mais o espaço para se pensar no semelhante. Não é atoa que os mais vividos percebam que os níveis de corrupção e desumanização hoje sejam superiores aos de décadas passadas.
 
Esses mecanismos só podem desaparecer com a formação social que lhes deu origem. Por isso quem deseja ver mudanças profundas na estrutura política e social deve lutar para superar o existente e criar uma nova sociedade. E terá de fazer essa dura caminhada com os homens que aí estão com suas virtudes e defeitos. Os interesses de classes que se atravessam nesse caminho mostrarão que haverão muitos "furadores de fila" nas fileiras da mudança e muitos "anjinhos" lutando com unhas, dentes e armas contra a nova sociedade.
 
 
___________________________________________
 
[1] MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Primeiro Manuscrito: Trabalho Alienado.
 
[2] BIANCHINI, Silvana. Sua imagem é importante?
 
[3] Obesos têm dificuldades para arrumar emprego
http://www.rdnoticias.com.br/portal/index.php?Itemid=4&catid=23:acre&id=13084:obesos-tem-dificuldades-para-arrumar-emprego&option=com_content&view=article
 
[4] Democracia e golpismo (30/06/2012):
 
[5] O problema são os outros, principalmente os políticos (19/09/12):
 
[6] DALLAGNOL ADVOGADOS ASSOCIADOS
 
[7] Valores políticos e a reforma (19/09/2012):
 
[8] Carter critica recrudescimento do regime nos EUA (03/07/2012):
 
[9] Dilma explica porque professores das federais entraram em greve / 2012
 
[10] MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Terceiro Manuscrito: Propriedade Privada e Comunismo.

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